terça-feira, 17 de maio de 2011

"Inesquecível, mas não irrepetível"

Há oito anos, André Villas-Boas viveu a euforia de Sevilha por dentro, mas num papel secundário. Aliás, o que fez ele exactamente? José Mourinho conta. Ou melhor, Mourinho deixou escrito no livro que serviu de rescaldo à conquista da UEFA. Salte-se já para a página 175: "O nosso autocarro já tinha partido há dois dias com todo o material necessário. Nele seguiam também os meus dois colaboradores, André Villas-Boas e Lima Pereira, carregados com computadores, projectores multimédia, ecrãs e principalmente com todas as mensagens de vídeo e power point onde iríamos sistematizar ao detalhe todos os movimentos defensivos e ofensivos do nosso inimigo." Foi a primeira de duas referências a Villas-Boas nesse capítulo. Com os holofotes apontados a Mourinho, coube-lhe, em 2003, o papel de técnico de som e imagem para ajudar a desmontar o Celtic. Aparentemente, um papel relevante na estratégia: "Para acentuar a obsessão pelo jogo, foi chegar e estudar. Os primeiros vídeos foram lançados. A exibição de uma compilação de outros jogos europeus do Celtic estava aí, a comparação entre a experimentação em campo, no treino, e a visualização das imagens, era a primeira lição. Os jogadores bebiam as minhas palavras como nunca e seguiam as imagens. Senti, nesse momento, que queriam jogar, que estavam prontos para os 'comer'."

A ideia de que tudo foi programado ao minuto prossegue no livro. Mourinho quis um hotel central para sentir as emoções e contrariar a "teoria de que o isolamento aumenta a concentração". Agora, na Irlanda, o FC Porto optou por um refúgio mais tranquilo, rodeado de praia e campos de golfe. Em 2003, Mourinho não abdicou de um passeio do grupo na véspera do jogo. Aliás, aparece aí a segunda referência directa a Villas-Boas. Página 177: "Ao longe, os contornos difusos do Estádio Olímpico, o palco do nosso sonho, começavam a ganhar forma. Foi um arrepio de emoção onde se cruzaram as palhaçadas do Silvino, a inocência do André Villas-Boas, o sarcasmo do Rui Faria, o fanatismo do doutor Puga, o silêncio do Aloísio e as risadas dos restantes."

Decisiva, diz Mourinho, foi a conferência de Imprensa, com uma mensagem estudada e ensaiada, porque o FC Porto aparecia como favorito. Tal como agora. "Sentia-me forte e decidido, também preparado, e ciente da mensagem que queria passar: confiança e determinação aliadas a uma intervenção psicológica no domínio da pressão que sobre nós colocavam os que nos consideravam favoritos. A nossa época estava ganha e tinha sido fantástica, independentemente de ganharmos ou não. Os meus jogadores são merecedores do meu orgulho." Essas ideias estavam sublinhadas a traço grosso para que os jogadores tirassem o peso dos ombros. "À noite, as minhas palavras foram consumidas na internet, a companheira de solidão dos estágios", escreveu Mourinho.

Oito anos depois, entre diferenças e semelhanças, e já com Villas-Boas no papel de protagonista, sobra para eventual memória futura a frase que remata o livro de José Mourinho depois da vitória. "Inesquecível! Mas que ninguém diga irrepetível!"

As regras de Mourinho na final de 2003

Hotel

Em Sevilha foi no centro da cidade, misturado até com adeptos do Celtic, para que os jogadores nunca se desligassem do ambiente. Em Gelsenkirchen, tal como em Dublin, a escolha já foi mais recatada, num hotel isolado.

Passeio

Não abdicou de passear pela zona central de Sevilha, escolhendo a Praça de Espanha. "Pudemos observar os directos das televisões escocesas e com eles os pedidos de entrevistas. Nem isso tínhamos para lhes dar", conta Mourinho, adepto, na altura, do "contacto com o exterior, sentir o pulso dos adeptos".

Comunicação

Seco e distante à chegada, sem declarações no aeroporto. Conferência de Imprensa estudada à palavra para reverter a seu favor a ideia de que o FC Porto era favorito. A chave da mensagem: dizer que a época já tinha sido fantástica, mesmo sem a vitória.

Estratégia

Adversário em vídeo e em animações de power point, de forma a confirmar por imagens todas as situações alertadas em treino. A compilação foi feita por Villas-Boas. O onze só foi comunicado à equipa na véspera do jogo. Jankauskas, que não seria titular, até se lesionou na véspera. "Disse a equipa e apresentei o plano de jogo, situação por situação, o que fazer, como reagir, como adaptar, como ganhar."

Mensagem

Aos jogadores tinha-lhes dito: "As finais fizeram-se para ganhar. E a mim próprio tinha confessado que não a poderia deixar fugir. Dormi, nessa noite, tranquilo. Chegou o grande dia e acordei feliz, tranquilo, confiante, com a frequência cardíaca estabilizada, ciente de poder transmitir aos jogadores a serenidade necessária." Na última reunião, foi breve no discurso que passou: "Só com controlo emocional se conseguem ganhar finais. Temos de ser iguais a nós próprios, sempre. Foi como equipa que aqui chegámos e é como equipa que temos de jogar. Vamos ter capacidade de superação e daqui a três horas tudo acabou, vamos buscar a taça e vamos para casa." E assim foi.

in "ojogo.pt"

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