quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Artur Jorge. “Vitória 400 do Mourinho? Ligue-me quando chegar às 500, 600 e por aí fora, sff”


Bom dia, é o Artur Jorge?
Sim, sim, bom dia.
Daqui Rui Miguel Tovar do i. Como está?
Olá, tudo bem, obrigado.
Desculpe incomodá-lo antes de almoço, mas é rápido.
Ora essa, avance.
O Mourinho alcançou a vitória 400...
Grande número, sem dúvida. Ligue-me quando atingir a 500.a, a 600.a, e por aí fora se faz favor.
OK, ligo, mas antes diga-me se se lembra de ter chegado a esse número, em Novembro de 2001, pelo Al Hilal.
Eeeeee, vai buscar cada coisa ao baú... Não pode ser, não tenho essa capacidade, até porque nunca fui uma pessoa muito ligada à estatística.
Mas estou-lhe a dizer.
Acredito em si, claro.
E...
Se foi em 2001, já foi há muito tempo [risos]. Repare, antigamente – e nesta sociedade dez anos já é muito tempo – não se ligava nada ou quase nada a esses números.
Outros tempos, portanto.
Claramente. Treinei tantos clubes. Belenenses, Portimonense, FC Porto. Depois aventurei-me em França, pelo Matra Racing, uma equipa com nome e prestígio. As coisas começaram a ser feitas antes de mim, mas o projecto era interessante. Acabámos por não fazer o pretendido e o Matra deixou de existir.
A seguir...
FC Porto, selecção nacional e outra vez França, agora PSG. Uma grande equipa, um projecto ambicioso com o Canal Plus a financiar. Enquanto houve dinheiro fizemos épocas formidáveis, com plantéis extraordinários: Ricardo Gomes, Valdo, Ginola, Weah, Lama...
Pano para mangas.
Sim, ganhámos a Taça de França num ano [1993], fomos campeões franceses no outro [1994] e eliminámos o Real Madrid duas vezes. Não é para todos. Por questões empresariais, não quiseram dar aquele título francês do Marselha [92/93] ao PSG porque havia muita gente do Canal Plus em Marselha.
A seguir...
Benfica e a Suíça. Fui lá para o Euro-96. A pessoa que lá estava [Roy Hogdson, entretanto contratado pelo Inter] queria regressar e arranjou confusão com os amigos jornalistas. Treinar uma selecção é sempre um momento especial, mas foi uma caldeirada, digamos assim. Tivemos azar no grupo: Inglaterra, Escócia – ambas a jogar em casa – mais a Holanda. Em função da qualidade da Suíça, foi um trajecto razoável.
A seguir...
Tenerife, em Espanha, Vitesse, na Holanda, novamente PSG, e virei-me para o mundo árabe. Primeiro o Al Nasr, em que chegámos a quatro finais num ano, depois o Al Hilal, em que fomos campeões nacionais com a equipa de reservas porque o plantel principal estava todo na selecção da Arábia Saudita. Acontece que lá o presidente manda mais que o treinador no preparo na equipa e isso não é bem assim. Pelo menos para mim. Por isso saí.
Então...
Para a Académica, em 2002. Ficámos na 1.a divisão e então embarquei para o CSKA Moscovo. Ganhámos a Supertaça russa [3-1 ao Spartak, após prolongamento] mas repetiu-se o problema do Al Hilal: um presidente que quer mandar mais que o treinador. Ele era amigo do Abramovich e queria ser campeão russo à 10.a jornada. Ora bem, se alguém aparece e quer fazer, faz sem mim.
E agora, beco sem saída?
Experimentei África, com a selecção dos Camarões. Acredita que não perdi nenhum jogo, fundamentalmente à custa dos jogadores de qualidade. Das melhores experiências da minha vida. Pena aquele penálti falhado no último minuto a privar-nos do Mundial-2006. Pena também pelo fervor do público e pelo entusiasmo dos jogadores. Nem imagina a tristeza no balneário, todos a chorar.
Vejo aqui que depois se aventurou novamente no Al-Nasr e acabou no Créteil. França é um país do futebol.
Quando pensamos em Paris, capital da Europa, capital da moda, capital da finança, com 20 milhões de habitantes, e só vemos uma equipa na 1.a divisão, quer dizer...
Uma equipa que não é campeã francesa desde Artur Jorge, em 1994.
Pois, ainda por cima. É um caso estranhíssimo, o de Paris sem clubes de primeira nem interesse. Lembro-me de passear em Paris sem qualquer incómodo – no bom sentido, digo. No Porto, por exemplo, era menos possível passar invisível, as pessoas querem-te mais, param--te a meio da rua e têm o prazer de falar. Em Paris é a indiferença. Agora não, é mais intenso. No meu tempo o Parc não enchia. Agora enche. Já lá fui ver um jogo esta época e o Parc a abarrotar. Quarenta mil, penso eu. Outros tempos, como lhe digo.
Mourinho ganhou pela 400.a vez e ainda por cima foi assobiado na própria casa.
Mais um dado da diferença de épocas. No meu tempo não havia assobios. Também é verdade que nunca estive no topo da montanha que é o Real Madrid. Digo-lhe uma coisa, Mourinho é um nome incontornável na nossa história, a de Portugal e a do resto do mundo, agora e daqui para a frente. Tem 400 vitórias em quantos jogos?
590.
Quinhentos e noventa? E assobiam-no? É preciso [risos] coragem. Assobios no meu tempo só quando a minha equipa era assaltada em casa. Lembro-me de um PSG-Juventus [0-1], segunda mão das meias-finais da Taça UEFA em 1993. Fomos tão, tão, mas tão roubados, nem imagina. Aí assim, justificam-se os assobios. Assobiar o próprio treinador é que... Talvez não o façam na 500.a vitória, quem sabe?
O que sei é que vou ligar-lhe nesse dia.
Esteja à vontade, é um prazer.

in "ionline.pt"

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