Autor de 23 golos em quatro épocas pelo FC Porto, o
central brasileiro recorda Ivkovic, mete-se com André e vibra com Kelvin mais
Ivanovic
Geraldão, um fenómeno. Quem viveu, sabe.
Quem viu, também. O central brasileiro passa quatro anos pelo FC Porto
(1987-1991) e ganha sete títulos, dois deles internacionais (Supertaça europeia
e Taça Intercontinental). Pelo meio, 128 jogos e agora imagina o número de
golos? Quantos? Ahahahah, só? Não, muito mais: vinte e três. Isso, 23. E só
dois de penálti. É obra.
Boa tarde, é o Geraldão?
Isso mesmo.
Sou jornalista
português, Rui Miguel Tovar.
Oi Rui, tudo bom?
Tudo.
Estás [enrola a língua para falar português
de Portugal] onde?
Aqui, no Brasil.
Sério?
Isso, em São Paulo.
E vens aqui a BH [Belo Horizonte]?
Sim, só para a semana,
ver o Taiti-Nigéria.
Jogaço, hein! Estás bem servido, ò Rui.
Vai ser o jogo da Copa,
acredita.
Eheheh, acredito.
Como é que um defesa
marca tantos golos em tão pouco tempo no FC Porto?
O FC Porto é um pouco como o Barcelona em
termos de organização: o presidente é aquele, o director para o futebol é o
outro, o treinador é um cara sério e competente e o adjunto também. Só assim é
que as coisas funcionavam direito, só assim é que um defesa como eu podia ter
marcado tanto. Quando toda a estrutura funciona, é fácil demais.
Mas 23 golos continuam a
ser demais.
Não é bem assim, nós jogávamos sempre para
a frente, todos arriscávamos o remate. Se fores ver às estatísticas, todos nós,
do meio-campo para trás, temos 3/4 golos por época. Quer dizer, todos menos o
André. Ele só marcava um por época e olhe lá [desata a rir]. Mas era bom
demais, organizava os nossos almoços de terça e sexta-feira lá em Penafiel.
Na sexta-feira?
O treino era matinal, íamos almoçar um
belo de um galo com um verde ou um tinto maduro e depois voltávamos para as
massagens. Muito bom. Claro que avisávamos sempre o Octávio Machado.
Ui, e ele?
Sabia das nossas almoçaradas, mas não foi
a nenhuma. Era reservado e observador.
Estava com a selecção brasileira, era o
capitão aliás, em Londres a jogar a Taça Stanley Rous. O FC Porto mandou lá
alguém ver-me e quando dei por mim já estava a assinar. No FC Porto, era
costume ser assim, rápido e eficaz, sem demoras. Fosse com jogadores ou
treinadores, de um momento para o outro, estava contratado. Comigo foi assim.
Estava a terminar o contrato com o Cruzeiro e atravessei o Atlântico.
Lembra-se da estreia?
Claro, Rui. Tenho até aqui uma fotografia
da equipa desse dia, em Guimarães. Empatámos 0-0. Mlynarczyk na baliza. João
Pinto, eu, Celso e Inácio. No meio, André. Depois, Jaime Magalhães, Semedo e
Sousa. No ataque, Madjer e Gomes.
E o treinador?
Tomislav Ivic, um homem com um coração
enorme que adorava treinar.
Mas também era duro,
não?
Tem de ser. No Porto, tem de ser assim. Se
entra lá para ser amigo de todo o mundo, não vai dar. Faz parte da cultura: se
quer ganhar, nunca dá mole nem sai da linha.
O Geraldão alguma vez
deu mole?
Não, nem uma vez. Mas houve um episódio
curioso: um jogador disse que ia pedir ao treinador para mudar o horário dos
treinos porque era muito cedo e fazia frio. Na hora, o capitão, acho que o Lima
Pereira, disse 'eu sou pago para treinar e jogar, treino e jogo à hora que eles
entenderem.' O assunto acabou ali.
E os jogos com o Benfica
e o Sporting?
Ai, que saudades dos clássicos com os
alfacinhas. Na verdade, os clássicos com o Benfica eram mais duros fora do
relvado. A uma semana do jogo, o Gaspar Ramos dizia uma coisa, o Pinto da Costa
outra e assim sucessivamente. Quando chegávamos à Luz, o presidente era sempre
o primeiro a sair do autocarro e dizia-nos 'vou sair para ouvir tudo o que eles
têm para vos dizer'. Nos clássicos com o Sporting, há um muito curioso, nas
Antas. Na véspera, o Ivkovic disse que sabia muito bem como eu batia os livres.
Ahhh, sim, lembro-me.
Lembra? Aos cinco minutos, falta contra o
Sporting. Na altura, já não havia Branco, por isso eu marcava os livres na
direita e na esquerda. É livre e eu avanço para a bola. O Marinho Peres
levanta-se do banco e diz-me 'pôxa, não vai atirar para golo, pois não? está
longe ainda'. No outro lado, o Artur Jorge picou-me 'Geraldo, atira à baliza'.
Eu viro-me para o Marinho Peres e digo-lhe 'fazer o quê? Ordens são ordens.'
Bem, atiro forte e a bola só acaba na baliza, um-zero e o Marinho Peres a olhar
para mim a abanar a cabeça. Nunca revi esse golo, a não ser no Domingo
Desportivo. De resto, não tenho esse golo comigo.
Aí estava suspenso.
Então?
Em 90/91 foi a época em que inventaram que
eu ia assinar pelo Benfica e então houve um problema
.
De que tipo?
Coisas internas. Joguei quatro anos no FC
Porto e estava na hora de renovar o contrato mas nunca mais falavam comigo. Eu
tudo bem, na minha, aliás já tinha uma série de golos no campeonato dessa época
[12, com dois bis vs. Boavista e Gil Vicente] quando falhei um penálti com o
Salgueiros, num jogo em que ganhámos 3-0. Houve logo quem se aproveitasse para
dizer que eu ia assinar contrato com o Benfica no final da época.
Ia?
Que nada, Rui. Nunca jogaria no Benfica.
Como foi engraçado ver aquele golo nos descontos.
Do Kelvin?
Do Kelvin, e do Chelsea. E também do
Vitória no Jamor. Eu sigo tudo aqui, sei tudo pela RTP Internacional, vi a
dança do presidente no final do 2-1 ao Benfica. Sou Porto, nunca Benfica. Da
mesma forma que nunca jogaria no Atlético Mineiro, como profissional
incondicional do Cruzeiro.
Mas e essa confusão?
Depois do penálti falhado, o presidente
disse-me que estava desconcentrado e afastou-me da equipa. Eu só lhe disse que
os rumores sobre assinar pelo Benfica eram mentira.
E renovou pelo FC Porto?
Não, fui para o PSG com o Artur Jorge que
também levou Ricardo Gomes e Valdo.
E?
Dei-me mal por lá e saí um ano depois. Não
deu certo para mim, mas foi um projecto engraçado porque aquela turma [Artur
Jorge, Ricardo e Valdo] ganharam Taça de França no ano seguinte e depois o
campeonato francês. Muito bom para eles.
Na selecção brasileira,
você joga pouco. Porquê?
A maior das confusões. Na Copa América-87,
por exemplo, um dirigente da federação brasileira não queria que a dupla de
centrais fosse eu e o Ricardo Rocha e como que obrigou o seleccionador a meter
o Júlio César.
Aquele do Borussia
Dortmund?
Esse aí. Perdemos 4-0 com o Chile e fomos
eliminados. Foi assim.
Bom, é tudo, obrigado.
De nada, Rui, obrigadio eu. Capricha aí e
depois envia-me a matéria por e-mail, pode ser?
Pode, claro.
in "ionline.pt"
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