domingo, 1 de janeiro de 2012

Defour: "Ninguém se atreve a abrir a boca quando o presidente fala"

DEFOUR EM EXCLUSIVO >> Belga admite que as palavras do presidente após a derrota em Coimbra mexeram com o orgulho dos jogadores. Satisfeito com os primeiros meses de Dragão ao peito, o médio confia numa vitória em Alvalade e na eliminação do Manchester City

CARLOS GOUVEIA/ANTÓNIO M. SOARES
Defour está no FC Porto há cinco meses e talvez por isso ainda fale sem rodeios dos assuntos mais delicados. O belga assumiu o mau momento da equipa e contou, por exemplo, que houve um toque a rebate após a derrota em Coimbra, o momento que marcou uma viragem na época. O treinador falou, os capitães também, e todos assumiram que a equipa estava muito abaixo do que podia render. Mas o clique final foi dado por Pinto da Costa quando desceu ao balneário. Pelo que Defour conta, nesse momento ninguém ousou abrir a boca e a mensagem passou. Os resultados mudaram, a equipa entrou nos trilhos certos ao pondo de o médio estar confiante numa vitória em Alvalade. Assumiu ainda a desilusão do grupo pela eliminação na Liga dos Campeões e admitiu que o Manchester City não é o adversário ideal na Liga Europa. Mas garante que a equipa vai à luta.

Como é que viveu aquela contestação toda no pior período da equipa?
Entre nós não havia muitas dúvidas. Sabíamos que tínhamos de trabalhar mais, unir-nos e lutarmos mais e foi o que aconteceu. Cerrámos fileiras e começámos a enfrentar os jogos com outra atitude.

Ficaram marcados pela manifestação de desagrado do público no aeroporto, no regresso de Chipre?
Não foi um dos nossos melhores momentos. Quando os adeptos vieram ao aeroporto não estavam contentes, esperavam mais de nós e tínhamos a obrigação de não os termos desiludido. Temos de aceitar isso, da mesma forma que aceitamos os aplausos quando as coisas nos correm bem. Eles estavam descontentes e com razão. O futebol é assim mesmo: uns dias as coisas correm bem, no outro podem estar mal.

Ficou surpreendido pela espera às cinco da manhã?
Sim, nunca pensei que se levantassem para nos esperar àquela hora, mas também já tinha passado por situações semelhantes em Liège, com o Standard. Mas esperas no aeroporto nunca me tinha acontecido, confesso.

Quando Vítor Pereira disse que teria de mudar alguma coisa a certa altura, sentiu que o grupo assumiu as suas responsabilidades e reagiu?
Sim, deixámos o Vítor Pereira dizer o que tinha a dizer e depois os jogadores fizeram uma reunião. Os capitães falaram e deram voz a todos os que quiseram falar para apontar o que estava mal e o que achavam que deveria ser feito para darmos a volta à situação. Foi o que fizemos. Todos se puseram em causa, por assim dizer, e redobrámos o trabalho. Conseguimos formar uma equipa e, aos poucos, as coisas começaram a funcionar. Talvez os resultados não tivessem surgido logo como nós queríamos, mas o futebol melhorou.

A certa altura, o técnico foi muito contestado. Considera que ele já conseguiu "agarrar" os jogadores?
Todos acharam que seria uma questão de tempo até as coisas melhorarem, mas não foi isso que aconteceu. Ninguém tem qualquer conflito com o treinador, começámos foi a trabalhar mais afincadamente do que antes, fizemos o que os jogadores de um clube como o FC Porto tinham de fazer: percebemos que teríamos de nos unir mais, o treinador foi conversando connosco e as coisas começaram a mudar e a funcionar. Talvez houvesse uma atitude mais individualista antes, mas as questões foram colocadas em cima da mesa. Percebemos que nem sempre funcionávamos como um grupo e depois entregámo-nos ao trabalho pura e simplesmente.

A derrota do FC Porto em Coimbra, na Taça de Portugal, marcou uma viragem na temporada?
Completamente. Ninguém esperava perder. Toda a gente se sentiu revoltada com o jogo que tinha feito e a partir dali começámos a falar mais. Houve um certo orgulho que tinha sido posto em causa e que o grupo pôs em cima da mesa. Unimo-nos e reagimos como um grupo.

Pode explicar o que aconteceu nesse jogo?
Não saberia como o fazer. Talvez tenha acontecido porque não conseguimos entrar no jogo e a Académica estava supermotivada; talvez tenhamos encarado o jogo de uma forma mais relaxada. Queríamos ganhar, mas estas coisas não se controlam com facilidade.

Depois desse jogo, o presidente foi ao balneário falar. Isso também fez a diferença?
Sim, claro. Ele passa muitas vezes nos balneários sem abrir a boca, mas naquele dia conversou com o grupo e depois desse jogo voltou a falar connosco e não tenham dúvidas de que todos nós o respeitamos muito, porque ninguém se atreve a abrir a boca quando ele fala. Notou-se que aquelas palavras pesaram muito entre nós.

"Ir vivendo cada momento"

O seu empresário disse recentemente que você se sentia muito feliz aqui e que até poderia assinar um contrato de dez anos. É verdade que se sente assim?
(risos) Isso foi ele que disse. Mas efectivamente, gosto muito da vida que tenho em Portugal e ficava com todo o prazer, mas não podemos queimar etapas, é preciso ir vivendo cada momento.

Quer dizer que ainda não desistiu da ideia de poder experimentar outro clube?
Talvez, veremos a evolução das coisas, quem sabe se um dia isso não poderá acontecer, mas se puder continuar no FC Porto serei feliz.

"Manchester City é impressionante"

No início da época tinham muitos objectivos, entre os quais fazer uma boa campanha na Champions. No entanto, acabaram por ficar pelo caminho num grupo aparentemente acessível. Foi uma desilusão?
Sim, acho que não ficamos a dever nada às outras equipas. Tínhamos futebol para o Zenit, mas as coisas correram-nos muito mal na Rússia. O cartão vermelho [Fucile] e a lesão [Kléber] desorganizou a equipa. Depois, no Dragão, o guarda-redes deles fez uma exibição de luxo e pronto. Às vezes a sorte pesa demasiado no futebol e desta vez ela esteve contra nós. Éramos favoritos e podíamos ter-nos qualificado, fizemos bons jogos, mas a bola nem sempre entrou quando era preciso.

Agora saiu o Manchester City na Liga Europa, vão saber dar a resposta?
Por mim, preferia uma equipa mais acessível para podermos ter mais certezas de nos apurarmos. Mas é um sorteio de Champions. O Manchester City lidera o campeonato inglês, vi alguns jogos e são impressionantes. É certo que o FC Porto terá de se apresentar no seu máximo, mas podemos apurar-nos. Temos de jogar com o nosso colectivo e todos terão de estar no top.

Quer dizer que o sorteio foi mau?
Sem dúvida. Não tivemos sorte. Serão dois jogos muito difíceis.

Já começaram a pensar nesses jogos?
Não, para já ainda não. Mas teremos tempo para isso até lá.

Aulas de português e muito sol a temperar

Defour fala fluentemente francês, inglês e flamengo, mas em breve vai poder acrescentar mais uma língua ao currículo: o português que considerava "muito complicado" quando chegou ao Porto. "Ando a ter aulas duas vezes por semana. Hoje já percebo quase tudo, mas para falar ainda vai demorar algum tempo. Talvez na próxima entrevista já vos responda em português", prometeu entre sorrisos. Pelas suas palavras percebe-se que foi rapidamente conquistado pelo país que o acolheu em Julho. "Sinto-me em casa aqui. Isto é uma maravilha, temos sol e a vida é boa. Gosto muito da parte mais antiga da cidade, andar perto da ponte D. Luís.", atirou. A alimentação também não é problema. "O peixe é muito bom, apesar de eu não ser um grande apreciador", admitiu.

A revolução de um simples aparelho ortodôntico

A certa altura falou muito do aparelho dentário que passou a usar no FC Porto. Já conseguiu "vender" algum?
Bem, os meus colegas ficaram surpreendidos. Não é que a coisa não fosse conhecida na Bélgica, só que não lhe davam a devida importância. Os meus colegas perceberam que aquilo era útil e quiseram saber como é que isso funcionava e fizeram muitas perguntas. No FC Porto sabem que muito do que nos acontece fisicamente está relacionado com os dentes, enquanto que na Bélgica era um assunto não muito divulgado. Agora, há cada vez mais jogadores a optar por usar um aparelho semelhante. Por exemplo, sei que o Dembelé, em Inglaterra, usa um. A publicidade foi boa porque na Bélgica começaram a procurar esse aparelho dentário. Os fisioterapeutas da federação mostraram-se muito curiosos e os jogadores que estão mais vezes lesionados quiseram saber tudo sobre o assunto.

Biografia será lançada em breve

Atendendo à idade, pode dizer-se que Defour está ainda numa fase inicial da sua carreira de profissional de futebol. O FC Porto até é o primeiro clube que defende fora da Bélgica, mas o médio já tem muitas histórias para contar e pretende partilhá-las com os seus fãs. Por isso, decidiu escreveu uma biografia que estará nas bancas em breve. Numa primeira fase, estará disponível apenas no seu país natal. "O livro foi uma coisa que já estava pensada antes. Estava para ser lançado um pouco antes de o FC Porto aparecer e como as coisas começaram a andar tão depressa acabei por adiar. Depois disso, resolvemos acrescentar-lhe um capítulo sobre as minhas primeiras impressões do clube. É claro que estou muito feliz por estar aqui. As pessoas e as instalações são magníficas, não falta quem queira ajudar-me. São coisas destas que foram acrescentadas", revelou.

"Clássicos vão decidir o campeonato"

Na próxima semana, Defour vai defrontar o amigo Onyewu num jogo que pode ajudar a definir os candidatos ao título. E o FC Porto vai a Alvalade para ganhar, garantiu.

Como viveu o primeiro clássico com o Benfica?
É incrível ver tanta gente a viver os clássicos em Portugal. Desde a saída do hotel até ao estádio só temos manifestações de apoio. No estádio nem se fala do ambiente, foi um megaentusiasmo. É, de facto, um jogo à parte, não tem nada a ver com outros jogos.

Acha que os adeptos do FC Porto são mais exigentes do que os que conheceu na sua carreira?
Sem dúvida. Aqui o 0-0 deixa o público descontente e em casa não basta vencer por 1-0, é preciso marcar dois ou três golos e jogar bem. Caso contrário, manifestam-se logo.

Sente mais pressão aqui?
Quando estamos num clube que se habituou a ganhar e que habituou os seus adeptos a festejar títulos, as expectativas são enormes e isso faz de todos os jogos autênticas finais. A pressão vem a reboque disso tudo e é preciso estarmos sempre no nosso melhor para podermos responder.

Qual é a sensação por terminar o ano na liderança do campeonato?
É sempre importante. É bom para adeptos, dirigentes e jogadores.

No ano passado, o FC Porto venceu o campeonato com 21 pontos de vantagem sobre o Benfica. Desta vez, o equilíbrio é maior...
É natural, o Benfica reforçou-se e formou uma equipa mais competitiva. Conseguiram bons resultados e por isso é que estamos na luta.

O que acha que pode decidir este campeonato?
Os grandes jogos serão fundamentais do meu ponto de vista. Contra as outras equipas não me parece que seja fácil perdermos pontos, mas os jogos contra Braga, Benfica e Sporting podem ser decisivos.

É precisamente o que aí vem. O que é que espera do jogo com o Sporting?
Tenho a certeza de que será muito difícil. Joga lá o meu amigo Onyewu. Vai ser complicado, porque o Sporting tem uma excelente equipa, tem feito bons resultados, mas acredito que o FC Porto tem qualidade suficiente para ir ganhar a Alvalade.

Se o FC Porto vencer em Lisboa, o Sporting ficará fora da corrida?
Não é assim tão fácil. Por vezes estamos cá em cima e de um momento para o outro caímos sem saber bem porquê. Mas se vencermos em Alvalade, penso que teremos conquistado uma boa vantagem sobre eles.

"Aqui somos obrigados a pensar mais depressa"

O nível do futebol português surpreendeu-o, ou estava à espera de mais?
É um futebol muito técnico, há muita qualidade nas grandes equipas e nota-se um fosso para as outras.

E no FC Porto?
Estava à espera que fosse muito competitivo e não me admirou o nível que vim encontrar. Informei-me bem primeiro e o que eu posso dizer é que a organização é formidável. Ajudam-nos imenso à margem do futebol e em termos de condições de trabalho também não nos falta nada.

Que diferenças nota entre o futebol belga e o português?
Aqui é mais rápido e mais técnico, como disse. Somos obrigados a pensar mais depressa. Do ponto de vista físico, não me parece que haja muitas diferenças, talvez na Bélgica se jogue mais com o físico e no um contra um.

Foi difícil para si o primeiro jogo?
Tinha feito a preparação com o Standard de Liège, cheguei e tentei adaptar-me. Comecei a trabalhar para ganhar forma física, ao mesmo tempo que me fui ambientando ao clube e aos outros jogadores.

Sentiu-se evoluir desde então?
Sim, acho que melhorei a todos os níveis, mas sobretudo ao nível da velocidade de execução.

Sabendo-se que é um jogador tecnicista, dá-se bem com o futebol que se pratica por cá?
Sim, muito. Aqui há muitos jogadores de qualidade e quando temos características tecnicistas ajuda bastante.

Sente-se à vontade nas novas funções em que passou a jogar?
Sim, jogo um pouco mais à frente. É novo para mim, mas estou a gostar, porque com a minha velocidade ou um passe posso fazer a diferença e isso estava a funcionar bem. Não tenho uma preferência por assim dizer, porque me dou bem a jogar em qualquer posição do meio-campo, por isso estou sempre disponível para jogar mais acima ou mais abaixo, conforme o treinador quiser. Tudo depende dos jogadores e da táctica que o treinador escolher.

O orgulho na carta de Sir Alex Ferguson

Conte-nos a história da carta que recebeu de Alex Ferguson, quando se lesionou?
Tinha sofrido uma lesão grave, fracturei o pé e sabia que o Manchester United andava a seguir-me. Um dia recebi um telefonema de um dirigente do Standard que me disse que tinham recebido uma carta para mim de Alex Ferguson.

Imagino que tenha ficado desconfiado... Não se espera um gesto desses de uma figura tão importante como Alex Ferguson?
Sim, mas foi um gesto que me deu mais alento para trabalhar e recuperar mais rapidamente, foi muito agradável receber uma carta de um treinador como ele.

Acha que ainda vai a tempo de poder trabalhar com ele?
Quem sabe. Se trabalhar bem, evoluir e conseguir bons resultados no FC Porto, penso que tudo é possível. (risos)

Mas ele acabou de fazer 70 anos, não se sabe por quanto tempo mais vai treinar...
Talvez tenha de acelerar um pouco mais as coisas para lá chegar, então.

"No relvado sou um pouco louco"

Defour gosta de desafios, de sentir a adrenalina ao máximo. Em campo, é descrito como um jogador que dá tudo e que não esconde alguma rebeldia própria da idade (23 anos). Por isso, a Red Bull, a famosa marca de bebidas energéticas, encontrou no médio portista o embaixador ideal e Defour tornou-se na "cara" da empresa na Bélgica. "Eles andavam à procura de alguém que encarnasse um pouco o espírito deles, que fosse jovem, com um carácter muito próprio. Enfim, no campo luto do princípio ao fim, sou um pouco louco também... eles estão muito ligados aos desportos radicais e gosto muito de trabalhar com eles", referiu. Não há dinheiro envolvido neste patrocínio, mas o belga tem recebido alguns presentes interessantes. "Já dei umas voltas num caça e num Fórmula 1", contou, revelando um convite que recusou por considerar que era radical demais mesmo para ele. "No ano passado, nos meu aniversário, propuseram-me saltar de avião com um fato com asas (risos), mas cortei-me, tive medo e não saltei", admitiu. Apesar de tudo considera-se uma "pessoa tranquila" fora das quatro linhas. Lá dentro é que tudo muda. "São duas personalidades diferentes. No relvado sou um pouco louco, vou a todas e ando sempre a fundo, entrego-me completamente e trabalho ao máximo", frisou. Ainda assim, diz que em campo é tudo mais calmo em relação às experiências que a Red Bull lhe tem proporcionado.

"Odeio ver os jogos da bancada, sinto-me muito mais nervoso"

Esperava que fosse tão difícil conseguir impor-se nesta equipa?
Sim, porque aqui há muita qualidade, sobretudo no meio-campo, onde a concorrência é muito forte. É preciso estar sempre no máximo para jogar. A questão aqui não é que não tenha os meus argumentos para ser titular, o problema é que os outros também os têm e isso faz com que a concorrência seja muito apertada.

A lesão veio na pior altura, uma vez que estava a ser uma aposta?
Sem dúvida, estava bem, sentia-me a um bom nível e foi pena, mas quero recuperar para voltar a trabalhar forte e depois deixar o treinador decidir.

É difícil ver os jogos da bancada?
Muito, odeio, porque sinto-me muito mais nervoso na bancada do que no relvado. Custa-me muito.

Acha que estará recuperado para defrontar o Sporting?
Penso que sim, porque já corro, remato e já consigo acelerar, por isso está a correr bem.

Já em Liège era um jogador que sofria algumas lesões musculares. Isso tem alguma coisa a ver com o seu estilo de jogo?
Talvez. Desta vez sofri uma entrada e por causa disso o músculo rasgou. Foi pena, porque estava bem, mas foi num duelo com um jogador do Zenit e eu não sou jogador de virar a cara a esses duelos, entro sem medo, talvez por isso me lesione mais do que os outros.

in "ojogo.pt"

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