quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Octávio. "Ganhei duas vezes ao Carinhas e fechei a loja"

O Carinhas é Jesus, amigo de longa data do Baixinho, desde os tempos do Vitória de Setúbal (1980-83), que hoje visita a Luz por um lugar na final da Taça da Liga

Isto aqui não é de agora. Em Fevereiro de 2010 telefonamos para Palmela (cuidado com o roaming) e pronto, Paulo Futre deixa de ocupar o primeiro lugar isolado dos entrevistados mais descontraídos na história do i. E não, não se faça de esquisito, sabe muito bem daquilo que estamos a falar. Pois é, Octávio Machado. A sua maneira descomplexada de falar varre tudo à sua frente, porque o sistema está (im)plantado e o agricultor de Palmela não cultiva amizades nesses terrenos movediços. A entrevista tem a duração de um jogo de futebol (hora e meia), mas a verdade é que mais se parece com um jogo de râguebi, tal a força e o impacto de Octávio, entre sorrisos, uns irónicos outros complacentes.

Fala-se de Artur Jorge e cá vai disto: "Nunca foi homem de dar a cara. Na última vez que falei com ele, disse-lhe 'Artur, vai pró c******! Comigo nunca mais falas." Juntam-se quatro nomes como Jorge Nuno Pinto da Costa e... "De uma vez por todas, ponham isto na cabeça: o FC Porto de hoje é o FC Porto do Pedroto. Foi ele quem criou todos os alicerces e não o Pintinho." Lembra-se Gilberto Madaíl e lá vem bomba: "Sá Pinto esmurrou o Artur Jorge e levou um ano de suspensão da FIFA. E o João Vieira Pinto, que esmurrou um árbitro em pleno Mundial? Só três meses. E o Pepe, que pisou de propósito um jogador do Getafe e foi suspenso dez jogos pela Liga espanhola e entretanto jogou na nossa selecção sem problema? E o Liedson, que agrediu um director [Sá Pinto] e mesmo assim continua a representar Portugal? Que moral têm esses senhores? Então o Liedson vai jogar? Então essa federação desses Madaís? Onde está a autoridade? A FPF vive da selecção." E o que dizer de Fernando Gomes, o actual presidente da federação? Ui ui ui. "Em Dezembro de 2001, ainda estava eu a treinar o FC Porto quando um senhor... como se chama ele... ah, já sei... Fernando Gomes. Esse Fernando Gomes aconselhou-me a não fazer o que o clube fizera nos anos anteriores, em termos de reforços de Inverno, porque púnhamos em causa os ordenados de Março se entrássemos na reabertura do mercado sem cuidado."
Curiosidade: essa entrevista é publicada no dia 6 de Fevereiro. Bola extra: exactamente cinco anos depois, voltamos a falar com Octávio. Agora única e exclusivamente sobre a sua carreira de jogador, a sua amizade com Jorge Jesus, desde os tempos em que se encontram no Bonfim, no Verão de 1980. Octávio chega do FC Porto, Jesus da U. Leiria. São eles os dois as referências do meio-campo durante três épocas. Em 1983, Octávio sai de cena, Jesus prolonga a carreira em Faro, onde faz a última época na 1.a divisão. Como hoje há um Benfica-Vitória para a meia-final da Taça da Liga, resolvemos ligar a Octávio para saber de sua justiça sobre Jesus e o Vitória deles. Ouçamo-lo.

Boa noite, Octávio, tudo bem? Daqui Rui Miguel Tovar, do i.
Ó Miguel, estás bom?

Tudo bem, e o Octávio?
Cá vamos, sempre bem.

Ligo-lhe para falar de Benficas-Vitórias na Luz. Tem alguma história engraçada?
Engraçadíssima. Uma bela tarde de Dezembro de 1973 [dia 30], ganhámos lá 3-2. E, ó Miguel, o Benfica não perdia em casa para o campeonato há cento e tal jogos [109, desde o póquer de Lourenço no 4-2 do Sporting em Outubro de 1965]. Nós fomos lá e demos espectáculo. Chegou a estar 3-0, vê bem.

E o Octávio jogou?
Se joguei? Essa é boa. Marquei, ó Miguel, o 2-0 é meu.

Como foi?
Alguém cruzou da direita, o Duda cabeceou à trave e eu fiz a recarga. Vitoriosa. E vistosa. Foi um belo golo. Um dos mais bonitos da minha carreira. Ficou- -me gravado na memória. Por ser bonito e também por ser na Luz. Marcar lá não era fácil. Jogávamos com a equipa do Benfica e com os adeptos do Benfica. Quando a equipa não estava em campo, os adeptos faziam a diferença. Aquela conversa do inferno da Luz e da força do terceiro anel não é à toa.

Sentiu-se nesse dia?
Claro que sim. No primeiro minuto de jogo marcámos. Eles [jornais] dizem que foi autogolo do Artur, para nós [jogadores do Vitória] foi golo do Duda. Eu fiz o 2-0 já na segunda parte [55'] e o Jacinto João ampliou a marca, de livre directo [65'].

Depois foi aguentar?
E de que maneira! O Benfica acelerou, meteu o Humberto Coelho a avançado e foi complicado segurar aquele 3-0. Eles marcam o 3-1 perto do fim [Jordão 88'] e apertam connosco ao cair do pano, com um penálti... Do António Garrido. O que é certo é que ganhámos 3-2 [Vítor Martins 90'] e não foi sem querer. A nossa equipa era um sonho, com Carriço, Mendes, Rebelo, Octávio. E o ataque? Aqueles três, ai Jesus: Jacinto João, José Torres e Duda.

Ainda bem que fala do Jesus. Cruzou- -se com ele em Setúbal, não foi?
Siiiim, mas foi mais tarde, muito mais tarde. A vitória na Luz é em 1973, o encontro com Jesus é em 1980. O futebol mudara, o Vitória também, e o país então nem se fala.

A alcunha dele é...?
Carinhas, ele é o Carinhas. Já chegou assim ao Setúbal.

E o Octávio é o...?
Baixinho.

Davam-se bem?
Superbem. É um homem íntegro com gosto pelo futebol.

E como futebolista?
Não tinha era medo de ninguém, ia a todas. Fez-se homem dentro de campo, isso notava-se. Era também cerebral e pautava o ritmo de jogo. Com elegância, cabeça levantada e bom jogo de pés. Mas podia ter sido muito melhor do que foi. Faltou empenhar-se mais.

E no balneário?
Um líder. Ele falava e as pessoas gostavam do que ouviam.

Entendiam-se bem no campo?
Às mil maravilhas. Eu fazia o meu trabalho e ele o dele, com empatia, eficácia e discrição. Naqueles três anos ficámos em sétimo, oitavo e sétimo. Regularidade, acima de tudo. Com o Manoel de Oliveira a treinador. E ainda chegámos a uma meia-final da Taça, perdida para o FC Porto, nas Antas.

O Vitória da sua primeira passagem era melhor que esse?
Nem se pode comparar. O Vitória de 69, 70, 71, 72 era uma máquina. Foi o primeiro pequeno a incomodar os grandes, sem esquecer os resultados nas provas europeias. Lembro-me de uma vez termos eliminado Fiorentina e Inter em coisa de mês e meio [Taça UEFA 72-73]. E o Inter de gente grande, como Facchetti e Mazzola. Não era a arraia-miúda. Ganhámos cá 2-0 e perdemos lá 1-0. Depois fomos eliminados já não me lembro por quem... Não sei se estou a confundir épocas mas talvez o UTA Arad, da Roménia. Perdemos lá 3-0, numa viagem daquelas.

Como?
Saímos daqui de avião até à Jugoslávia e depois fomos de autocarro para a Roménia. Um filme. Perdemos, okay, mas há condições de virar a eliminatória. Vê bem, ó Miguel, a nossa força e confiança. Cá, em casa, podíamos ter dado oito a zero. Só conseguimos um-zero. Era o tempo de um senhor chamado José Maria Pedroto. Um senhor. Vês as épocas do Vitória nessa altura e percebes a sua categoria, o seu saber [3.o, 4.o, 2.o, 3.o e 3.o]. Na Europa atingimos duas vezes os quartos-de-final. Não é para todos, só para este Vitória. O dos anos 80 é diferente.

E os jogadores desse Vitória?
Uiiii, uns bandidos. No bom sentido, claro. O Jesus, o Garcês. Tantos.

Vivam todos em Setúbal?
Uns sim, outros em Lisboa. Tenho a ideia de o Jesus vir de Lisboa. Os treinos eram de manhã e almoçávamos juntos.

Camaradagem, portanto?
Sim, muita. É necessário para chegar aos bons resultados. E esse Vitória também o conseguiu, mas lá está, o outro chegou mais além. Vou dizer-te uma coisa, ó Miguel, o Vitória 72-73 acabou o campeonato em segundo lugar e só com duas derrotas em 30 jornadas, ambas em casa.

No Bonfim?
Exactamente. Uma com o Benfica, 3-1, na 3.a jornada, e outra com a CUF, 1-0, na penúltima. Ou seja, 25 jogos sem derrotas.

E nem perderam com nenhum grande fora?
Benfica 0-0, Sporting 0-0 e Porto 1-0, golo do Torres.

Beeeem, que época.
Ah pois é, ó Miguel. Éramos assim.

E continuou a dar-se com o Jesus?
Até o encontrei duas vezes no campeonato nacional, já como treinadores. A primeira vez num Felgueiras-Sporting. Ganhámos 1-0 com um belo golo do Peixe. A segunda naquele célebre 3-0 do FC Porto ao Vitória de Setúbal em que eu substituo o Jorge Costa na primeira parte e ele atira a braçadeira para o chão.

Ah sim, já me lembro.
Pois, pois. Foi da maneira que entrou o Ricardo Carvalho na equipa. Ele e o Jorge Andrade eram a melhor dupla de centrais da Europa. E foram vendidos pelo Porto cá a um preço, ó Miguel. Até pareciam avançados. Os dois, juntos, quase 50 milhões de euros. Dinheiro, muito dinheiro.

Só dois Octávio vs. Jesus, então?

E não chega? Ganhei os dois ao Caritas e fechei a loja. Acabou-se. Ele vai ter de viver com isso, ah ah ah ah.

in "ionline.pr"

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