Ainda não sonhava em ser jogador quando viu a conquista de
Viena. Anos depois, Capucho jogou nas Antas pelo Gil Vicente e levou
para casa um pedaço da relva.
Onde é que estava no 27 de maio?
Tinha 15 anos, ainda era estudante. Lembro-me perfeitamente do jogo,
mas na altura não me apercebi do feito que tinham conseguido.
Gostava de futebol, mas não pensava em ser jogador, sonhava
apenas com isso. Foi um marco no futebol português, mas naquela
idade nem me apercebi do significado daquilo. Só com o passar do
tempo, fui percebendo que aquela geração tinha mudado a
face do nosso futebol.
Onde viu o jogo?
Vi em Barcelos, em casa, ainda só tínhamos uma
televisão. Conhecia todos os jogadores do Bayern, eram todos
internacionais, e achava que o FC Porto dificilmente ganharia.
Só mais tarde percebi que a união e a solidariedade
também vencem jogos, mas na altura era miúdo e só
jogava pelo prazer, não tinha noção de algumas
coisas.
Viu com a família?
Sim, todos portistas. Os meus irmãos davam muito mais
importância à vitória. Sou o irmão mais novo
e saí para a rua com eles, porque eram todos fanáticos
pelo FC Porto. Em Barcelos não havia muitos portistas, mas
saíram todos à rua e foi um grande momento. Na minha
memória ficaram sempre o calcanhar do Madjer e as arrancadas do
Futre. Em Barcelos há mais portistas agora, mas na altura nem
por isso. Lembro-me que, quando o FC Porto perdia, os meus colegas de
turma esperavam por mim à segunda-feira. Gozavam-me, mas eu
até gostava disso. Era portista por teimosia sobretudo, porque
quando as pessoas não gostam de nós, tentamos
obrigá-las a gostar.
Quando é que percebeu que era portista?
A minha família era toda portista. O meu pai, os meus
irmãos... Logo, eu também era portista. Joguei sempre no
Gil Vicente, mas nunca me imaginava a jogar no FC Porto, até
porque só no meu último ano de júnior é que
passei a dar importância ao futebol.
Quem era o seu ídolo na altura? Quando jogava, quem imitava?
O Frasco. Pela capacidade que tinha em manter a bola, não
deixava que a roubassem. Anos mais tarde, penso que essa foi
também uma das minhas qualidades. Ao ver o Madjer e o Futre,
sonhava ser como eles. Nunca tive a velocidade do Futre, mas acho que
tinha alguma da elegância do Madjer no campo.
Qual foi o primeiro jogo do FC Porto que viu?
Foi nas Antas, na estreia depois do rebaixamento. As camadas jovens
do Gil Vicente foram convidadas e eu até levei um pedacinho de
relva para casa. Foi também a primeira vez que me atirei para um
relvado a deslizar, como se festejasse um golo. Foi uma alegria, porque
era portista mas nunca tinha vindo às Antas.
Viu algum jogo da campanha para Viena?
No estádio não, mas lembro-me dos jogos contra o
Dínamo Kiev. Na altura parecia impossível
vencê-los, dizia-se que eram uma máquina demolidora e
é verdade. Eu gostava da seleção russa e a base
era o Dínamo, por isso admirava aqueles jogadores. Na minha
ingenuidade, eu achava que o FC Porto não conseguiria ir
à final, mas essa foi a lição que aqueles
jogadores deram e que ficou para todos estes anos que se seguiram.
Quando todos pensam que o FC Porto está morto, a equipa ergue-se
maior e com mais qualidade.
Jogou a final de Sevilha. Há comparações possíveis com a geração de Viena?
O FC Porto sempre teve uma maneira típica de jogar e os
adeptos identificam-se com ela, porque são rigorosos e
exigentes. Quem joga no FC Porto tem de ter carácter, sobretudo
nos maus momentos. A equipa de Sevilha tinha isso. Tínhamos um
grande capitão, o Jorge Costa, como em 1987; ele era a imagem da
bravura, do jogador à Porto. A nível de qualidade
técnica, comparo o Deco ao Madjer. Se fosse preciso
soluções, em 1987 havia o Juary e em 2003 o Derlei. O
resto era o conceito de jogo e de equipa, que pode não estar
tão vincado por défice de portugueses, mas quem joga no
FC Porto sente a responsabilidade e a vontade de vencer. Vitória
é a palavra-chave deste clube.
Passou pelo Sporting antes de chegar ao FC Porto. O que os diferencia?
Está muito aquém do FC Porto na mentalidade.
Nós jogamos para ganhar. Em tudo. O Sporting gosta de bom
futebol, mas falta-lhe liderança, o que aqui temos e muito.
Todos sabem quem é o responsável por estes êxitos.
Quando aqui se chega, percebe-se a responsabilidade que é
representar este clube, o que pesa a camisola.
Quando é que sentiu que a camisola pesava?
No primeiro ano. Era confiante, mas as coisas não me
saíam. O presidente chamou-me e disse-me que me tinha contratado
para eu me divertir e para divertir as pessoas, não para pensar
nos jornalistas e nos adeptos.
Capucho em 87
Os pombos em 1º lugar
Capucho atribui ao acaso um peso importante na sua vida e na sua
carreira de jogador. E dá o exemplo do irmão mais velho,
ponta de lança do Gil Vicente a quem faltaram oportunidades. Em
1987, a perspetiva de vida de Capucho passava por ser contabilista.
"Andava no 9º ano, treinava três vezes por semana no Gil,
mas tanto jogava no clube como na rua com os amigos. Ser jogador
não era uma ambição desmedida", admite, recordando
um episódio que podia ter marcado o seu adeus definitivo ao
futebol: "Houve um torneio internacional, mas decidi não ir,
porque era columbófilo e não queria ficar uma semana fora
do país sem tratar dos pombos. Os diretores do Gil Vicente
suspenderam-me, mas depois chamaram-me para assinar contrato
profissional." Foi um momento de viragem para o jogador que
representaria ainda Sporting, V. Guimarães, FC Porto, Glasgow
Rangers e Celta de Vigo.
in "ojogo.pt"
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