sexta-feira, 2 de março de 2012

Análise de Bruno Prata: diferentes até nas virtudes e nos defeitos

Anunciado há duas semanas como o jogo do ano, o Benfica-FC Porto de hoje continua a ser o jogo mais mediático que esta época terá lugar na Liga portuguesa. No que à corrida ao título diz respeito, perdeu o poder determinante que teria caso os benfiquistas não tivessem consumido, num estalar de dedos, a almofada de conforto dada pelos cinco pontos de vantagem. Mesmo assim, é provável que o resultado da Luz venha a ser decisivo na definição do campeão. Porque será um jogo em que o triunfo vale, de facto, quatro pontos (quem vencer fica em vantagem em caso de igualdade pontual) e porque o impacto psicológico funcionará como um poderoso suplemento vitamínico para o resto da prova.
Depois do confronto de hoje, continuarão a faltar nove jornadas. E o calendário reserva testes complicados a ambos. Sete dos adversários são exactamente os mesmos, sendo que o Sporting, 
o Sp. Braga e o Marítimo fazem parte deste lote.

O factor casa tem algum peso, mas apenas isso, até porque é sabido que o FC Porto habituou os seus adeptos a lidar bem com as visitas aos principais rivais. São equipas formadas por jogadores habituados à pressão dos grandes jogos. O plantel do Benfica é ligeiramente mais novo (26,5 anos em média, contra 26,9 do FC Porto), mais baixo (1,83m/1,84m) e mais leve (78,4kg/79,1kg).

O desgaste provocado pelos recentes jogos das selecções (no caso do FC Porto, isso irá inviabilizar ou, pelo menos, condicionar a utilização de James Rodríguez) também poderá vir a influenciar a produção de alguns dos principais protagonistas. Mas isso será só uma das parcelas a ter em conta num duelo em que se vai apurar o saldo das virtudes e defeitos das equipas.

Estratégia

Não é crível que Jorge Jesus e Vítor Pereira arrisquem mudanças substanciais ao nível do sistema de jogo e menos ainda no modelo. O benfiquista deverá optar entre o 4x2x3x1 e o 4x1x3x2. O primeiro desenho é mais conservador, com Witsel a surgir ao lado de Javi García, opção que tem o condão de dar outra estabilidade e equilíbrio à equipa. Garante ainda a presença das habituais “asas”, mas obriga a escolher entre Aimar ou Rodrigo para jogar nas costas de Cardozo. A outra alternativa permite a inclusão de ambos, mas pode obrigar à derivação de Witsel para a ala direita. Outra hipótese seria abdicar de jogar inicialmente com o belga, mas não é crível que Jesus o faça depois de isso lhe ter valido críticas (nem sempre bem fundamentadas) na derrota em Guimarães.

No resto, o Benfica irá procurar afirmar-se como uma equipa eminentemente de tracção à frente e que investe muito nos ataques rápidos, nos lances de bola parada e na capacidade individual das suas principais figuras para criar desequilíbrios.

O FC Porto também não irá contra o seu ADN. Irá manter o 4x3x3, embora o triângulo no meio- campo possa variar em função da posição mais ou menos recuada de João Moutinho. Já no que diz respeito ao modelo, o FC Porto tem sido menos estável do que foi seu apanágio durante muito tempo. A certa altura, Vítor Pereira pareceu querer inflacionar ainda mais a aposta na posse de bola que se mantinha desde que André Villas-Boas rompeu com os processos de Jesualdo Ferreira. Mas tem havido jogos em que o FC Porto voltou a investir nas transições rápidas e no jogo mais directo.

Defesa

Artur e Helton têm ambos 31 anos e são os dois melhores guarda-redes da liga. São capazes de disfarçar uma exibição desastrosa das suas equipas. Há sete épocas no FC Porto, Helton tem recursos técnicos e físicos excepcionais, mas só de há dois anos para cá pareceu ganhar estabilidade psicológica. Artur não precisou de tanto tempo para se afirmar como um guarda-redes de grande dimensão internacional, mas tem menos experiência em jogos desta dimensão.

Caso se confirme que Garay não tem nenhum problema físico, o Benfica pode levar alguma vantagem no sector. Os números até apontam no sentido de uma maior fiabilidade defensiva do FC Porto (sofreu apenas 13 golos, contra os 16 do rival), mas não deixa de ser verdade que o Benfica é hoje servido pela melhor dupla de centrais do futebol português e que o FC Porto sofreu oito golos nos últimos três jogos. No Benfica, Emerson continua a ser uma solução sofrível, mas até ele ganhou alguma estabilidade nos últimos tempos.

Num jogo de muitos duelos individuais, vai ser interessante descobrir qual o uruguaio que irá desequilibrar mais ofensivamente: Maxi ou Álvaro Pereira?

A defesa do FC Porto tem andado mais errática do que era hábito. A lesão de Mangala adiou a afirmação do jovem francês como titular, continuando assim o FC Porto sem um central de classe extra. Rolando e Otamendi têm tido falhas comprometedoras, mas o primeiro vai manter o lugar, quase de certeza ao lado de Maicon. Este merece duplamente o prémio: porque está em boa forma e porque aguentou estoicamente o disparate que constituiu a sua colocação a lateral-direito. Para o FC Porto foi uma grande infelicidade a lesão de Danilo, pelo excesso de milhões de euros que a sua contratação custou e pela evidente mais-valia que ele constitui para a equipa. De qualquer forma, o fim do ostracismo a que vinha sendo votado Sapunaru garante, pelo menos, uma solução minimamente credível.

Meio-campo

O duelo aqui será em torno de Aimar e Lucho González, diferentes, mas iguais na magia e na capacidade de resolverem individualmente quando tudo o mais fracassa. Lucho é um jogador que funciona mais em transição, mas tem aquela capacidade de escolher sempre os melhores caminhos. E continua forte tanto na definição como na finalização. Quando Moutinho se coloca mais na linha de Fernando, o argentino procura terrenos mais interiores, quase nas costas do ponta-de-lança.

O miolo portista continua a tirar partido do bom momento que atravessa Fernando, que disfarça algumas debilidades organizacionais e resolve imensos problemas.

Depois de escolher o desenho táctico, em que posição coloca Aimar e se arrisca o argentino em simultâneo com Rodrigo, Jesus terá ainda de decidir os protagonistas que irão funcionar como médios-interiores/alas. Na esquerda, Nolito garante mais iniciativa, mas Bruno César é mais lúcido nos processos. No lado contrário deverá manter-se Gaitán, o que desagrada muito aos que lidam mal com a irregularidade do argentino. Mas Jesus valoriza-lhe mais os momentos geniais e a capacidade de assistir ou de executar os lances de bola parada. A melhor notícia para Jesus é a certeza de que poderá contar com a dimensão física e com a agressividade que resultam do regresso de Javi García.

Ataque

Se Rodrigo for titular, vai ser interessante a comparação com Hulk. São os dois jogadores com mais capacidade de explosão do futebol português. O portista vai no sétimo jogo a seco e ainda não marcou em 2012, mas isso é apenas um dado estatístico que nada garante. Rodrigo é o segundo melhor marcador do Benfica e tem conseguido fazer uma dupla muito complementar com Cardozo, que também beneficia da companhia. As vantagens da sua titularidade são evidentes, mas também é verdade que tal implica menor capacidade na recuperação defensiva.

O ataque do FC Porto perdeu em mobilidade, mas ganhou em presença na área com Janko. O austríaco é apenas um jogador mediano e até tem menor classe pura do que Kléber. Mas ganha-lhe em experiência e estabilidade emocional.

Problema quase insolúvel seria a eventual ausência de James, até porque Varela não está agora disponível. Djalma é mais equilibrado do que Cristian Rodríguez, mas é apenas um razoável remendo.

FC Porto e Benfica têm os melhores ataques do século à passagem da 20.ª jornada (47 golos). Uma curiosidade: nos 20 jogos já realizados, o FC Porto terminou a primeira parte em branco em oito.

“Banco”

O Benfica tem mais e melhores segundas linhas, uma vantagem que pode vir a ser importante. Não tem um terceiro central ao nível dos titulares nem um lateral-esquerdo de primeira água, mas em tudo o mais possui pelo menos dois jogadores de classe e valor idêntico. O FC Porto já era menos forte neste capítulo e ficou ainda mais condicionado após os empréstimos autorizados em Janeiro. O de Belluschi foi verdadeiramente contraproducente.

Treinador

As equipas de Jorge Jesus são conhecidas por alguma volatilidade, daí que este jogo possa funcionar como uma espécie de prova dos nove psicológica. O Benfica não vence há três jogos e agora é o FC Porto que pode beneficiar das circunstâncias: é ao Benfica que se exige a vitória. Mas tudo isso é capaz de pesar bem menos do que uma outra evidência: Jesus é mais sagaz e activo do que Vítor Pereira tanto na definição da estratégia como na direcção do jogo. 

in "publico.pt"

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