terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

"Fernando pode correr menos e jogar mais"

Fernando não precisava de um golo para confirmar que, ao longo dos últimos meses, tem sido um dos melhores jogadores do FC Porto e do campeonato português. O seu tímido festejo, de punhos cerrados, denuncia essa mesma convicção, mas também não esconde o alívio de quem anda há anos a tentar dar uma dimensão mais ofensiva ao seu jogo. O criador do Polvo, Jesualdo Ferreira, concorda que Fernando não é um produto acabado, mas ao invés de lhe cobrar mais, o professor surpreende ao aconselhá-lo a ser capaz de menos! Confuso?
"Tacticamente, é um jogador feito e acho normal que tantos clubes o queiram. Com sinceridade, não vejo muitos no seu patamar a nível internacional", começa por dizer, concretizando a tal aparente contradição. "Evoluir é tornar-se mais racional no que faz, ele joga tanto que nem precisa de se cansar. Pode parecer estranho, mas parece-me que o Fernando pode correr menos e ser mais jogador. Se gerir melhor o que faz, vai conseguir fazer mais coisas de forma natural", sintetiza, identificando no golo ao V. Setúbal um exemplo feliz: "O Fernando é aquilo. É tão simples e tão eficaz ao mesmo tempo."
Antes de se esticar nas palavras sobre o brasileiro, Jesualdo Ferreira abre um parêntesis para desmentir uma ideia feita. "É falso que eu lhe limitasse o espaço, mas para mim o Fernando não é um médio de transição, mas de recuperação e equilíbrios", defende, logo reagindo à face visível que são os golos: "O Makelele, sendo um dos melhores médios do mundo, precisou que lhe deixassem bater um penálti para se estrear a marcar pelo Chelsea. E mesmo assim falhou-o, só marcou na recarga."
Factos que as características de Fernando só reforçam. "Os terrenos que ele pisa dependem mais da equipa do que dele. Se as linhas defensivas subirem, ele sobe. Quanto aos golos, lembrem-se de uma coisa: ele remata mal de fora da área", reforça, para recuar àquilo que mais lhe interessa e mais lhe enche as medidas no Polvo. "O futebol está hoje formatado para o duplo pivô. A maior parte das equipas joga assim, mas o Fernando vale por dois. Não sei como se adaptaria se tivesse alguém ao lado. O que sei é que, jogando sozinho, é brilhante", atira, sem poupar na adjectivação.
Depois de um final de época tremido e de um arranque adiado - "não sei o que se passou, nem me interessa", reage Jesualdo - Fernando tem sido uma das marcas mais positivas do FC Porto de Vítor Pereira. É natural, portanto, que o brasileiro possa também ser notícia, até final da época, fora dos relvados. Com um contrato que expira em 2014 e tendo já manifestado interesse em renovar, o médio de 24 anos pode começar a cumprir o desejo vincado em recente entrevista a O JOGO: "Por mim ficava mais 10 anos."

Carreira que podia ter acabado logo no início


Mais de três anos depois, Jesualdo Ferreira admite que arriscou no dia em que chamou Fernando ao onze. O FC Porto jogava na Luz a 2ª jornada da Liga 2008/09 e o professor lançou um miúdo de 21 anos para fazer de Paulo Assunção. "Podia ter acabado a carreira dele logo ali, mas eu sabia que não ia correr mal. Definiu o carácter que tem e confirmou a primeira imagem que retenho dele: alguém que quer aprender muito, que é esperto e humilde", sintetiza, identificando as chaves do seu crescimento. "Desde cedo se percebeu que tinha velocidade e agilidade, mas tacticamente tinha grandes debilidades. Soube ouvir-me, soube crescer de forma fantástica e escolher o seu modelo. Observando o Paulo Assunção, percebeu o que queríamos dele", resume.


Makelele: golos para quê?


Jesualdo Ferreira encontra um exemplo feliz. "O Makelele jogou muitos anos em Inglaterra e era um dos melhores do mundo mesmo sem marcar golos", lembra. É um facto. Em 144 jogos na Premier League, só marcou por duas vezes, uma delas na recarga a um penálti que o próprio tinha desperdiçado.

Brasil: duplo pivô prejudica

Não é a dimensão do FC Porto nem a marcante história da agressão a um árbitro nos sub-20. Na opinião de Jesualdo Ferreira, o que afasta Fernando do escrete é o duplo pivô enraizado na cultura futebolística brasileira: "Isso mata-o, porque eles jogam aí há muitas gerações. Quando um seleccionador brasileiro pensa no seu meio-campo, pensa num Dunga e num Mauro Silva, em jogadores mais dotados tecnicamente. Eu prefiro quem tome as melhores decisões tácticas, mas lá valorizam-se decisões técnicas."


"Devia estar na selecção"


Os caminhos do futebol cruzam-se muitas vezes e Tchô, médio do Marítimo, já partilhou a selecção brasileira de sub-20 com Fernando, durante o Campeonato Sul-Americano de 2007 que acabaram por vencer. Naquela altura, os dois estavam longe de imaginar que o futuro os traria até Portugal e que Fernando seria hoje um dos melhores médios-defensivos do mundo. Apesar da evidência, o portista continua com as portas da selecção principal bem fechadas. Porquê? "Sinceramente, não consigo encontrar uma explicação lógica", começou por referir Tchô. "Por acaso, ainda no outro dia estávamos a conversar sobre a selecção brasileira no Marítimo e todos concordávamos que o Fernando tinha e tem todas as condições para lá estar." Mas a verdade é que não está, naquele que é um erro de avaliação, na opinião de Tchô. "Ele é um verdadeiro trinco, de marcação, e é um jogador assim que a selecção precisa. Na equipa actual, há muitos jogadores habilidosos no meio-campo e ataque, que precisam de um suporte como o Fernando. Aliás, ainda no último Mundial o Brasil jogou com o Gilberto Silva [e Felipe Melo], por isso nem sequer podem dizer que um jogador com estas características não tem lugar na selecção." Tchô acredita, no entanto, que a Fernando "falta apenas uma oportunidade". "No dia em que lá for, não sai mais", concluiu.


O dia em que perdeu a cabeça...


Tchô e Fernando têm mais uma história em comum. No célebre jogo do Sul-Americano em que Fernando suspostamente agrediu o árbitro, Tchô também estava em campo. E até fez um golo. "Lembro-me perfeitamente. Fomos roubados [risos]. Estávamos a ganhar 1-0 e o árbitro marcou um penálti contra nós. O Chile empata, mas eu marco o segundo logo de seguida. Mas o árbitro voltou a marcar mais um penálti contra nós na última jogada. Eles empataram, o Fernando perdeu a cabeça e empurrou o árbitro", recordou, num momento que valeu uma suspensão de um ano ao portista.

in "ojogo.pt"

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