terça-feira, 1 de maio de 2012

FC Porto. Os campeões não são só os jogadores


FC Porto. Os campeões não são só os jogadores


Alexandre Madureira tem 65 anos e é um adepto ferrenho do FC Porto. Na verdade, nem podia ser de outra maneira. Nasceu na cidade e no passado, antes de abraçar a carreira de empresário, chegou a jogar basquetebol profissional na equipa portista.
Esteve também noutros clubes e orientou a equipa feminina do Coimbrões, mas o futebol foi sempre a grande paixão. Apesar disso, ver jogos no estádio nunca foi seu hábito. Não por não ser um adepto a sério mas por se enervar com muita facilidade. De preferência, os jogos eram vistos a partir do mesmo lugar da sala e com o maior sossego possível. Os penáltis a favor eram motivo para virar as costas e os jogos contra o Benfica, se possível, passavam ao lado, especialmente se houvesse uma alternativa na televisão. As excepções também aconteciam e a final de Sevilha, na Taça UEFA em 2002/2003, foi uma delas. Juntamente com a mulher, as duas filhas e a cadela Kuka (baptizada depois de o checo Pavel Kuka marcar um golo à Rússia no Euro-1996), fez-se à estrada e viu José Mourinho conquistar o primeiro troféu europeu.
Oito anos depois não fez o mesmo com Villas-Boas. O FC Porto pode ter ganho o campeonato, a Taça de Portugal e a Liga Europa em 2011, mas Alexandre não festejou nenhum dos títulos. Nem podia. Tudo porque a 27 de Dezembro de 2010 sofreu um AVC hemorrágico enquanto trabalhava.
A história é contada pela filha Raquel: “Foi encontrado no chão da casa de banho da empresa numa altura em que ainda tinha qualquer reacção mas não se sabia há quanto tempo estava caído. Quando se percebeu que o caso era realmente grave, levaram-no para o hospital de referência em neurologia, o S. João, no Porto. Fui eu que entrei com ele na urgência e pela cara dos médicos após a TAC vi logo que o prognóstico não era o melhor. Disseram-me que naquela altura não havia nada a fazer por ele e que a operação não estava sequer a ser equacionada.”
A primeira noite só serviu para agravar um estado clínico já muito delicado. Foi aí que a equipa de neurocirurgiões decidiu avançar com uma operação experimental que nada garantia. “Quase como um case study, quase como uma experiência”, volta a explicar Raquel. A metáfora futebolística voltava a entrar em cena. No chamado jogo da vida, o adepto do FC Porto estava a perder nos descontos e não parecia haver recuperação possível. Mas, como diz o ditado, perdido por cem perdido por mil. A operação durou cerca de sete horas e correu bem. Ainda assim, a postura dos médicos manteve-se igual. Sem expectativas.
A passagem de ano chegou e 2011 começou por trazer más notícias também para o FC Porto. Logo a 2 de Janeiro, André Villas-Boas sofreu a primeira derrota da temporada, em casa com o Nacional (1-2) para a Taça da Liga. A alguns quilómetros de distância, o jogo de Alexandre ainda não tinha sequer chegado ao intervalo. O coma durou quase um mês e entre a passagem pelas unidades de cuidados intensivos, a de cuidados continuados e a ida definitiva para casa chegou-se a Julho.
Comum a todo este período foi a postura pouco confiante e sem esperanças dos médicos. “Foram-nos sempre dizendo que não estava previsto que ele aguentasse a operação. Depois não se sabia se acordava ou não. Ou seja, as expectativas para ele nunca foram as melhores. Não havia prognósticos por ser um caso muito complicado.”
SILÊNCIO Habituado a enervar-se com o futebol, a protestar com os árbitros, a viver e a respirar FC Porto, Alexandre Madureira esteve 384 dias sem dizer uma palavra. Deixou de haver “olá”, “bom dia”, “boa noite” ou “adeus”.
Até 14 de Janeiro de 2012. O FC Porto jogava no Dragão frente ao Rio Ave com dois pontos de atraso para o líder, o Benfica. Quando James Rodríguez inaugurou o marcador aos 42 minutos, Alexandre rompeu com o silêncio. Mais uma vez, a filha Raquel é a narradora: “Quando voltou a casa do hospital não ligava grande coisa ao futebol. Deixávamo-lo a ver jogos do FC Porto mas não ligava muito. Também, na fase inicial do campeonato, até eu adormecia a ver os jogos, por isso não o posso censurar. No início até brincávamos com a possibilidade de ele ter acordado benfiquista do coma, o que seria uma tristeza para uma família só de portistas. Nesse tal jogo foi muito estranho. Não estávamos nada à espera. De repente, o James marca o golo e ele disse “golo”. Não se limitou a dizer, cantou mesmo ‘gooolo!’ Foi mesmo com vontade. Pedi-lhe que repetisse e ele riu--se imenso. Foi de facto a primeira palavra que disse e foi bom. Foi um golo do FC Porto, foi um golo do James Rodríguez.”
Mais uma vez, o FC Porto pareceu reagir ao que se passava com o adepto. Foi também em Janeiro que Lucho e Janko chegaram e o futuro mudou de figura. Os dragões partiram para o título e Alexandre continuou a atingir metas na recuperação. Nas últimas semanas tem dito palavras novas e também já entoa cânticos do FC Porto, embora não se mantenha fiel a todas as palavras. Raquel aproveita para um aviso: “O João Ricardo Pateiro [jornalista da TSF que costuma cantar após os golos] que se cuide, porque com ele assim, a gritar golo e a entoar cânticos, ainda lhe vai roubar o lugar. Gosto muito do João Ricardo mas oxalá isso acontecesse...”
A família ficou surpreendida com a recuperação, mas não tanto como os médicos. “Eles ficam esmagados, acho que é a palavra certa, com a capacidade do meu pai. Dizem sempre que é um guerreiro, que é incrível, porque ninguém dava nada por ele. É a mais pura das verdades. Ninguém dava nada por ele e tem superado prova atrás de prova. Ficam sempre admirados com o que conseguiu fazer, como é conseguiu falar…”
O título do FC Porto, alcançado no domingo, teria de estar novamente no mapa da recuperação de Alexandre. A pouco mais de uma semana de fazer 66 anos [7 de Maio], não ficou indiferente à notícia. “No final, quando se apercebeu e lhe começámos a dizer que o FC Porto tinha sido campeão, e que tinha sido campeão no sofá, rasgou um sorriso enorme e até esteve muito atento à conferência de imprensa do Jorge Jesus”, continua Raquel, antes de fazer do pai um campeão à altura do FC Porto: “Ganharam o campeonato nacional ontem [no domingo] e ficaram-se por aí, mas acho que o meu pai, esta época, já ganhou a Champions. Já deu mais que provas na liga doméstica e é um campeão. Ele é que é um verdadeiro campeão. Pode ter mudado muita coisa na vida dele, mas uma das coisas de que mais gostava e de que mais gosta, que é de o FC Porto ser campeão, não mudou.”

in "ionline.pt"

Sem comentários: