Um super-herói imperfeito não deixa de ser um super-herói. Principalmente quando faz milagres. Freddy Guarín fez dois numa só noite. Começou com um pontapé divino a 40 metros de distância e acabou num tiro em arco a beijar docemente as redes amadas. O colombiano não jogou de capa ondulante, escudo indestrutível e asinhas na cabeça, mas a sua verdadeira identidade foi revelada nos festejos do 3-1.
Em passos de dança e chapéu vueltiao na mão, a celebração de uma noite heróica, única na carreira de um ser imperfeito. Como o são tantos super-heróis.
Guarín resgatou o F.C. Porto de duas situações incómodas diante do Marítimo. A trajectória abençoada do primeiro golo indicou o caminho da redenção aos dragões e a do segundo surpreendeu pela execução técnica perfeita, em arco projectado pelo pé esquerdo.
O cigarro que culmina as grandes conquistas derrete na mão de Guarín. Justificadamente. Os adjectivos escasseiam perante tamanho esplendor. Os livros, as teses, os compêndios sobre futebol hão-de guardar um espaço para a noite heróica do colombiano incompreendido. Um atleta imperfeito, sem qualquer dúvida, mas senhor de super-poderes
Sem Falcao, é difícil não ser platónico
Para além do mundo Marvel interiorizado por Guarín, houve um F.C. Porto platónico. Um romântico muitas vezes ingénuo, sem sexo. Não ter Radamel Falcao é uma privação difícil de suportar, de facto. E nem Walter, remetido para 90 minutos de banco, serviu como medicina alternativa.
As dificuldades penetrativas do dragão foram evidentes. A bola ardia em toques velocíssimos, virava da direita para a esquerda, servida pela excelência de Moutinho e Belluschi, mas morria quase sempre na modorra capitalizada por um Marítimo submisso e inofensivo.
Hulk foi ponta-de-lança por obrigação, uma roldana esticada até ao limite, entre Varela e James Rodríguez. Tudo e todos inebriados num futebol não raras vezes poético e sofredor, necessitado de um acto mais carnal, heróico até. Como aqueles golos de Guarín.
Hulk e James associam-se ao herói colombiano
O primeiro golo facilitou a leitura do processo e amansou as dores da revolta. Uma revolta que vinha desde a derrota contra o Nacional, há seis dias. Ainda houve um pontapé do laborioso Moutinho ao poste e um cabeceamento de James Rodríguez a cheirar o golo, antes de Hulk elevar para 2-0 num grito com tanto de irreverente como de sacro.
O Marítimo reduziu sem saber bem como, através de um lance de bola parada, mas os fantasmas não chegaram a assombrar a baliza de Helton. Freddy Guarín e James Rodríguez não o deixaram, apesar de muitas vezes se ter percebido que sem Falcao este Porto pode vir a sofrer no futuro.
Nas alegações finais foi possível aplaudir o regresso de Mariano Gonzalez e usufruir de algumas combinações diabólicas entre o trio da dianteira. O F.C. Porto venceu, enfim, sem contestação possível, mesmo limitado na posição de ponta-de-lança e errático em um ou outro lance de bola parada.
Os da Madeira, vindos de oitos jogos sem derrotas, foram o vilão caído em desgraças às mãos de Freddy Guarín. Sem darem grande luta, nem provocarem danos de monta. O super-herói imperfeito resistiu sem mácula, nem dor. E foi para casa envolvido num espectro de mistério. Afinal, que Guarín é este, senhores?
in "maisfutebol.iol.pt"