terça-feira, 11 de junho de 2013

Perfil de Paulo Fonseca, por entre U2, Wenger... e Jesus

Nascido em Moçambique, Paulo Fonseca já foi apenas o Fonseca, jogador pacato que passou por seis clubes em Portugal durante 14 épocas. Agora é um treinador apaixonado por tática, que paga churrascos aos jogadores se a equipa fizer um certo número de cruzamentos, e que levou o Paços ao playoff da Champions. O zerozero.pt partiu à descoberta das qualidades humanas do novo técnico do FC Porto. Sim, só qualidades, porque nenhum dos seis entrevistados falou em defeitos.

A castanha de caju é uma das principais produções da província de Nampula, tal como o tabaco. Traduzido para a língua tupi, o caju era acaiu, que significa 'ano', isto porque os indígenas contavam os anos a partir da sua floração. E foi há 40 florações de caju que nasceu Paulo Alexandre Rodrigues Fonseca em Nampula, Moçambique. Não chegámos a saber se gosta de caju ou de tabaco, mas tentámos descobrir um pouco do Paulo Fonseca como treinador, como colega e como pessoa.

E já chega de Moçambique, que o Paulo veio para o Barreiro logo no primeiro 'caju' de vida. Chegou na azáfama do 25 de Abril de 1974, num ano em que o campeonato era, como agora, jogado com 16 equipas, num ano em que o Sporting foi campeão nacional e num ano onde o Barreirense era primodivisionário - ficou em 13º e quem o treinava era Juca, o moçambicano do Sporting e da Seleção.

No Barreiro cresceu, no Barreiro viveu, no Barreiro se apaixonou pelo futebol e pelo Barreirense. Foi lá que começou a sentir o pulso da redondinha e foi também nesse clube, de quem é «100%» (como disse ao Record), que se estreou como senior, a defesa central. Estávamos nós na época 1991/92, ano de FC Porto campeão, com 10 pontos de vantagem sobre o Benfica, e de Ricky melhor marcador, com 30 golos ao serviço do 3º classificado Boavista.

Constantino, jogador do Leça
Esteve no Barreirense até 1995, por entre divisões inferiores e a jogar no velhinho D. Manuel de Mello. Nesse ano, tinha o Paulo 22 cajus, rumou ao escalão principal e ao norte pela primeira vez. Em Leça da Palmeira, emprestado pelo FC Porto (onde nunca jogou, apenas esteve nos quadros) partilhou o balneário com Constantino, Cristóvão, Cao, Rui Óscar, Djurdjevic e Jaime Magalhães, sob a orientação de Fernando Festas. O Leça safou-se no limite, mas teve Costantino no top dos marcadores, atrás de João Vieira Pinto e Domingos Paciência, o artilheiro do FC Porto campeão, mais uma vez. O central pegou de estaca, fez 22 jogos e só deve ter ficado com um amargo de boca: o Belenenses. Cinco cá, cinco lá, 0x10 no global dos dois jogos contra os do Restelo.

Foto: www.facebook.com/pages/GRANDE-ÁREA
Ironia das ironias, na época seguinte o Paulo rumou ao sul novamente, para aquela zona à beira do Tejo onde os pastéis saem quentinhos logo de madrugada. No Belenenses, a época nem foi grande coisa com o 13º lugar final, numa equipa onde jogavam Filgueira, Silvino, Andrade, Tonanha, Rui Esteves ou M'Jid. À terceira jornada, e depois de duas derrotas, eis que surge no onze o Paulo ao lado de Paulo Madeira. «Personalidades iguais», disse-nos Marinho, que jogou com eles no Estrela da Amadora alguns anos depois. Também falámos com Paulo Madeira, que o descreveu como «pacato e muito correto com os colegas», frisando que «jogando ou não jogando era sempre a mesma pessoa». A verdade é que ele jogou 27 vezes nesse ano, estreando-se a marcar no escalão profissional. Foi na antiga Luz, logo aos 6 minutos, abrindo as hostes da vitória azul por 1x2. Época boa a nível pessoal, portanto, mas novamente com um entrave: um tal de Mário Jardel. Em casa ficou 0x2, fora 2x1. Em suma, duas derrotas com os dragões e quatro golos doSuper Mário.

Marítimo, Vitória de Guimarães e... lesões

No ano seguinte, o salto até meio do Atlântico. No Marítimo, o Paulo terá feito a sua melhor época, com 31 jogos e dois golos, à Académica e ao Varzim. Só não jogou mesmo com o FC Porto, onde continuava o tal Jardel. Quinto lugar e a Europa no bolso, além de um bilhete de volta ao continente e ao norte, para jogar no Vitória de Guimarães. Aí, a subida a pulso na carreira parou, com as lesões a debilitarem o Paulo. Para além de Fernando Meira, Pedro Espinha, Flávio Meireles, Riva, Södeström ou Pedro Mendes, só deu mesmo para conhecer um pouco mais do país a norte, por quem ficou apaixonado. É que, em jogos, foram três na primeira e três na segunda época.

Em 2000, tinha o Paulo 27 cajus, regressou ao sul novamente, para finalizar a carreira no Estrela da Amadora. Desceu, subiu, desceu, subiu... e pendurou as botas. Ao todo, cinco épocas na Reboleira, onde, disse Paulo Madeira, «era tão pacato e tão humilde que nada o chateava». Em suma, «todos gostavam dele».

Foi treinado por vários, desde Jesus, sobre quem disse ser admirador, numa entrevista ao MaisFutebol, a Álvaro Magalhães. «Allô mister, estamos a fazer um trabalho sobre o Paulo Fonseca. Como era ele?», perguntamos nós, levando logo com um «Eish! Pessoa extraordinária. Sempre disponível, bom profissional, queria sempre melhorar». Curiosamente, o adjetivo usado foi novamente o de pessoa «pacata», alguém que «aceitava sempre as decisões» e «nada conflituoso». Álvaro recordou também um «menino» que aparecia na altura, João Afonso, que agora joga no Belenenses, e que o Paulo educava: «Às vezes temos aqueles veteranos que acham que têm que falar de cima para baixo com os miúdos, mas o Fonseca falava com ele naturalmente, orientava o miúdo quando o lancei. Era um descanso para mim».

Marinho, colega no Estrela da Amadora
Nessa equipa jogava também Marinho, antigo lateral do Sporting e do Benfica. Bem disposto ao telefone, descreve o Fonseca como alguém «com trato muito afável, muito tranquilo», uma pessoa «cuidadosa na forma de vestir» e que, sendo atento à imagem e à moda, «conseguia vestir-se de forma vanguardista, só que não era vaidoso e não tão excêntrico como o Abel Xavier». 

Foto: espacoavense.blogspot.com
O Paulo, com quem se dá «muito bem», é uma pessoa carpe diem, que «vive o dia-a-dia» e que sabe ser «equilibrada, porque o futebol não tem que ser 24 horas por dia». Marinho conta ainda que o amigo Paulo é «apaixonado» pelos U2 e um dia pregou-lhe uma surpresa: «Os U2 vinham a Alvalade em 2005. Na altura ele estava a acabar a carreira e eu sabia que ele adorava ir ver o concerto. Então fui comprar dois bilhetes antes que eles esgotassem e ofereci-lhe. Ficou doido!»

O novo 'bichinho'

A carreira do Paulo chegava ao fim mas, como diz Bono Vox, vocalista dos U2, «I still haven't found what I'm looking for» (1). Nessa altura, já ele andava de olho na questão da tática e do estudo do jogo, vertente para a qual contribuíram alguns treinadores que teve, como Jorge Jesus, João Alves, Norton de Matos e Augusto Inácio. Mesmo assim, o 'sósia' Paulo Madeira garante que, quando o conheceu, «não era daqueles que queriam ser treinadores, isso nem lhe passava pela cabeça», e muito menos ao próprio Paulo Madeira. A dedução do antigo central do Benfica é que «foi o presidente do Estrela na altura que o pressionou para treinar os juniores».

«Vertigo» (2) foi coisa que Paulo Fonseca nunca teve e, por aquilo que lhe atribuem, parece mais fã do primeiro verso de uma das músicas do grupo irlandês, bafejada por um «I'm not afraid of anything in this world» (3). 

©Catarina Morais
1º Dezembro, Odivelas e Pinhalnovense. Ano a ano, degrau a degrau, o jovem técnico ia surgindo aos pouco a pouco, sempre com épocas completas (não fosse ele «contra as mexidas em janeiro», como disse à Antena 1). No segundo ano em Pinhal Novo, o primeiro contacto com a ribalta. Estávamos na época 2010/11 e a equipa atingia os Quartos da Taça de Portugal, visitando o Dragão e apenas sendo batida no fim pelo Incrível Hulk (2x0).

«A Taça de Portugal permitiu ao Pinhalnovense e à sua equipa técnica ter maior visibilidade do trabalho desenvolvido, por isso não foi totalmente inesperado o convite», começou por dizer o Paulo quando chegou ao Desportivo das Aves na época seguinte. Aí, treinou Amaury Bischoff, jogador que teve uma passagem pelo Arsenal e que vê Paulo Fonseca como... Arsène Wenger: «Pode ser um Wenger porque gosta muito de tática e de jogadores jovens».

Atualmente na 3. Bundesliga, Bischoff descreve que «um jogador sente-se muito bem» depois das conversas com o treinador, que «fala tudo positivo». Equipa física não rima com Paulo Fonseca, um «amante da tática e de equipas com bola», segundo Amaury.Os dois morreram na praia na época passada: o Aves esteve quase sempre em zona de subida, mas no fim foi o Moreirense a fazer a festa.

Churrascadas na Mata


Paulo Fonseca
2012/2013

41 Jogos
22 Vitórias
13 Empates
6 Derrotas

62 Golos
38 Golos sofridos

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De qualquer forma, o Paulo estava talhado para continuar a escalar degraus. O Paços de Ferreira, depois de uma grande segunda volta com Henrique Calisto, queria uma época 2012/2013 tranquila e sem sobressaltos. Para isso foi buscá-lo, mas tranquilidade nem houve muita para os lados da Mata Real. Pelo contrário, foi impossível ficar indiferente ao futebol dos castores e nem era preciso do apito inicial. No habitual aquecimento, quem fosse ao estádio via a equipa adversária trocar a bola entre os jogadores em praticamente meio-campo. Do outro lado, via os amarelos a fazer a mesma circulação em, talvez, uns 10 metros quadrados. Podiam ser pancadas, mas não, porque os passes saíam direitinhos e a bola não saía do circuito. Havia ali qualquer coisa, inevitavelmente.

André Leão e Tiago Valente, dois titulares no Paços de Ferreira ©Catarina Morais
André Leão, um dos indiscutíveis, diz-nos que «não há nada de invulgar, é uma pessoa tranquila, que nem fala muito». A sua grande virtude é «a abertura aos jogadores», os quais o Paulo deixa falar primeiro no fim dos jogos e opinar sobre o que quiserem. O médio, que foi considerado o melhor 6 português a atuar no campeonato pelo próprio treinador, refutou a ideia dos vídeos e conta uma forma particular que o técnico tinha para motivar a equipa: «Não havia cá vídeos. Ele preferia prometer-nos um churrasco se não sofrêssemos golos».

Esta ideia soltou a gargalhada de Tiago Valente, central que veio com o treinador da Vila das Aves: «Sim, sim, é verdade. Era isso ou prometer-nos uma folga extra se fizéssemos determinado número de cruzamentos, por andarmos a jogar pouco nos flancos. Ele arranja sempre forma de ter o grupo motivado e com objetivos, é impressionante!». À Antena 1, no programa Grandes Adeptos, o treinador confessou mesmo que Tiago Valente era um dos dele, elogios aceites pelo defesa, que destaca «o equilíbrio» do Paulo, que «nunca se põe em bicos de pés nem nunca se rebaixa com ninguém».

©Catarina Morais
André Leão e Tiago Valente entram em sintonia quando lhes é questionado o momento da época: dia 20 de outubro, na véspera do jogo com o Estoril, para a Taça de Portugal. A época até tinha começado bem e o momento nem era mau, pois vinha o Paços de quatro jogos com saldo de uma vitória, dois empates e uma derrota, com o Benfica. Só que era pouco para o Paulo, que reuniu os jogadores no hotel e lhes perguntou: «É isto? É isto o nosso limite? Não poderemos nós dar mais para fazer qualquer coisa diferente?». O Paços ganhou o jogo no Estoril (1x2) e embalou para treze jogos onde empatou três e ganhou 10! Definitivamente, não era aquele o limite da equipa.

O resto são histórias banhadas a amarelo, são sonhos ultrapassados, são metas atingidas, são constantes «Sunday Bloody Sunday» (4) para quem aparecia na Mata Real.

Toda esta «Electrical Storm» (5) provocou um «Unforgettable Fire» (6) nos clubes da ribalta portuguesa. Quis o destino que o último técnico da época a ser abraço por Paulo Fonseca fosse aquele a quem iria suceder. Quis o destino que o 10 de junho fosse o «Beautiful Day» do rapaz do Barreiro, que um dia se apaixonou pelo caráter do jogador nortenho.

FC Porto
2012/2013

55 Jogos oficiais
41 Vitórias
10 Empates
4 Derrotas

118 Golos
28 Golos sofridos

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A tranquilidade, o equilíbrio e a sensatez serão algumas das caraterísticas que os portistas vão poder observar no Dragão, num treinador que «é capaz de ver quatro ou cinco vezes o mesmo jogo até ter o adversário estudado» (Tiago Valente), que «brinca mais com os jogadores que não jogam, porque cativar os que jogam é fácil» (André Leão), que «não vai entrar em picardias com Jesus, porque o tem como uma referência» (Paulo Madeira) ou que «pode ter que picar qualquer um, porque é profissional» (Álvaro Magalhães). Certo é que o FC Porto «é o clube ideal» (Amaury) e que «deu um passo de cada vez para lá chegar e, como tal, chegou com todo o mérito» (Marinho).

Chamar-lhe 'homem da pêra' é capaz de soar a anos 90, chamar-lhe 'novo Wenger' é capaz de soar a futuro. Chamemos-lhe Paulo Fonseca, com 40 cajus, o novo timoneiro de uma Invicta sem derrotas. «Uno, dos, tres... Catorce!».

P.S.: Mentimos no início do perfil, porque dissemos que ninguém lhe apontou um defeito. Tiago Valente deixou escapar um pormenor que não lhe agrada: «É fã dos U2». 

in "zweozweo.pt"

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