Celso: «Em 1987 o Dínamo era muito mais forte do que agora»
Reportagem-Maisfutebol: antigo central do F.C. Porto fala dos duelos com o clube de Kiev e dos tempos nas Antas
A visita do Dínamo Kiev ao Dragão evoca um momento marcante e insigne na
história do F.C. Porto. A 8 de abril de 1987,
o extinto Estádio das Antas encheu-se com 75 mil
pessoas para as meias-finais da saudosa Taça dos Campeões Europeus.
Debaixo
de uma chuva miudinha, mas persistente, os
homens de Artur Jorge derrubaram o muro soviético. O Dínamo Kiev perdeu
por 2-1
e o resultado repetir-se-ia na União Soviética
duas semanas depois. A isto seguiu-se a final de Viena e a conquista da
Europa.
No eixo da defesa estava Celso. Celso Gavião. Foi um dos melhores em campo na primeira-mão e fez um dos golos na
segunda. De livre direto, pois claro. 25 anos depois, o antigo central responde ao Maisfutebol da sua padaria na cidade
de Fortaleza. A emoção tolda-lhe a voz.
«As
bancadas estavam
doidas. Que ambiente! Estava zero a zero ao
intervalo e o Artur Jorge deu-nos um abanão ao intervalo. O Juary
entrou, começou
a confundir o Dínamo e marcámos dois golos num
instante», recorda Celso.
Assim foi. Uma arrancada de Futre
esbarrou
num pé de um defesa e morreu na baliza de Viktor
Chanov. Logo depois, André fez de grande penalidade o segundo e a final
do
Prater pareceu mais perto do que nunca. Mas a
equipa teve de sofrer.
«Perto do fim houve uma indecisão entre
mim
e o Eduardo Luís. O avançado deles marcou de
cabeça e fomos para Kiev com uma vantagem mínima. O Dínamo tinha um
meio-campo
e um ataque de luxo. Muito superior ao atual.
Ainda assim, sentíamos que íamos lá vencer».
Assim foi. O F.C.
Porto
eliminou um colosso do futebol europeu. Vale a
pena lembrar os nomes de Alexander Zavarov e Pavel Yakovenko, dois
médios soberbos,
além do menino Alexei Mikhailitchenko. E o que
dizer de Oleg Blokhine e Igor Belanov, o Bola de Ouro em 1986?
Celso
não exagera. O Dínamo Kiev era uma potência do futebol mundial. E nem
isso
atemorizava o pelotão de dragões. O discurso de
Artur Jorge não permitia que alguém ousasse duvidar da qualificação.
«No
campeonato começámos a abrandar e apostámos tudo
na Europa. Em Kiev, o Artur Jorge disse-nos uma coisa incrível. Meus
senhores,
o campeonato vai fugir para os outros [Benfica].
Só temos uma alternativa: ganhar a Taça dos Campeões Europeus. Como vai
ser?»
Foi
assim, azul e branco, à medida de Artur Jorge. O
Porto passou em Kiev e Celso marcou. O Porto venceu em Viena e Celso
fez
o passe para Rabah Madjer criar o segundo golo.
«Vi
o Madjer fora de campo [lesionado], olhei para um lado, olhei
para o outro e ele já estava em jogo. Fiz um
passe longo, para a linha de fundo e fiquei bloqueado, a ver o resto da
história:
o Madjer bailou em cima do defesa, cruzou e o
meu amigão Juary fez o resto.»
F.C. Porto-Dínamo Kiev, 2-1 (8
abril de 1987):
F.C. PORTO: Mlynarczyk; João Pinto, Lima Pereira, Celso e Eduardo Luís; Jaime Magalhães
(Madjer, 83), André, Sousa (Juary, 46) e Vermelhinho; Fernando Gomes e Paulo Futre.
Suplentes não utilizados: Zé
Beto, Inácio e Semedo
Treinador: Artur Jorge
DÍNAMO KIEV: Chanov; Baltacha, Bal, Kuznetsov e Demianenko
(cap.); Yakovenko, Zavarov, Mikhailitchenko e Rats; Belanov (Yevseyev, 85) e Blokhin (Morozov, 75).
Treinador: Valery
Lobanovsky
Golos: Futre (49), André (56, g.p.) e Yakovenko (78)
Celso: do soco a Carlos Manuel à praia com Pinto da Costa
As saudades são compreensíveis. Celso conquistou títulos atrás de
títulos no F.C. Porto. Dois campeonatos nacionais, uma
Supertaça, uma Taça dos Campeões Europeus e uma
Taça Intercontinental. Foi dragão de 1985 a 1988. Sente-se dragão até
hoje.
«Vivo em Fortaleza, tenho 56 anos e sou um portista dos bons», diz ao Maisfutebol,
durante mais um dia de
trabalho na Padaria CG. «Tenho este negócio há
19 anos. Apaixonei-me pelos bolos e salgados portugueses e decidi abrir
uma
panificadora».
Celso Gavião tirou um
curso de pasteleiro e meteu as mãos na massa. «Tentei imitar alguma
doçaria
portuguesa, mas faltavam-me alguns ingredientes.
Então optei por homenagear o F.C. Porto e a cidade Invicta. Criei um
pastel
de nozes e batizei-o com o nome de Pastel
Porto».
A
vida passa devagar no Bairro do Castelão.
Celso tem 12 funcionários e aproveita o tempo
livre para presidir a uma associação que acompanha os antigos
profissionais
de futebol do Ceará (AGAP). «Além disso tenho
vários imóveis para arrendamento. Não me posso queixar», admite.
Em
Fortaleza, Celso recebe a visita «regular» de
dois grandes amigos portugueses. «O Artur Jorge tem casa em Natal e vem
ter
comigo muitas vezes. O senhor Pinto da Costa
também. Esteve cá há poucos anos, levei-o à praia e fui o guia turístico
dele
na região. São amizades eternas».
Celso
Gavião considera, de resto, Artur Jorge e Pinto da Costa «génios do
futebol».
«Eu jogava no Bahía e recebi o convite para
jogar no Porto. Informei-me com o Dudu, que jogava no Belenenses.
Disse-me que
ia para um bom clube, mas um clube ainda em
crescimento».
«Em
três anos o F.C. Porto passou de
clube médio a grande da Europa. Os maiores
responsáveis foram esses dois senhores e os jogadores, claro», considera
o antigo
defesa central.
Em três épocas
nas Antas, Celso fez 78 jogos e dez golos. Os mais importantes foram
obtidos
em Kiev e em Alvalade, num célebre Sporting-F.C.
Porto da época 1985/86. Esse é, aliás, «um dos dois jogos melhores
jogos»
que fez nos dragões. «O outro foi a final de
Viena».
«Tínhamos de ganhar em Alvalade, sob pena de ficar fora
da
corrida do título. Eu vinha de uma suspensão,
por ter dado um soco ao Carlos Manuel (Benfica). Gostava de lhe pedir
desculpa,
até. Por isso essa partida era fundamental, para
mim e para a equipa».
Aos 40 minutos, Fernando Gomes sofre falta
de Duílio. Celso bate o livre. Com violência. A
bola entra ao ângulo superior esquerdo. Vítor Damas voa para nada. «Foi
um
golaço, né?» Foi, Celso. Um golaço.
Os
livres eram, afinal, a sua grande especialidade. «Nessa altura eu era o
melhor. Tinha uma coxa forte. Olhava para a
bola, definia uma zona para colocar o pé e nem pensava. Depois
apareceram o Geraldão
e o Branco, que também era ótimos a bater
faltas».
Celso: as escapadelas com Futre para Vigo e o enigma-Juary
Há uma coincidência a ligar Celso e Paulo Futre. Duas, aliás. Bem visto,
são três. «Fazemos anos no mesmo dia, fomos colegas
de quarto no F.C. Porto e escapávamos os dois
nas folgas para o Corte Inglês, em Vigo», sublinha o ex-defesa central
ao Maisfutebol.
Futre é, de resto, dos amigos que mais saudades deixaram a Celso. «Eu era o paizão dele, dez anos mais velho», adverte.
«Tínhamos grandes conversas, porque ele andava sempre eufórico. Dentro e fora de campo. Paulinho, calma, relaxa. Não tens
de correr tudo de uma vez», aconselhava Celso.
Outro
dos colegas mais chegados era
Juary. O «enigma-Juary», como diz Celso. «Eu era
quase um treinador-jogador e tinha grandes conversas com o Artur Jorge.
Confesso
que passámos muito tempo a tentar perceber o
futebol do Juary».
O eterno número 13 falhava redondamente
quando jogava
a titular. «O Artur insistiu várias vezes com
ele e quase desistiu. Até que chegou o jogo com o Barcelona. O Juary
saltou
do banco e fez três golos. A partir daí passou a
ser a arma secreta da equipa».
«O
Artur Jorge dizia-me que a velocidade
dele era para aproveitar quando os defesas já
não estivessem frescos. Foi a melhor opção que podia ter tomado», refere
Celso,
que enumera outros nomes incontornáveis do F.C.
Porto na década de 80.
«Eu até era mais próximo dos portugueses
do que dos brasileiros. Gomes, Frasco, André,
João Pinto, todos eram e são meus grandes amigos. Já não vou há dois
anos ao
Porto, mas tenho de voltar urgentemente. Esta
conversa está a mexer com as minhas memórias».
in "maisfutebol.iol.pt"
1 comentário:
esta entrevista não merece ficar sem comentários, porra!
Celso = um senhor! um senhor!
(saudades)
abr@ço
Miguel | Tomo II
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