domingo, 27 de maio de 2012

Vitor Pereira: "Já não via os jogos só como adepto"


Viu Cubillas de azul e branco, nas Antas e às cavalitas do pai; delirou com Madjer, mas inspirava-se em Gabriel e em João Pinto, apesar de, como lateral-direito, nunca ter sido mais do que um jogador mediano. Em 1987, já analisava o futebol com cabeça de treinador, ansioso por um dia treinar o clube do coração.

Onde é que estava no 27 de maio?
Estava seguramente a ver o jogo, ainda que não me recorde ao certo onde; muito provavelmente em casa.

Que memórias guarda desses dias, do antes e do depois? Como passou os dias antes do jogo e como festejou depois?
A ansiedade era grande e lembro-me de que sofri bastante; no final, quando ganhámos, saí à rua para festejar.

O que vale o calcanhar de Madjer enquanto momento simbólico? Ou seja, concorda que é o pontapé de viragem na história do clube e da sua posição na hierarquia nacional e internacional?
O golo foi memorável; ficou para a história do clube e da própria competição e conferiu a Madjer o estatuto de estrela maior. Fazer um golo de calcanhar numa final é algo que merece ser recordado para sempre. Foi um jogo que assinalou efetivamente um momento de viragem e que elevou o clube a um patamar de excelência, a nível europeu; nunca mais foi visto da mesma forma. Muitos, como eu, sentiram um orgulho enorme em ser portistas.

Tinha 18 anos na altura, ainda tinha ídolos? Havia algum jogador que admirasse particularmente?
Madjer, por ser o mais criativo, era o que mais me marcava. Na posição em que atuei na minha formação, a de lateral-direito, admirava Gabriel e João Pinto.

Qual é a primeira memória que guarda do FC Porto, o dia ou a ocasião em que percebeu que era portista?
Sou portista, como o meu pai. Lembro-me perfeitamente de que quando ele me levou pela primeira vez ao Estádio das Antas, não conseguia ver o jogo por ainda ser muito pequeno. E então acabei por assistir a todo o encontro às cavalitas dele. Foi um grande momento, pois tive oportunidade de ver Cubillas ao vivo, que era um sonho para mim.

De onde absorveu essa admiração pelo clube?
É algo que vai passando de geração em geração na minha família. O meu pai é portista, eu sou portista e os meus filhos também são portistas.

Costumava ir ao estádio? Viu algum jogo da campanha para Viena?
Na altura era complicado ir ao estádio, por questões financeiras. Mas seguia todos os jogos pela televisão. E a final foi o que mais me marcou. Conseguiu-se um feito tremendo, que não era nada fácil naquela época que, como disse, elevou o FC Porto para um patamar europeu muito importante.

Era imaginável, na altura, que o clube se pudesse afirmar internacionalmente e conquistar a hegemonia em Portugal?
A verdade é que se começou a sentir que tínhamos equipa, organização e talento para isso, para estamos numa final e ganharmos uma competição europeia.

Pensava na altura que poderia intervir diretamente no clube uns anos mais tarde? De que forma é que esse pensamento o orientou na altura e nos anos que se seguiram?
Sempre sonhei em chegar ao FC Porto, sempre acreditei que era possível e senti um orgulho enorme quando o consegui. A forma que encontrei para atingir esse objetivo foi querer ser sempre melhor. Valorizo muito o meu percurso e aprendi sempre com as minhas experiências; são elas que me fazem refletir e ter ideias.

Havia já, em si, uma visão de treinador sobre o jogo em 1987? De que forma se manifestava? Por exemplo, o Vítor recolhia dados e analisava informação sobre o FC Porto ou qualquer outra equipa?
Enquanto jogador, já me sentia treinador; já procurava organizar as equipas, já refletia sobre as opções que se tomavam e já gostava de liderar. Via os jogos não só como adepto, mas já com a perspetiva da organização do próprio jogo. Assistia às partidas das grandes equipas e referenciava-as como modelo. Ainda que estivesse mais focado no FC Porto, analisava igualmente as outras equipas de topo. É uma forma de aprendizagem relevante que ainda hoje elogio.

Num âmbito mais alargado, os anos 80 foram marcantes para o futebol português, com várias finais europeias de clubes, meias-finais de um Europeu e a presença num Mundial. Como recorda esses anos?
Foram de facto anos marcantes para o nosso futebol. Aliás, acredito mesmo que foi nessa altura que começou o talento do jogador português e a valorização do treinador português.

Vítor Pereira em 87


Só jogava para pagar os estudos


Em 1987, Vítor Pereira estava a iniciar a sua formação académica projetando já a carreira de treinador. De origens humildes, admite que se servia da sua carreira como jogador para financiar os estudos, para os quais direcionava todos os focos. "Era um estudante na Faculdade de Desporto do Porto e era um jogador de futebol
mediano. Pagava os meus estudos com o dinheiro que ganhava no futebol; foi
assim que consegui tirar um curso e seguir com a minha vida", revela-nos, ressalvando prioridades: "Sempre quis mais ser treinador do que jogador. A profissão de treinador sempre me fascinou." Licenciado com brilhantismo, foi conciliando a carreira de jogador com a de treinador, ao mesmo tempo que passou também a lecionar Educação Física. Aliás, teve de pedir licença sem vencimento quando finalmente foi orientar o Santa Clara, clube que lhe permitiu o salto para o FC Porto e o abandono definitivo do ensino.

in "ojogo.pt"

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