Viu nas Antas a vitória sobre o Dínamo de Kiev, mas o
calendário do Varzim forçou-o a seguir a final de Viena
na Póvoa. Rui Barros mal sonhava que a história só
demoraria meses a bater-lhe à porta...
Onde é que estava no 27 de maio?
Estava num restaurante da Póvoa, o Firmino. Jogava no Varzim
e costumava jantar nesse sítio juntamente com um colega meu,
Soares, que era de Lourosa. Tínhamos lá uma salinha
sossegada, mas nem sequer estava muita gente, porque as pessoas
preferiram ver em casa.
O que recorda dessa noite?
Via aqueles jogadores como meus colegas, porque tinha feito a
pré-época com eles antes de ser emprestado. Era um jogo
que me daria uma grande satisfação por eles, mas
também pela expectativa de eu poder pertencer na época
seguinte ao plantel do campeão europeu.
Viu algum jogo da campanha para Viena?
Vi o jogo com o Dínamo de Kiev; era uma
seleção, quase, uma equipa fabulosa. Depois joguei com
Zavarov na Juventus, e ele contava-me que eles estavam convencidos de
que iam à final. Foi uma surpresa, nunca admitiram que pudessem
perder essa eliminatória com o FC Porto.
Falou com alguém antes da final?
Tinha muito boa relação com João Pinto,
André, Jaime Pacheco, de quem era vizinho e de quem apanhava
boleia na pré-época. Havia uma união e uma amizade
grandes entre aquele grupo, mas não consegui falar com eles
antes do jogo, porque a comunicação era muito mais
difícil do que hoje, obviamente.
Quem foi o primeiro jogador a que deu os parabéns?
Foi ao Jaime [Pacheco], porque era da minha zona. Estive com ele uma
semana depois, e foi o primeiro ao qual dei os parabéns.
A Taça dos Campeões mudou alguma coisa neles?
Eram uns heróis, aquela Taça era um feito enorme para
o clube e para os jogadores individualmente. Sei que muitos deles
tinham estado na final de Basileia e havia um nó na garganta
muito grande, até porque a maior parte era já muito
experiente, estavam naquela fase da carreira em que sentiam que era a
última oportunidade, que não haveria uma terceira
hipótese. Acho que isso mexeu com eles.
Mexeu consigo também, naquele dia? Houve excessos?
Normal. Fui ter com os meus colegas a um café, onde
costumávamos conviver, e festejámos um bocadinho. Mas nem
pude vir para o Porto, porque houve treino no dia seguinte e nesse fim
de semana tivemos o último jogo do campeonato; ganhámos
3-2 ao Farense e eu marquei dois golos.
Quando encontrou aquele grupo na época seguinte, sentiu-se inferior, tímido?
Eles pareciam intocáveis, eu era miúdo e respeitava-os
muito; quase que os tratava por senhor. Nem me atrevia a entrar no
autocarro antes deles e, quando entrava, ficava em pé à
espera para ver que lugares eles ocupavam e que sobrasse algum para
mim. Agora não é assim. Mesmo no balneário, quando
havia palestras, sabia que alguns jogadores tinham o seu lugar
preferido e eu evitava sentar-me lá. Havia um respeito que me
parecia importante, e eu fui ensinado a encarar assim o futebol.
Não era obediência, mas noção de hierarquia.
Madjer ou Futre?
Para mim, Madjer foi o melhor estrangeiro de sempre em Portugal; era
completo. Futre era um grande jogador, mas só jogava com o
pé esquerdo. Para mim, Madjer foi a referência, tinha uma
habilidade incrível, não tinha jogos maus... Como
jogador, há jogos que te saem mal, em que percebes que
não estás no teu dia, ficas com receio. Ele não;
assumia sempre, queria a bola, ia para cima. Era impressionante, e
nunca vi nada assim.
Que peso teve aquela final para a história posterior do clube?
Foi uma viragem fantástica. Penso que começou em 1984,
mas era preciso ganhar qualquer coisa para o clube crescer de vez. Foi
um momento definidor. Quando saí de Portugal, as pessoas
só falavam do FC Porto, questionavam-se como era possível
que um clube de um país pequeno tivesse aquele nível.
Despertou curiosidade?
Sim, o FC Porto enquanto clube vendedor nasceu aí. Este clube
faz jogadores, eles entram e saem, e o clube continua sempre bem. Mais:
quem sai fica com uma imagem fantástica do FC Porto. Dez, 15, 20
anos depois ainda continuam a falar do clube de uma forma única,
pela liderança, pelos rostos que se mantêm, pelo
carisma... Na Juventus e no Mónaco, já não
conheço ninguém, mas o FC Porto não perde
referências. O FC Porto é um clube que deixa saudades.
in "ojogo.pt"
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