Domingos Gomes, José Carlos Esteves, Nélson Puga. Os
médicos do FC Porto dos últimos 25 anos vestem a
camisola. No caso de Puga, a metáfora pode mesmo ser usada em
sentido literal, pois foi isso que aconteceu na noite da final da
Viena, em pleno pavilhão de Espinho.
Onde estava no 27 de maio?
Em estágio da seleção nacional de voleibol, em
Espinho, e com jogo marcado contra o Luxemburgo nesse mesmo dia, para a
mesma hora da final de Viena. Felizmente, por minha influência
junto do Presidente da Federação de Voleibol,
conseguiu-se alterar a hora do encontro para mais tarde. Vi o jogo com
o meu colega de quarto, outro grande portista, o Humberto Silva, e no
final fomos a pé pela rua em direção ao
pavilhão do Espinho, a comemorar a vitória com os muitos
portistas da seleção e com todos os outros que
começaram a aparecer na rua. Também ganhámos nessa
noite, por 3-0, e fiz questão de jogar com a camisola do FC
Porto por baixo da camisola da seleção. Além
disso, a cada ponto que fazíamos, os vários portistas,
comemorávamos com gritos de "Poortoo", como se
estivéssemos a festejar na Baixa. No final, regressámos
novamente a pé, a celebrar, agora com muito mais adeptos, e
só não nos deixaram ir para a Baixa, como
pretendíamos, porque tínhamos outro jogo no dia seguinte.
O barulho da festa em Espinho ouviu-se, contudo, até altas
horas.
Que tipo de contacto tinha, enquanto figura do clube, com a equipa de futebol? Que recorda dessa ligação?
Na altura, nenhum; era apenas sócio. Mas já não
faltava a nenhum jogo do futebol sénior e jogava voleibol no
clube. Aliás, nesse ano ganhámos o Campeonato e a
Taça de Portugal de voleibol.
Tendo um conhecimento transversal do antes e do depois, que mudanças identifica?
Sobretudo de mentalidade. O presidente fez-nos acreditar que com
mais trabalho e mais união poderíamos ultrapassar
barreiras impensáveis.
Que tipo de loucuras cometia, nesses anos, pelo FC Porto?
Todas, como as de qualquer outro adepto muito crente. Nunca perdi um
jogo do FC Porto por motivos profissionais (alterava as urgências
nem que fosse com um colega a substituir-me umas horas), nem
familiares, exceto quando casei, a 28 de setembro de 1985. Mas nem por
isso deixámos de festejar o triunfo por 3-0 sobre o Chaves.
Já agora, acrescento que o meu primeiro filho nasceu no ano do
FC Porto Campeão Europeu (1987) e o segundo num ano em que fomos
Campeões Nacionais (1990). Aliás, enquanto assistia ao
parto, que coincidiu com um jogo fora do FC Porto, a um domingo, estava
a ouvir o relato… Tudo correu mais fácil quando o FC
Porto marcou o segundo golo. Ganhámos por 2-1, em Santo Tirso, e
meia hora depois nascia mais um dragão feliz.
Para quem passou pelas épocas em que o FC Porto pouco ganhava, como foi a inversão do ciclo e o que a sustentou?
À data, também acompanhava muito as outras modalidades
do clube, e no vólei, por exemplo, que era treinado pelo meu
pai, já via o FC Porto a ganhar e a ser mais forte do que os
outros. Foi só esperar que no futebol isso também
passasse a acontecer.
Qual é a sua primeira memória do FC Porto, do momento em que percebeu que era portista?
Lembro-me que ia muitas vezes às Antas com o meu pai, e ao
futebol, aos domingos, com ele e com o meu avô materno.
Aliás, tenho uma foto minha, com apenas três anos, em
pleno relvado do Estádio das Antas.
Que características estão na base da afirmação do clube e são comuns a estes últimos 25 anos?
Humildade, trabalho, união, luta, competência e defesa intransigente das nossas causas.
Sendo atleta do clube, costumava ver os jogos no estádio? Guarda alguma memória da campanha para Viena?
Vi todos os jogos no nosso Estádio das Antas, exceto dois: o
primeiro, porque não se realizou lá (jogámos em
casa emprestada, no Estádio dos Arcos, onde fiz questão
de marcar presença); e o segundo, a contar para as meias-finais,
contra o Dínamo de Kiev, porque estava na Suíça
com a seleção de voleibol. Tive a sorte de, pelo menos,
poder ver o jogo em direto na televisão (recordo-me que em
Portugal o jogo não foi transmitido; só pôde
assistir quem esteve nas Antas).
O que diferenciou a campanha de 1987 da de Basileia, três anos antes?
Julgo que fomos mais realistas e acreditámos que
podíamos vencer. Foi o primeiro grande salto internacional, o
mais importante e simultaneamente o mais difícil.
Puga em 87
O futebol nem era um sonho
Nélson Puga tinha 27 anos em maio de 1987 e já
conciliava a medicina com o voleibol e com as responsabilidades
familiares. O resumo é do próprio: "Era médico,
jogava voleibol no FC Porto e na seleção, e fui pai pela
primeira vez." Múltiplas tarefas para alguém que
não fazia, porém, grandes planos para o futuro. "Queria
apenas ter uma família bem-sucedida e poder ser um bom
médico, ligado à Medicina Desportiva e ao FC Porto",
revela hoje, acrescentando que, na altura, não conseguia
perceber o percurso que estava a ser construído. "Já era
médico do clube nas modalidades, mas nunca pensei que isso
viesse a acontecer no futebol. Foi ainda melhor do que algum dia
sonhei", conclui. O que se seguiu é, seguramente, mais
prolongado do que a narrativa contida nestas linhas, mas há
já muitos anos que o nome de Nélson Puga está
colado ao do FC Porto, multiplicando a sua projeção a
partir do momento em que passou a fazer parte do corpo clínico
da equipa profissional de futebol.
in "ojogo.pt"
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