Viu Gomes lesionar-se e perder a final, mas foi entre amigos, entre
Costa Cabral e a Baixa, que viveu a noite que mudou a história
do FC Porto. Domingos recua até aos dias em que sonhava ser, um
dia, reconhecido na rua.
Onde é que estava no 27 de maio?
Estava em casa com uns amigos, ali na zona do Raione, em Costa
Cabral. Foi uma coisa única, depois andei pela Baixa, foi uma
festa imensa. Senti como se fosse uma conquista minha também,
porque eu tinha 18 anos, era júnior mas já treinava
muitas vezes com eles. Foi uma festa muito bonita, sem excessos, porque
ainda era novo para isso, mas fiquei imensamente contente.
Tendo estado com o plantel dias antes da final, que sensações havia no balneário?
Lembro-me da série de lesões antes da final. O Artur
Jorge chamou seis ou sete juniores para compor o grupo nos treinos e
recordo-me do lance em que o Gomes se lesionou. Percebi o desespero
dele quando sentiu o pé prender na relva, mas houve ainda o caso
do Lima Pereira e essas lesões tiveram impacto. A ansiedade de
jogar essa final cresceu, apesar da experiência da maior parte
dos jogadores.
Não esteve com eles em Viena, mas como os reencontrou depois?
Havia uma alegria enorme, porque foi o coroar de uma
geração. Senti que tudo passou a ser diferente, aquilo
tinha sido único.
Sentia-se um intruso no balneário nesses primeiros meses?
Abordavam-me de formas diversas, mas guardo o carinho de todos eles.
Era um miúdo, lembro-me bem de quando me começaram a
levar para os almoços e começaram a fazer de mim homem.
Um dia fomos almoçar, pedi uma 7Up e disseram-me que tinha de ir
para outra mesa, que ali não se bebia 7Up, porque eles, bastante
mais velhos, costumavam acompanhar com um copo de vinho, dentro dos
limites como é óbvio. Nunca mais me esqueço da
primeira vez que me convidaram para almoçar: foi ali na zona de
Campanhã e fui com o Quim, o André, o Sousa, o Jaime
Pacheco... Brincavam comigo, na altura talvez não o percebesse,
mas era uma forma de me prepararem para o futuro.
É aí que começa uma relação quase entre irmãos com o João Pinto...
Ele foi sempre o meu colega de quarto depois da saída do
Sousa, quer no clube, quer na Seleção. Brincávamos
muito, há imensas histórias e conhecemos os sonhos um do
outro, literalmente, porque falávamos durante a noite e de
manhã contávamos o que o outro tinha dito a dormir. Houve
até situações de sonambulismo... Foram muitos
anos, cresci muito com ele e a passagem da braçadeira, em
determinada altura, foi muito natural.
O que é que o futuro foi beber àquela geração?
A final de Viena marca a mudança do FC Porto. Aquela
geração era fabulosa e continuou a ganhar com o Ivic, o
que serviu de lição para muita gente. Depois, o
presidente teve perícia para perceber que já se tinha
atingido o topo, que era preciso mudar, renovar, salvaguardar o futuro.
Quando sai o Quinito e regressa o Artur Jorge, há uma
geração nova com o Baía, o Fernando Couto e o
Jorge Couto...
Antes disso, o famoso "Gomes é finito"...
Mais tarde, o Quinito disse que era "Gomes e mais dez", mas acho que
aquilo foi uma confusão. Perceberam mal uma palestra dele no
relvado, mas ele foi sacrificado por isso. Houve momentos conturbados
nessa renovação, mas a mudança foi operada no
momento certo e serviu de exemplo. Quando se ganha muito, tem de haver
sangria no plantel, sob pena de se perder a ambição.
Fazendo parte de uma geração importante do FC Porto,
magoa-o ter jogado entre a vitória de Viena e as conquistas de
Sevilha e Gelsenkirchen? Os títulos europeus passaram-lhe ao
lado...
Tenho consciência disso. Faltou-me um título europeu e
senti-o próximo quando fomos à meia-final com o Barcelona
[Liga dos Campeões 1993/94]. Tivemos a infelicidade de nos
cruzarmos com a melhor geração de futebolistas da
história. Lembro-me do Milan, dos holandeses, do Barcelona de
Stoichkov e Romário... A concorrência era fabulosa e
retirou-nos protagonismo. Não me esqueço de um lance com
o Milan em que, no último minuto, a bola fica debaixo do corpo
do Drulovic e fez a diferença entre jogar a meia-final em casa
com o Mónaco ou em Barcelona. A sorte no futebol existe...
"Queria ser famoso..."
Domingos admite que algo o movia há 25 anos e não tem
qualquer receio em admiti-lo. "Queria usufruir de bens que nunca tive,
mas não punha o dinhero acima do resto. A prioridade era ser
famoso, reconhecido na rua", lembra, revelando que sempre gostou do
contacto com as pessoas: "Era a forma de eu perceber que gostavam do
que eu fazia, que valia a pena." Em 1987, Domingos já tinha
posto os estudos de lado, porque percebia que o sonho de ser
futebolista estava afinal ao seu alcance. Duas vezes campeão de
juniores (uma das quais em 1986/87) e melhor marcador do
escalão, já morava sozinho, mas ainda não
conduzia. "Vivia num aparthotel. Não tinha carro e apanhava
boleia do João Pinto, que tinha um Citroën e que todos os
dias me apanhava às 7h45, 8h no máximo", a caminho das
Antas. A sua história na primeira equipa começou na
época seguinte e é sobejamente conhecida: com um total de
104 golos, Domingos é o quarto melhor marcador da
história do FC Porto, só atrás de Gomes, Jardel e
Hernâni.
in "ojogo.pt"
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