terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Dinheiro que alimenta o futebol português perde-se numa rede de fundos

Há jogadores do FC Porto que estão parcialmente nas mãos de empresas holandesas, luxemburguesas, inglesas e maltesas. Há 20 jogadores do Benfica no fundo de futebolistas criado pelo clube e o Sporting cedeu percentagens dos direitos económicos de 15 jogadores ao seu fundo e de sete a um fundo sediado na Irlanda. Esta é uma realidade cada vez mais frequente no futebol português e, numa altura, em que se discute o recurso a este instrumento que serve para obter liquidez, o PÚBLICO fez um levantamento dos principais parceiros dos três "grandes"
Um dos negócios mais curiosos envolve João Moutinho. O FC Porto comprou o passe do médio ao Sporting em Julho de 2010 por 11 milhões de euros e três meses depois vendeu 37,5% a uma empresa holandesa chamada Mamers B.V, por 4,125 milhões. Segundo os dados obtidos pelo PÚBLICO na base de dados de empresas D&B, esta sociedade é detida por uma fundação (Stiching Mamers), cujos corpos directivos são o empresário português António Fernando Maia Moreira de Sá e o filho Flávio Moreira de Sá. António Moreira de Sá é um empresário do Norte do país com interesses na construção civil e também membro suplente do conselho superior do FC Porto (um órgão consultivo do clube).

O PÚBLICO questionou a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) para saber se existe alguma incompatibilidade, algo a que o órgão regulador respondeu negativamente: "Nessa data, António Fernando Moreira de Sá não integrava os órgãos sociais da Futebol Clube do Porto - Futebol SAD." O PÚBLICO também tentou obter uma explicação do FC Porto (que recusou responder a perguntas) e de António Moreira de Sá, que não se disponibilizou para falar.

As movimentações em torno do passe de João Moutinho, porém, não ficaram por aqui. A dado momento (entre Outubro de 2010 e Agosto de 2011), esses 37,5% dos direitos económicos de Moutinho foram cedidos ao Soccer Invest Fund, um fundo registado na CMVM cujos nomes dos accionistas não são conhecidos publicamente (só o regulador sabe quem são). Este fundo é gerido pela MNF Gestão de Activos, uma empresa que tem entre os seus administradores João Lino de Castro, que à data da venda de Moutinho ao FC Porto era secretário da mesa da assembleia-geral do Sporting e em Setembro de 2010 foi cooptado para a administração da SAD leonina, então presidida por José Eduardo Bettencourt. Em Agosto de 2011, o Soccer Invest Fund vendeu 22,5% do passe de Moutinho ao FC Porto, por 4 milhões de euros, ficando com 15%.

Também aqui a CMVM recusa a existência de qualquer incompatibilidade, até porque "na data em que foi comunicada esta transacção entre o Soccer Invest Fund e a Porto SAD, João Lino de Castro não integrava os órgãos sociais da Sporting SAD." O PÚBLICO também tentou ouvir o ex-administrador leonino, mas não foi possível.

Que fundos?

Na cada vez mais comum partilha de direitos económicos de futebolistas com terceiros podemos distinguir dois tipos de parcerias: uma são os fundos de jogadores registados na CMVM e as outras são negócios pontuais com empresas nacionais ou estrangeiras.

O Benfica e o Sporting constituíram fundos próprios, que são supervisionados pela CMVM e ambos geridos pela Espírito Santo Activos Financeiros (ESAF), uma empresa do BES. Publicamente não são conhecidos os investidores nestes dois fundos, embora a ESAF e a CMVM saibam quem são.

No caso do Benfica Stars Fund (40 milhões de euros), o relatório e contas revela que há seis investidores, um com mais de 25%, quatro com quotas entre 10 e 25% e um com uma parcela abaixo dos 2%. Oficialmente sabe-se apenas que clube da Luz detém uma parcela de 15%.

Paulo Gomes, membro do conselho de administração da Ongoing Internacional, admitiu ao PÚBLICO, em Outubro de 2009, que a empresa detinha uma participação no fundo do Benfica. "Temos uma participação razoável, mas não somos o maior", afirmou o administrador - fonte do mercado estimou que a participação rondará os 15 a 20%. Joe Berardo também confirmou ao PÚBLICO a sua participação, afirmando que investiu inicialmente um milhão de euros e que não tem a certeza se reforçou essa parcela. "Só sei que não vendi. É um investimento cultural."

Pouca informação

No caso do fundo do Sporting (15 milhões de euros), não se conhece nenhum investidor e o número de participantes só será divulgado no primeiro relatório e contas. Já o FC Porto cedeu os passes de alguns jogadores ao já referido Soccer Invest Fund, que tem apenas um investidor, segundo o último relatório e contas.

Fora da alçada da CMVM, embora o regulador supervisione os negócios efectuados pelas SAD, há várias parcerias. O Sporting cedeu parcelas dos passes de sete jogadores a um fundo sediado na Irlanda, que está ligado a Peter Kenyon, antigo director-geral do Chelsea e Manchester United.

O FC Porto, no entanto, é quem tem mais ligações ao exterior. Segundo os dados recolhidos pelo PÚBLICO, o clube portista tem, ou teve, parcerias com empresas sediadas na Holanda, Luxemburgo, Malta e Inglaterra. Em muitos casos, sabe-se pouco sobre estas empresas e o clube também não fornece dados sobre os parceiros. Questionada pelo PÚBLICO sobre se investigou as empresas que têm sido parceiras das SAD portuguesas, a CMVM respondeu que "não se pode pronunciar sobre esta matéria".

A Pearl Design Limited, sediada em Inglaterra, tem 25% do passe de Walter e é gerida por um empresário português, Mário Jorge Queiroz Castro, igualmente administrador de várias empresas em Espanha e Portugal. A agência Bloomberg chegou mesmo a noticiar que a UEFA estava a investigar este negócio, algo que foi depois desmentido pelo organismo que gere o futebol europeu.

O parceiro mais recente do FC Porto é o Doyen Group Investments, uma empresa sediada em Malta, que adquiriu 33,3% dos passes de Mangala e Defour. Esta empresa está ligada ao Doyen Group, a quem o PÚBLICO perguntou quem são os seus accionistas, mas não obteve resposta. O Doyen Group patrocina as camisolas de alguns clubes espanhóis (Getafe, Atl. Madrid e Gijón), tendo igualmente, segundo o diário espanhol El País, adquirido parcelas de jogadores como Pedro de León, Negredo, Reyes ou De Gea. O presidente do Getafe chegou a dizer publicamente que este fundo é gerido por empresários portugueses, mas não se sabe quem são. De outras empresas, como a Gol Luxembourg (que comprou 35% de James Rodríguez), a Maxtex (que deterá 5% do passe de Hulk) ou Jazzy Limited (que teve metade de Ramires), não foi possível recolher muita informação, mesmo em bases de dados de empresas.

Lucros?

O recurso a fundos e parcerias é, acima de tudo, uma forma de obter liquidez, numa altura em que o crédito bancário escasseia. No que diz respeito a lucros, há negócios e negócios. O Sporting, por exemplo, lucrou com a passagem de Jeffren, Capel e Rinaudo para o seu fundo. Por exemplo, o clube de Alvalade comprou o passe de Jeffren em Agosto de 2011 por 3,75 milhões de euros e vendeu 25% ao fundo, em Setembro, por 1,375 milhões - se fosse ao preço de compra, um quarto do passe valeria somente 937.500 euros.

Em sentido contrário, o Sporting pagou 8,850 milhões de euros por Elias, mas a metade vendida ao fundo Quality Football Ireland valeu apenas 3,850 milhões (e não 4,425 milhões). O FC Porto, por exemplo, vendeu 37,5% de Moutinho por 4,125 milhões de euros em Outubro de 2010 e quase um ano depois, quando recomprou 22,5%, já o fez por quatro milhões, bem mais caro do que havia vendido.

in "publico.pt"

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