quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Tozé: um filho do Dragão apaixonado por animais


Nos últimos anos, os filhos do Dragão foram saíndo de casa sem direito a exposição pública. No domingo, porém, o F.C. Porto voltou a mostrar um dos seus produtos na Liga, um jovem português com crescimento sustentado na formação do clube: Tozé.


O cenário desaconselharia o risco mas Vítor Pereira demonstrou a sua confiança. O diminuto médio fez o mesmo. Aliás, terá causado estranheza o atrevimento do número 70. F.C. Porto empatado em casa, tudo à espera do passe simples e ele a rematar. Uma, duas, três vezes.



É assim Tozé. Aos 20 anos, adiou o sonho da família para chegar à equipa principal do F.C. Porto. Os adeptos não gostaram do resultado mas puderam finalmente aplaudir a aposta num talento da casa, uma criação de longa data, diferente de alguns talentos já amadurecidos em outras latitudes.



Sete anos para convencer o veterinário



António José Pinheiro de Carvalho, vulgo Tozé, é um orgulhoso representante de Forjães, freguesia do concelho de Esposende. Por lá começou a jogar futebol, conjugando duas paixões que acompanham as gerações mais recentes da família Carvalho: o Forjães Sport Clube e os animais.



José Armando Carvalho, pai e conceituado veterinário de Esposende, guia o Maisfutebol por este capítulo: «O Tozé jogou no Forjães como eu joguei, como os tios jogaram. Eu fui jogador, fui dirigente, fui presidente. O tio jogou, depois tornou-se presidente. Todos estamos ligados ao clube.»



A herança familiar também cultivou a paixão pela prática veterinária. Nesse campo, o jovem do F.C. Porto merece as maiores ovações. «Eu sou veterinário, a minha mulher também, e o avô dele também era. Dei-lhe liberdade mas ele também seguiu a medicina veterinária. Está no primeiro ano da Universidade.»



Os estudos nunca ficaram pelo caminho. Aos 13 anos, Tozé despertou a atenção dos principais emblemas portugueses: F.C. Porto, Benfica, Sporting, Sp. Braga, V. Guimarães. A família quis tê-lo por perto, sem comprometer o seu futuro. Passou a ser dragão.



«Foram anos e anos a sair de casa em Forjães às sete da manhã e a voltar às nove da noite.Ainda se falou da hipótese de ficar na Casa do Dragão, mas ele quis ficar connosco e nós também preferimos assim», recorda, orgulhoso, o pai.



José Armando Carvalho foi aceitando o destino. Tozé fez o mesmo. Em 2009, no jornal local O Forjanense, o progenitor deixava o aviso. «Neste momento, a carreira de futebolista não é uma hipótese. O futuro planeado para o nosso filho mais novo passa pelos estudos e por um curso superior.»



Seguindo o seu rumo sem vacilar, o jovem concluiu o 12º ano com um registo impressionante e inscreveu-se na universidade. O próximo passo está em suspenso. Para já, o Dragão grita mais alto.



Líder pelo exemplo



As viagens diárias entre Forjães e o Porto ajudaram a moldar o caráter de Tozé. Tornou-se um exemplo pela perseverança e resistência a um sem número de distrações que rodeiam os jovens, sobretudo os projetos de futebolistas. 



«Sempre foi muito influente nas nossas equipas e um exemplo para o grupo. O Tozé era o único que se levantava às sete da manhã, ia para a escola, treinava, tinha mais aulas e chegava à noite a casa. Nenhum de nós tinha essa capacidade de sacrifício. Ainda por cima tirava 20 a tudo», recorda Lupeta, companheiro de equipa entre 2006 e 2012, ao Maisfutebol.



Kiki Afonso, outro ex-colega de equipa, reforça a tese. Durante anos, partilhou o assento da carrinha do clube nesse vaivém constante. «Éramos três da zona de Esposende: eu, o Tozé e o Alexandre Marques. Íamos na carrinha de manhã e só vínhamos à noite. Ele continuou a fazer isso pelo menos até ao ano passado. Aguentou sempre.»



«A dada altura, aos 15/16 anos, tive medo de o perder», desabafa o pai. Tozé resistiu. Agarrou-se aos seus sonhos. No domingo, cumpriu um deles.


Tozé: nota 20 para entrar onde o F.C. Porto não entra

Desempenho escolar valeu um prémio de Rui Rio


Tozé não será o típico nerd mas conciliou o desenvolvimento como jogador e os estudos. Com distinção, aliás. O jovem que Vítor Pereira lançou frente à Olhanense terminou o 12º ano com média de 20!

Em 2011, o médio ofensivo foi chamado à Câmara Municipal do Porto para ser galardoado com o «Rumo à Excelência», o prémio de mérito escolar instituído pela autarquia. 

António José Pinheiro de Carvalho (Tozé), que concluiu o ensino secundário na Escola António Nobre, foi premiado como o melhor aluno do ensino secundário das escolas públicas do concelho do Porto. 

Nessa condição, entrou no edifício da Câmara e foi fotografado ao lado de Rui Rio. «Por acaso, brinquei com o Rui Rio nesse dia e disse-lhe: olhe, o presidente Pinto da Costa não entra aqui mas o meu filho entrou.»

O pai de Tozé não evita as gargalhadas quando recorda o episódio. «Quando eu disse isso, ele não sabia quem eu era. Fui acompanhar o meu filho. No final, até veio ter comigo para perguntar porque é que eu tinha dito aquilo. Mas com boa disposição. Lá me apresentei, ele já sabia que o Tozé era jogador do F.C. Porto».

A matrícula à espera do aluno

Tozé manteve o rumo e seguiu para o ensino superior. Este ano, está matriculado em Medicina Veterinária no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Mas o tempo escasseia.

«Este ano, ainda não conseguiu tempo para os estudos. Como representa também a seleção, pediu entretanto o estatuto de atleta de alta competição, para tentar conciliar melhor os horários. 

José Armando Carvalho não se deixa iludir. «As coisas correm bem e ele agora é maior de idade, tem a rédea mais larga da minha parte, mas sempre lhe disse que o futebol são dois/três dias, o resto será a vida dele.» 

O pai não fala em vão. Passou por algo semelhante no passado, no final da década de 70.

«Eu jogava no Forjães quando o clube estava na III Divisão, mas fui estudar Medicina Dentária para Lisboa. Só que o treinador Virgílio Mendes (ex-jogador do F.C. Porto) gostava tanto de mim que convencia o clube a pagar-me viagens de avião só para eu ir jogar. Mas eu disse sempre que os estudos eram a prioridade.»

Forjães em festa com o jovem dragão

A estadia em Lisboa permitiu a José Armando Carvalho alimentar uma paixão assumida. «Sou benfiquista, não escondo. Quando estava lá, ia a tudo, treinos e jogos, mas também pelo amor ao futebol. Não sou doente.»

«Em Forjães, há outros benfiquistas mas se isto continuar assim para o Tozé, vai haver festa de campeão para o F.C. Porto com todo o gosto, claro. Até porque ele ainda mora aqui comigo, portanto é sempre acarinhado por todos», explica o pai.

Os amigos também vibraram com a estreia do médio ofensivo. Kiki Afonso, que representou o F.C. Porto entre 2007 e 2011, salienta o mérito de Tozé. «No F.C. Porto, é muito complicado para um jovem português chegar à equipa principal. Ele conseguiu porque tem muito mérito e grande qualidade.»

«Eu cheguei a treinar com o plantel no último ano de juvenil, mas treinar consegue-se, jogar tem sido muito mais difícil. Talvez a partir de agora as coisas mudem», remata Kiki, que saiu para o Rio Ave na época passada.

Jucie Lupeta despede-se da mesma forma. Fala como antigo dragão, pois abandonou o clube em 2012, mas dá os parabéns a Tozé. «Quis telefonar-lhe logo depois da estreia, mas decidi esperar uma semana. Ele deve estar a ser contactado por toda a gente e não quis incomodá-lo.»

«Ele falava connosco sobre a paixão pelos animais e pela Medicina. Todos sabíamos que ele ambicionava ser veterinário, mas dizíamos-lhe que isso só ia acontecer depois de acabar a carreira de profissional de futebol», remata Lupeta. Os amigos terão razão?

Tozé: futuro veterinário com uma estrela no céu

«Baixo? Isto não é um concurso de misses»


Os animais esperam por Tozé. O presente é o F.C. Porto. Lançado por Vítor Pereira na receção ao Olhanense, cumpriu um sonho em trinta minutos. Aos 20 anos, o jovem médio ofensivo sentiu que o esforço compensou.

Iniciou-se no Forjães Sport Clube, chegou ao Dragão com 13 e passou a ser um cliente regular da A28, a estrada que liga o Porto a Esposende. O futuro veterinário conseguiu, após sete anos de crescimento no clube, vestir a camisola azul e branca na Liga portuguesa.

Na ressaca daquele momento, Tozé recordou o avô Amândio, a sua estrela no céu. «Ontem concretizei o teu sonho e o que mais gostarias de ter visto antes de partires! Sei que estás no céu com um sorriso na cara hoje! Simplesmente brilha aí, que eu brilharei por ti na Terra!»

A dedicatória não surpreende o pai do jogador. «O avô dele, meu pai, era um grande portista. Faleceu no ano passado. É a ele que o Tozé dedica os golos quando levanta as mãos para céu», reconhece José Armando Carvalho, emocionado.

«Baixo? Isto não é um concurso de misses»

Voltando a Tozé. Quem viu pela primeira vez, ficou com duas ideias na retina: remata muito (naquela noite, mal) e tem um porte físico curioso, baixa estatura e largura de ombros. É o código genético.

«Eu também joguei futebol e sou assim. É de família. Costumo dizer que isto não é um concurso de misses. Aí é que precisam de ter as medidas certas. O Tozé é baixo mas largo e não deixa por isso de ter o remate forte que tem», frisa o pai.

O jovem tem os mesmos 170 centímetros que João Moutinho. Até por isso, a estreia foi especial. «Percebi que ele tinha medo de perder a bola e permitir um contra-ataque, porque ficou a jogar sozinho no meio-campo com o Moutinho. De resto, demonstrou a coragem de sempre.»

«Se entrares, tenta ficar na história»

O pai incentivou o risco. Vítor Pereira terá feito o mesmo. Depois de um período de adaptação à realidade, com presenças consecutivas no banco de suplentes, Tozé foi a jogo. E apostou forte.

«Já lhe tinha dito: se entrares, tenta ficar na história. Faz o que sabes, arrisca. És novo, as pessoas vão perceber se falhares. O treinador deve ter dito o mesmo. Claro que agora lemos as críticas, que podia ter rematado menos, etc. Mas ele é assim.»

Kiki Afonso, atual jogador do Rio Ave e velho amigo de Tozé, reforça a ideia. «Ele não vai ficar abalado. Penso que foi por ter sido a estreia, sentiu que era uma oportunidade única, mas quem o conhece sabe que tem muita mais qualidade do que aquela que demonstrou.»

«É ele que tem segurado a equipa B. Já é assim desde as camadas jovens. Quando outros se encolhiam, ele queria sempre a bola, nunca teve medo de arriscar. Se fosse amanhã, faria parecido. Talvez não rematasse tanto, mas tentava novamente», acrescenta Kiki, em conversa com o Maisfutebol.

«Dois passes maravilhosos» à chegada

Tozé está no F.C. Porto desde 2006. Pouco mudou ao longo dos anos. Baixa estatura, capacidade física, rapidez de execução. Remate fácil, passe a condizer.

Jucie Lupeta recorda o início da aventura. «Eu tornei-me jogador do F.C. Porto por culpa do Tozé. Fomos treinar à Constituição, em testes, precisamente no mesmo dia. Eu treinei a extremo e ele era o médio ofensivo. Fez dois passes maravilhosos para golo e fez-me brilhar.»

O avançado saiu do clube em 2012(esteve perto do Bury mas não ficou devido a operação ao menisco) sem esquecer o médio. Craque nos relvados, craque na escola, mas sempre com tempo para uma brincadeira. «É um rapaz muito sereno, mas adora brincar nas alturas certas. 

«Numa viagem de avião, à vinda de um torneio, encheu-me o cabelo de papéis, borrachas e outras coisas. Eu ia no banco da frente e ele atrás, ao lado do Pedro Emanuel. Adormeci e quando acordei estava toda a gente a rir-se de mim. Vi logo que tinha sido o Tozé», recorda Lupeta, ao Maisfutebol .


in "maisfutebol.iol.pt"

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