Alvalade (amanhã) e Camp Nou (na segunda-feira) vão atrair as principais atenções da tribo futebolística no trapézio ibérico. A uma escala diferente, naturalmente. No segundo caso, anuncia-se um espectáculo inolvidável entre duas equipas de sonho, um confronto entre dois treinadores de elite e com personalidade e carácter distintos e até um tira-teimas entre os dois melhores futebolistas da actualidade, discussões em que, nunca é por demais referir, estarão envolvidos dois portugueses (Mourinho e Ronaldo). Se o cartaz do Barcelona-Real Madrid apresenta ingredientes para todos os gostos, o Sporting-FC Porto espelha uma realidade bem mais difusa e remediada, por força de um mercado e de um suporte financeiro infelizmente mais pudibundos, mas também do papel subalterno em que, ao longo dos últimos tempos, se foram deixando cair os sportinguistas. Mas é o que se pode arranjar.
O FC Porto tem sido um caso à parte na realidade futebolística nacional. Conta com o jogador mais desequilibrante dos relvados nacionais (Hulk), mas também beneficia de uma organização sem paralelo em Portugal, de um plantel equilibrado e com vários protagonistas de classe extra, além de um jovem treinador que se tem revelado muito evoluído tacticamente e sagaz ao nível das opções, da gestão e do discurso.
Em Alvalade, não se esperam grandes novidades por parte do FC Porto. Irá começar com o habitual desenho táctico (4x3x3), mas deixando na manga outras opções de recurso, como o 4x4x2 losango que lhe permitiu resolver a eliminatória da Taça de Portugal. As duas últimas exibições foram pouco mais do que sofríveis, como se a equipa se tivesse distendido um pouco após a goleada imposta ao Benfica. O jogo com o Sporting servirá para esclarecer se há aqui uma tendência ou apenas um breve intervalo, antes de um novo ciclo de futebol exuberante.
Tudo indica que Fernando irá recuperar o seu lugar em detrimento de Guarín, que até aproveitou razoavelmente bem a ausência do brasileiro, mas que continua a perder claramente na comparação. Fernando é um dos casos em que é mais notório o dedo de André Villas-Boas, que soube transformar um “trinco” de elevado sentido posicional num “seis” tacticamente evoluído e capaz de participar na primeira fase de construção. De resto, face à ausência do lesionado Álvaro Pereira e como Emídio Rafael ainda está algo “cru”, Fucile irá relembrar as suas aventuras no lado esquerdo, ele que é um exemplar raríssimo, mesmo a nível europeu, porque consegue manter um comportamento eficaz independentemente da faixa que ocupa. As últimas informações apontam para que Varela esteja refeito da lesão muscular. É uma notícia importante para o líder, porque Ukra ainda atravessa uma fase de formatação e Rodríguez continua a desperdiçar as oportunidades para se afirmar como uma solução consistente.
O Sporting perde claramente na comparação, seja qual for o prisma de análise escolhido. Mas Paulo Sérgio será o primeiro a perceber que este jogo pode também funcionar como uma oportunidade. Porque poderá funcionar como um “clic” para uma equipa com problemas crónicos de maturidade e que muda de humores com uma facilidade incrível, por vezes até durante o mesmo jogo. É ainda evidente a falta de um central de classe top, o que ajuda a explicar alguns erros de palmatória e a permeabilidade nos lances de bola parada. Dentro deste quadro, o regresso à titularidade de Polga acaba por se aceitar.
Paulo Sérgio nunca foi um treinador fiel a um sistema, mas a exagerada flutuação táctica não tem ajudado ao equilíbrio de um grupo com várias debilidades, até do ponto de vista emocional. No entanto, o Sporting tinha obrigação de mostrar outra maturidade, até em função dos vários jogadores experientes contratados nos últimos tempos.
As opções estabilizaram ultimamente em torno do 4x2x3x1 ou do 4x4x2 clássico, discussão reaberta agora que Liedson está refeito do problema físico. Face ao bom período que Hélder Postiga atravessa e à falta de ritmo que o brasileiro naturalmente acusa ainda, não seria surpreendente que Liedson ficasse de fora do onze inicial. No entanto, há também que levar em conta que Liedson é um daqueles jogadores talhados para os grandes momentos, o que tem algum peso numa equipa carente de verdadeiros cabeças de cartaz.
O problema é que a aposta numa dupla de avançados pode ser condicionada pelo facto de o Sporting ter hoje mais opções credíveis para o miolo do que vinha sendo habitual. Pedro Mendes já deixou a enfermaria, Maniche já cumpriu o castigo e André Santos vem jogando a muito bom nível. Acrescente-se-lhe o poder desequilibrante que Valdés passou a ter quando é utilizado na posição “dez”.
Há uma solução que, não sendo a quadratura do círculo, juntaria todas estas mais-valias: 4x4x2 losango. Pedro Mendes jogaria no vértice mais recuado, Maniche e André como médios interiores e Valdés nas costas de Postiga e Liedson. Seria uma solução interessante, principalmente por garantir superioridade numérica e capacidade de “pressing” numa zona do campo em que o FC Porto é muito forte. Mas que, por outro lado, acarreta problemas ofensivos em termos de jogo exterior, principalmente se os laterais não derem a necessária verticalidade nos flancos. Este dilema poderá fazer com que Paulo Sérgio abdique de um dos médios-centro e opte por outro desenho em que haja espaço para Vukcevic ou até Djaló.
Não deixa de ser curioso que a imprensa espanhola também passou os últimos dias a debater um dilema idêntico: se o sempre pragmático José Mourinho irá mesmo abdicar, no Camp Nou, de uma unidade que vem sendo preponderante na organização ofensiva (Özil) para dar mais músculo ao miolo com a entrada na equipa do francês Lass. Isso implicaria trocar o habitual 4x2x3x1 pelo 4x3x3, com Di María a funcionar assumidamente como extremo. Esta solução já foi, de resto, utilizada pelos madrilenos na Champions, frente ao Auxerre, e pode fazer algum sentido para resistir ao “tique-taca” do Barcelona.
Afinal de contas, sempre foi possível encontrar (pelo menos) um ponto de contacto entre os espectáculos que se anunciam para Alvalade e Camp Nou..
Bruno Prata in "publico.pt"
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