quinta-feira, 22 de março de 2012

Bloqueios estratégicos

Em resposta às acusações de Vítor Pereira, Jorge Jesus negou que as suas equipas trabalhem os bloqueios ofensivos como estratégia de jogo, mas alguns jogadores que no passado foram treinados por ele contrariam-no. O enfoque nas bolas paradas é, dizem, uma das chaves do seu sucesso. E os ditos bloqueios podem não ser uma invenção dele, mas fazem parte da estratégia usada para vencer jogos.
Luís Filipe, lateral do Olhanense, nunca tinha ouvido falar de tal coisa antes de ser treinado por Jesus. André Leone já os conhecia do Brasil, mas aprofundou a técnica no Braga. "Treinávamos, e muito! Até era ele [Jesus] que nos atirava a bola com a mão, para ser mais preciso do que se fosse com o pé", frisou. "Eu até podia cair no lance, mas o que importava era tapar o caminho ao adversário. Nem me preocupava com a bola. Virava-me de costas para ela e abria os braços em direção ao adversário", explicou a O JOGO. O ex-árbitro Jorge Coroado não tem dúvidas: se é isso que Jesus pede, então os árbitros pecam ao não assinalar falta. "Jesus é inteligente no aproveitamento do que é a regra, que, não sendo específica, atira para o primeiro parágrafo da Lei 5: a opinião do árbitro", explica, acrescentando que no clássico, como noutros jogos do Benfica, deveriam ser assinaladas várias infrações: "Fazem mais faltas nestas situações do que as outras equipas."
A fronteira entre legal e ilegal provoca desacordo entre os jogadores ouvidos por O JOGO. A estratégia é clara, mas a forma de a explorar só choca João Guilherme, do Marítimo, e Gaspar, do Rio Ave. "O Benfica não faz falta uma, duas ou três vezes; faz sempre. Ainda não vi nenhuma assinalada. No final de uma recente reunião de arbitragem, o próprio Vítor Pereira [líder do Conselho de Arbitragem] disse que bloqueios acontecem no basquetebol; no futebol, chamam-se obstruções. Se o avançado mete a bola na frente e é obstruído, marcam falta. Por que não o fazem também quando se trata de um lance de bola parada?", pergunta o defesa do Rio Ave, que recorda os tempos de Belenenses e a insistência com que Jesus abordava esse tipo de trabalho. "Se eu fosse árbitro e visse um defesa de costas para a bola, ficava duplamente atento. Se não olha para a bola é porque só procura obstruir o homem", justifica. João Guilherme partilha da opinião. "O Benfica faz muito isso. Mas é falta. Se os árbitros não marcarem, eles ficam com grande vantagem. Senti isso em todos os cantos e livres dos jogos frente ao Benfica", reclama o maritimista.
O FC Porto acredita no mesmo. Antes de Vítor Pereira o denunciar, já se temia o uso abusivo dos ditos bloqueios e, na reunião que antecedeu o jogo, o delegado portista tratou de pedir especial atenção ao árbitro Artur Soares Dias.

Declarações


"Obstruções e sempre falta"
"Bloqueio é no basquetebol; o que o Benfica faz são obstruções. E é sempre falta. Se marcam nas bolas corridas, por que não nas paradas? Várias equipas o fazem, mas de forma esporádica. Tive vários treinadores, mas só Jesus insistia nisso"
Gaspar, jogador do Rio Ave


"Treinávamos e muito"
"No Braga, com Jesus, treinávamos isso, e muito! Era eu que bloqueava os adversários para Moisés cabecear. Não me preocupava com a bola, mas em tapar o caminho ao adversário. Fazia uma espécie de parede e ele não conseguia correr"
André Leone, ex-jogador do Braga


"Não acho que haja faltas"
"Foi no Benfica que ouvi falar de bloqueios pela primeira vez. Não treinávamos, mas propunham-nos isso. Normalmente, os jogadores combinam entre si na hora. Mas não acho que haja faltas. Há os agarrões normais das confusões"
Luís Filipe, jogador do Olhanense


"Não é só o Benfica"
"Toda a gente vê que nas bolas paradas há bloqueios. Às vezes há penálti, outras vezes não. Mas não é só o Benfica a fazê-los; são situações usadas há muito tempo e por muitos treinadores. Mas hoje em dia, a análise é mais pormenorizada"
Hugo, jogador do Beira-Mar


"É dos que mais usam"
"Aqueles 'puxa-puxa' são normais, mas quanto melhor uma equipa trabalha os bloqueios, mais difícil se torna defender. Tive vários treinadores que usavam essa estratégia. Na Liga, o Benfica é das equipas que mais os usam"
Luciano, jogador do Feirense


"Iniciativa dos jogadores"
"Jorge Jesus trabalha muito os lances de bola parada, estuda os adversários e tenta encontrar espaços, mas não me lembro de alguma vez ter treinado este tipo de bloqueios. Penso que neste caso, a iniciativa partiu dos jogadores"
Fábio Faria, Rio Ave e ex-Benfica


"Árbitros mais atentos"
"O Benfica não faz jogo sujo, mas os árbitros têm de estar mais atentos. Eles não podem fazer estes bloqueios; é ilegal. Têm jogadores muito altos e aproveitam-se disso para tirar proveito dos lances de bola parada"
João Guilherme, Marítimo


"Faz parte do jogo"
"Sabíamos que o Benfica fazia esses bloqueios, mas como defendemos em linha, não nos afetou muito. Faz parte do jogo. Eu também já pedi a colegas meus para bloquearem o meu adversário em lances de bola parada"
Cohene, Paços de Ferreira

3 questões


Jorge Coroado, ex-árbitro
"Se não disputam a bola, é falta"


1 - Nos bloqueios de que Vítor Pereira se queixa, qual é o limite da legalidade?
O bloqueio será sempre considerado falta quando o jogador não tem objetividade na disputa da bola e antes e só na perturbação do adversário. É falta sempre que um jogador se interpõe entre o adversário e a bola, não se preocupando em jogá-la e sim em travar a marcha do adversário.


2 - Neste clássico, houve faltas desse género não assinaladas?
Houve. Nas bolas paradas, o Benfica tem uma forma de colocar os seu jogadores de forma a que estes bloqueiem os que mais apetência têm para chegar à bola alta. Colocar dois jogadores na ilharga de um adversário é uma forma sub-reptícia de evitar que ele dispute a bola. É uma ação inteligente, porque vai criar um aglomerado e perturbar a ação da equipa de arbitragem.


3 - As queixas de Vítor Pereira podem levar os árbitros a outros cuidados no futuro?
Há muitos macaquinhos de imitação, mas só se dá relevo a Vítor Pereira porque é o treinador do FC Porto. A verdade é que os árbitros podem, têm e devem ser eficazes e rigorosos na aplicação desta Lei do Jogo.

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