O FC Porto esteve até ontem no Sul de França. Não tinha ainda em mente a Supertaça europeia a discutir com o Barcelona, em Agosto, mas com o Mónaco aqui tão perto, era irresistível acenar ao observador que o campeão destacou para o Torneio de Toulon com o grande jogo que abrirá a época de 2011/12 - até foi um golo dele que ajudou a conquistar o único troféu do género, em 1988, e foi no Mónaco que fez parte da carreira internacional. O bilhete de identidade aponta-lhe 45 anos, mas, dito à moda do Porto, isso "é tanga". Rui Barros continua igual - pequenino, 1,59 m de talento que encantou a Europa, num tempo em que Portugal não era o exportador de talento da actualidade, e de uma simplicidade extrema, à semelhança do futebol dele (visto da bancada, é claro): pegava na bola e disparava pelo terreno, a abrir caminho até ao golo. No fundo do azul dos olhos dele, que têm o brilho do miúdo encantado que explodiu no FC Porto da ressaca do primeiro título europeu, em 1987, há-de haver uma bola. Eles fixam-se naturalmente no relvado, absorvem todos os detalhes, individuais e colectivos, das promessas que Toulon expõe, dispensando os maneirismos de muitos dos olheiros em redor, que vêem nele o rosto de uma referência europeia de sucesso: o FC Porto que lança e transfere talento e continua a ganhar. Essa também é a história de Rui Barros, o Rato Atómico que se deu a conhecer na Supertaça de 1987, com uma tabela que derrotou o Ajax, em Amesterdão (Holanda), na primeira mão. Nas Antas, Sousa fez o resto, de livre, e esses golos valeram o único troféu do género. Já era tempo de levar outro para casa: "Espero que, à terceira, seja de vez: perdemos uma com o Valência, outra com o Milan, espero que, com o Barcelona, seja de vez. Era outra época extraordinária".
Como se ganha uma Supertaça
Rui Barros foi decisivo na conquista da única Supertaça europeia do FC Porto. Foi quando se fixou no plantel. O troféu discutia-se a duas mãos e Ivic lançou-o na primeira, a 24 de Novembro de 1987. Em cinco minutos, a Europa ficou a conhecê-lo. "Era o meu aniversário, o meu primeiro ano no FC Porto. Vinha do Varzim para uma equipa campeã da Europa, foi como viver um sonho, em primeiro lugar, por estar no FC Porto, e depois por ganhar essa Supertaça, que ficou como um marco para a minha carreira internacional", recorda. O golo foi o que tinha treinado: "É uma bola que ganho, faço tabela com o Gomes - a nossa táctica era tabelar com ele e, como o Ajax era uma equipa que joga em linha e muito subida, era muito rápido, fiz a tabela, apanhei-me sozinho, driblei o guarda-redes e um jogador e apareci a marcar". Nas Antas, em Janeiro de 1988, Sousa fez o resto, "num livre à entrada da área" que "era a especialidade" dele.
Essa foi uma época de sonho para Rui Barros: "Naquela altura, o FC Porto tinha os campeões da Europa, que tinham ganho tudo e queriam ganhar novamente. Eu era um filho para eles, ajudaram-me imenso, foram fantásticos comigo. Por isso é que se ganha carinho àquele clube, àquela forma de estar". "Só mesmo quem passou por aquela casa percebe a diferença que existe", remata.
"FC Porto é um exemplo"
A bancada de Toulon é um bom sítio para se perceber a dimensão do sucesso e do prestígio dessa estrutura de que fala Rui Barros. Há dois anos, na última participação de Portugal no torneio, os franceses estavam rendidos à ascensão de Cissokho, que passara anónimo no terceiro escalão gaulês e em meia dúzia de meses passara a valer milhões, e às qualidade de Lucho González e de Lisandro López, que importaram para Marselha e Lyon, respectivamente. Nesta edição da prova é James Rodriguez quem arrepia a bancada; Lucho e Lisandro, esses, perderam o brilho de outrora. Para Rui Barros, estes fenómenos são a prova de que "o FC Porto é diferente", tem algo de "especial". "Quanto mais uma equipa for organizada, quanto melhor for a estrutura de base de um clube, como é a do FC Porto, mais facilmente isso é possível, porque os jogadores adaptam-se muito bem, há uma sede de vitórias, um querer ganhar que faz parte da mística do clube, e é mais fácil ser assim. O FC Porto tem feito, tem vendido e continua a ganhar. É um exemplo para todos", e é algo mais. Não são só os milhões que marcam, no Dragão. "Os jogadores ficam com uma saudade do clube que é sinal de que deram o máximo por ele, para ganhar. Tantos anos depois, falam do nosso clube com esse amor, essa mística que é única e há nisso muito mérito das pessoas que estão à sua frente, o presidente Pinto da Costa, o Antero Henrique, todos aqueles que garantem a solidez dessa estrutura", sublinha, convencido de que o Barcelona será algo assim, "um clube onde toda a gente quer ganhar, também", e por isso a Supertaça europeia se oferece tão gloriosa, em 2011, à medida da ambição que distingue os melhores: "Temos duas taças em tudo: duas Ligas dos Campeões, duas Taças Intercontinentais, só temos uma Supertaça europeia. Espero que possamos ganhar esta".
"Falar não custa nada"
Depois de Mourinho, não se pensava que os portistas pudessem voltar a sonhar em juntar dois títulos europeus, mas, depois da conquista da Liga Europa, com André Villas-Boas, a tentação é demasiado forte. Rui Barros entende aqueles que, como Vítor Baía, acreditam que é possível repetir a proeza, mas, acima de tudo, entende que traçar esse tipo de cenários é demasiado fácil, e os caminhos dos campeões tendem a ser mais trabalhosos. Do que está seguro é da vontade férrea de conquista que se respira no Dragão, e isso é animador que chegue: "O falar não custa nada. O que custa é, dentro das quatro linhas, fazer o trabalho que se tem feito e que é exigível. Se vamos ver a qualidade que o FC Porto apresentou este ano, a capacidade da equipa técnica, o ambiente de confiança no clube, tudo isso leva a pensar que podemos conseguir isso. Depois, no fim, é aquela pontinha de sorte que é preciso ter-se na Liga dos Campeões, no sorteio, na fase de grupos, que pode fazer muita diferença, também. É bom que não se esqueça que o FC Porto é de um país pequeno, e veja-se a capacidade que tem. Há algo especial no FC Porto, a humildade, o querer ganhar, o espírito de sacrifício que todos têm, uma grande seriedade no trabalho. E não se fala antes, para se fazer depois. As palavras são fáceis; fazer é difícil. O FC Porto tem feito muito mais do que aquilo que fala, e esse também é o segredo".
"Mónaco na segunda é inimaginável"
Uma conversa de bancada com Rui Barros tem de começar pelo Mónaco, embora, no caso dele, o principado seja uma referência familiar. Hoje, pode parecer estranho, mas, houve um tempo, não muito distante, em que as transferências de portugueses para clubes de topo europeus não eram frequentes. Por causa da Supertaça ganha ao Ajax e do que depois fez no FC Porto, com Ivic, Rui Barros tornou-se uma obsessão para a Juventus e, dois anos depois, em 1990, mudou-se para o Mónaco. O regresso ao Sul de França evoca essas memórias. "Traz algumas recordações, quase todas boas, não só pela vivência, pela região, mas pelo clube onde passei três anos com algum sucesso, que foram muito bons para mim". Essa experiência faz com que partilhe do choque francês pela descida de divisão do clube que o FC Porto venceu na final da Liga dos Campeões, em 2004. "Vinha seguindo este campeonato, como sigo os outros, mas, temos sempre maior fixação nas equipas por onde passámos, e é de cortar o coração ver uma equipa deste calibre descer à II Divisão. É inimaginável, mas, o futebol é mesmo assim, não se pode pensar só nas últimas três ou quatro jornadas, mas ao longo de todo o ano. O fenómeno não é único, neste campeonato, recorda, "é uma coisa que acontece, em França, com alguma frequência". "O Nantes desceu, o Metz, o Auxerre também já passou por isso. Acontece muito; tinham de estar mais preparados", lamenta, sem encontrar uma explicação plausível, até porque, no Mónaco, os benefícios fiscais tornam mais fácil fixar grandes jogadores.
Sem a equipa das camisolas desenhadas pela princesa Grace Kelly para oferecer futebol de primeira, resta aos adeptos do Mónaco a Supertaça europeia. "Ainda bem que vão ver as duas maiores equipas da Europa, neste momento", sorri: "É pena o Mónaco não ter assim um clube na primeira divisão, mas, faz parte do futebol. FC Porto e Barcelona são dos melhores clubes, não só pelos jogadores, mas, também, pelas próprias estruturas. Ambos são considerados, na Europa e no Mundo, como emblemas com um potencial fantástico. Falo pelo FC Porto, que conheço, pelos jogadores que vende, por exemplo".
"James Rodriguez mantém a humildade"
Lançado aos poucos para um final de época sensacional no FC Porto, o colombiano James Rodriguez continua a brilhar, em França, com a camisola 10 dos Sub-20 que preparam o Mundial. Marcou a Portugal, de penálti, no primeiro jogo, e é candidato a melhor jogador do Torneio de Toulon. O desempenho de James Rodriguez enche de orgulho os olhos portistas de Rui Barros: "É um miúdo que chegou cá e continua com a mesma humildade, está disponível para a equipa, não tem ponta de individualismo e isso só lhe dá mais valor, fá-lo crescer como jogador".
Rato Atómico valia mais do que uma mota
Rui Barros nasceu em Lordelo e, apesar do talento com os pés, não foi fácil ganhar um lugar nas equipas seniores. Houve mesmo uma que o recusou porque o contrato incluía ceder-lhe uma mota, para se deslocar para os treinos, e alguém torceu o nariz a um tal investimento. Rodou no Covilhã, no Varzim e, quando chegou ao FC Porto, em 1987, Ivic não hesitou em apostar nele, e o resultado foi o que se viu. O Rato Atómico, como ficou conhecido na Europa, coleccionou títulos no FC Porto, Juventus, Marselha, e voltou a casa, para meia dúzia de épocas. Despediu-se na caminhada para o "penta", outro sonho que ajudou a tornar realidade.
in "ojogo.pt"
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