sexta-feira, 23 de março de 2012

Cubillas: Chorei como uma criança ao sair"

Cubillas nunca imaginou ter de esperar mais de 35 anos para cumprir a vontade de regressar ao Porto, que sentiu um dia depois de se ter ido embora. A distância não encolheu o amor e todo o tempo do mundo não apagaria as histórias que agora recorda em entrevista a O JOGO. O peruano, consensualmente apontado como um dos melhores jogadores de sempre que passaram por Portugal, bateu todos os recordes financeiros da altura (1974), mas, garante, isso não lhe criou inimigos.


Foi uma coleta feita junto dos sócios que permitiu ao FC Porto contratá-lo. Mas lembra-se como surgiu o interesse?

O FC Porto conheceu-me no Mundial de 1970. Mas a minha vinda para a Europa começou num jogo feito na Suíça pela seleção da América do Sul, em que ganhámos 3-1 à Europa. Marquei dois golos e, uma semana depois, o Basileia foi ao Peru buscar-me. Ao fim de seis meses decidi que não queria ficar lá nem mais um dia. Era um país frio e não percebia o idioma. Então, apareceu o Jorge Vieira, que era diretor do FC Porto. Sabia que Portugal tinha um clima melhor, que a língua era parecida e aceitei vir conhecer a cidade. Ao chegar, vi tanta gente a esperar-me que quis logo assinar. Aquelas pessoas todas no caminho do aeroporto para o estádio, cantando o meu nome, fizeram-me lembrar a qualificação do Peru para o primeiro mundial.

A sua transferência bateu recordes na altura e o seu ordenado era o mais alto que o FC Porto alguma vez tinha pago. Sentiu alguma inveja dos colegas?

Vim ganhar o mesmo que ganhava na Suíça. Poucos meses depois deu-se o 25 de Abril e a moeda desvalorizou. O ordenado ficou cinco vezes menor. Como não era homem de luxos e gostava de estar cá, não me importei. Mas, ninguém teve inveja minha, até porque, no segundo ano, escolheram-me como capitão da equipa. Naquela altura, um estrangeiro ser capitão no segundo ano de clube não era nada fácil. Fiquei radiante.

Agora reviu vários desses colegas. Quem era, afinal, o seu melhor amigo no FC Porto?

Tive muitos. O Rui era uma pessoa tremenda. O [António] Oliveira era um miúdo espetacular e agora até veio de propósito dos Estados Unidos só para me ver. Havia ainda o Tibi, um grande profissional. E ainda o Marco Aurélio, Rolando, Gabriel, Rodolfo, Júlio, Octávio, Teixeira e Teixeirinha... Ah, e revi o miúdo [Fernando] Gomes. Já dava para ver que seria um grande jogador...

Qual é o momento de que mais vezes se recorda?

A despedida, sem dúvida. Foi um dia muito triste. Os meus companheiros organizaram-me um jantar. Eram 28 e todos se levantaram para falar. Quando chegou a minha vez não consegui. A voz não saía. Depois de o ter feito, saí, andei 100 metros e chorei como uma criança.

Porque foi tão difícil deixar o FC Porto?

Era um clube muito especial. Trataram-me sempre com o máximo de carinho, mesmo quando fiz algumas asneiras.

Como por exemplo...

Costumava ir duas vezes por mês a Vigo, comprar discos, livros e Coca-Cola, que por cá não havia. O FC Porto não podia saber, mas uma vez bati com o carro numa árvore e lesionei-me nas costas. No dia do jogo, tive de ser honesto e dizer que não conseguia entrar em campo. Aceitaria qualquer castigo, mas, além de não o terem feito, começaram a recuperar-me naquele dia. E assim só perdi dois jogos.

Pronto para jogar...em Paços de Ferreira


Foi com alegria e emoção que Cubillas recebeu das mãos de Pinto da Costa uma medalha com o símbolo do FC Porto, um cachecol e a camisola 10 com o seu nome estampado. "Estou pronto para jogar domingo", brincou, antes de conhecer todos os recantos do Estádio do Dragão, que o impressionou pela beleza e modernidade. Depois de rever fotografias de outros tempos, posou junto do busto de Pavão. Afinal, foi a morte deste que terá precipitado a contratação de Cubillas. Além de ser necessário substituir o médio os adeptos precisavam de uma injeção de moral e o peruano trouxe-a na dose certa. Antes de deixar o Dragão, conversou ainda com Fernando Gomes. E até já sabia que este voltou a jogar pelo FC Porto Vintage


"Senhor dos senhores" Pinto da Costa tem saudades de o ver jogar


Cubillas já tinha visto Pinto da Costa há 35 anos, quando este começava a dar os primeiros passos no dirigismo, mas só ontem privou com ele. O presidente - "senhor dos senhores", como lhe chamou o peruano - confessou ter "saudades de o ver jogar", mas preferiu vincar o que o peruano foi enquanto profissional. "A passagem dele pelo FC Porto foi determinante nas carreiras de António Oliveira e Fernando Gomes. Isto porque ele era um exemplo para todos", explicou. Felizmente para o FC Porto, "com o espírito dele, profissionalismo e seriedade, há todo o atual plantel", salvaguardou. "É bom recordar e saber que toda a gente tem na memória algumas coisas que ele fez, como o golo extraordinário em casa do Leixões, em que driblou toda a gente, ou um que o Pedroto recorda no seu diário e que resolveu um jogo em Setúbal", descreve. O FC Porto não podia ficar indiferente a este regresso a casa e, por isso, esta pequena homenagem. "Recordamos sempre os Cubillas deste clube. Nunca os abandonamos e recebemo-los de coração aberto. Fazem parte da história do FC Porto", disse. "Já falámos e aproveitámos para nos deliciar com as exibições e alguns golos do outro mundo que marcou", continuou. E, por falar em golos, o presidente lembrou-lhe um, marcado em Viseu, que valeria uma Taça de Portugal. "Dizes que não ganhaste nada, mas ganhaste uma Taça de Portugal. Essa não é apenas ganha por quem joga a final. Tu marcaste no prolongamento o golo que eliminou o Académico de Viseu na primeira eliminatória", disse-lhe. Sobre o atual plantel, não vê ninguém parecido com o peruano. Mas também nem quer. "As imitações são sempre de fraca qualidade. Há pessoas que até adotam o nome de outros jogadores. Isso é sinal de falta de personalidade", finalizou.


"James tem potencial e Álvaro é enorme"


Hulk costuma ser a resposta imediata quando se pergunta por referências do atual FC Porto, mas o peruano, habituado a analisar para a FIFA os jogos das grandes provas, não o conhece e promete ficar atento. Para já, escolhe James e Palito. Mas, diz, a equipa de 1987 foi a melhor de sempre.


Continuou a acompanhar o FC Porto depois de ter saído?

Claro! Na altura não havia internet como agora, mas no Peru, quando havia jogos internacionais, falavam sempre do FC Porto. As pessoas chamam-lhe "a equipa de Cubillas." Foi uma alegria enorme assistir à final da Taça dos Campeões, em 1987. Desfrutei do golo de Madjer. Que classe! Era grande equipa.

Foi a melhor equipa de sempre do FC Porto?

Penso que sim. A de Mourinho também era muito boa. Os tempos mudam e é sempre difícil dizer.

E da equipa atual, o que conhece?

Não muito, confesso. Este ano, só ainda tinha visto o jogo em Manchester, com o City.

Gostou de algum jogador em particular?

Não nesse jogo, mas há o James Rodríguez, que me encantou. Vi-o em Miami, pela Colômbia, e adorei. Tem muito potencial. E há aquele lateral [Álvaro Pereira] que jogou pelo Uruguai no Mundial. É enorme!

Soubemos que assistiu de forma nervosa ao Benfica-FC Porto. Que notas tirou?

Não gostei porque o FC Porto perdeu. E confesso nunca ter ouvido falar de muitos jogadores. Aquela era a equipa habitual?

Não. Havia alguns habituais suplentes. Ficou desiludido?

Ah! Ainda bem! Sim, não gostei muito. Não me tinham dito que era para a Taça da Liga. Ainda bem que esses não são os titulares [risos].

Se jogasse no futebol atual, quantos milhões valeria?

[risos] Não sei, não sei. Não gosto de dizer essas coisas. Cada qual no seu tempo. Se me perguntassem se gostava de mudar alguma coisa diria que não. Escolheria ter nascido no mesmo ano, ser peruano, ter feito a mesma vida, ter vindo para Portugal e vivido o que vivi.

Há algum jogador do presente que acredita poder ser considerado o melhor de sempre?

O melhor de sempre é Pelé. Ganhou três mundiais e juntava o que fazia no clube à seleção. Messi e Ronaldo são grandes com suas equipas, mas não pelos países. Os maiores conseguem mobilizar as suas seleções.


Treinador? Não, obrigado


A tragédia que vitimou a equipa inteira do Alianza de Lima, em 1986, levou Cubillas a regressar aos relvados, mais de um ano depois de se ter retirado. O presidente do seu clube de sempre convidou-o para ser treinador-jogador e "pela tragédia que foi não podia dizer não." A época correu bem - "marquei 26 golos" e a uma jornada do fim bastava o empate para a equipa, completamente renovada, ser campeã. "O árbitro, aos 5', expulsou um jogador da minha equipa, sem que ele tenha feito nada. Mais tarde soube-se que ele era adepto dos nossos rivais", explicou. Às custas disso, perdeu-se um treinador. "Estava a gostar, mas foi a maior desilusão da minha vida. Decidi que não queria ser treinador e passar por coisas semelhantes", conta. Entretanto, foi ministro do Desporto do Peru e atualmente é instrutor da FIFA e organiza "clínicas de futebol" para e ensinar os mais pequenos.


Eusébio e Yazalde "roubaram-lhe" os títulos


Cubillas não tem dúvidas: "Só não fui campeão no FC Porto porque existia Eusébio." O benfiquista foi sempre a sombra do peruano, mas nunca um rival. "Tenho grande admiração, apreço e carinho por ele. Foi um grande. Conheci-o no Mundial de 1966 e fiquei encantado. Mas atenção que o Benfica não era só ele", detalhou. No Sporting outro carrasco. "Yazalde era sempre o goleador do campeonato. Não havia hipóteses", recorda o peruano, que em Portugal marcou 65 golos e que em 1975/76, já com Yazalde no Marselha, perdeu a luta pela bota de ouro para Jordão por dois golos (28 contra 30).


Um só cartão amarelo e nem uma gota de álcool


Cubillas diz ter aprendido no FC Porto a ser um verdadeiro profissional, mas já antes tinha hábitos que impressionavam os colegas. "Em 63 anos de vida nunca bebi álcool. Sempre soube que era mau para o organismo", gaba-se. "Quando cheguei a Portugal todos bebiam vinho. Os meus amigos bebiam, o meu pai produzia. Cheguei a levar os meus colegas do Alianza à adega do meu pai e eles bebiam juntos. Eu nunca", frisa. Tem outro orgulho e uma mágoa. "Os árbitros apitam, os jogadores jogam. Nunca vi um vermelho. E, amarelo, só um, em Faro. Fiquei muito desiludido", conta.


Saudades de moelas e dos coquinhos da Petúlia


"Muito caseiro", há só um sítio que Cubillas exigia revisitar agora que voltou ao Porto. "O Café Petúlia. Era o meu lugar. O único onde passava algum tempo. E aqueles bolinhos de côco? Adorava", conta. A gastronomia portuguesa encanta-o. "Era o único problema do país. Comia tanto que depois tinha de treinar a dobrar", brinca. Francesinhas é um dos pratos que aprecia, mas saudades mesmo tinha era de... moelas. "Comi ontem [terça] outra vez. Há 36 anos que não comia disso, mas ainda me lembrava do sabor. É o meu prato português favorito. Infelizmente não há no Peru nem em Miami."


Casou-se à quarta vez que viu a mulher


Muito mulherengo, como assume, a paixão que sentiu no primeiro dia que viu a atual esposa foi avassaladora. "Disse-lhe que gostava dela. Ela disse que eu tinha muitas namoradas. Para lhe provar, pedi-lhe para casar comigo", ri. E assim foi. À quarta vez que a viu... casou-se. Cubillas foi sempre um homem de família. E por isso escolheu Miami: "Os filhos de jogadores têm problemas na escola por estarem sempre a mudar. Não queria isso para os meus. E por isso fui ficando lá. Até hoje..."


Tristeza por Pedroto, obrigado a Stankovic


Em Portugal, Cubillas teve dois treinadores: o húngaro Bella Guttman e o jugoslavo Branko Stankovic. Para pena sua, José Maria Pedroto haveria de chegar logo depois da sua partida. "Gostaria de ter trabalhado com ele. Sei que significa muito para o clube. E foi logo campeão", aponta. Com Guttman aprendeu alguma coisa. "Todos os dias, até morrer, se aprende algo", nota. Mas foi Stankovic que o marcou. "Aprendi imenso. Deu-me muita condição física e ensinou-me a ser um profissional", agradece. "Aliás, foi no Porto que aprendi a ser um profissional completo, caseiro e dedicado", completa.

in "ojogo.pt"

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