R – A função do guarda-redes mudou quando passou a ter mais necessidade de jogar com os pés?
VB – Sem dúvida alguma. Aliás é a função que mais tem evoluído ao longo dos tempos. Hoje, um guarda-redes precisa de ser líder, organizador, com leitura periférica e noção espaço-temporal; tem de controlar a profundidade, os timings de intervenção e ser bom no um para um; tem de saber jogar com os pés, ter uma boa leitura das coisas e antecipar cenários. O resto são as condições genéticas de cada um. Quem cumprir estes requisitos será um guarda-redes equilibrado.
R – Há guarda-redes de equipas grandes e de equipas pequenas?
VB – Há guarda-redes cujas características se encaixam em determinados contextos. Contratar só porque um fez grandes defesas em determinada partida é errado, porque o guarda-redes é muito mais do que isso. Depende do modelo de jogo de cada equipa. O FC Porto joga muito adiantado, com as linhas muito subidas, criando um espaço grande entre as costas da defesa e o guarda-redes. Numa equipa dessas, por exemplo, o Oliver Kahn teria grandes dificuldades, porque foi educado a jogar debaixo dos postes e não se sentia confortável a jogar fora.
R – Tem preferência por algum dos 31 títulos que conquistou?
VB – Todos foram ganhos com grande sacrifício, à custa do investimento sem reservas que fiz na profissão, mas alguns marcam mais do que outros. O primeiro título é sempre o mais saboroso, porque representa o arranque, o passo que marca todo o processo seguinte. Mas recordo também a primeira conquista europeia, a Taça das Taças ao serviço do Barcelona, bem como a Taça UEFA e a Champions pelo FC Porto.
R – Lembra-se da final da Taça dos Campeões de 1986/87?
VB – Vi-a e sonhei que havia de viver algo parecido. Por isso a Taça UEFA, em Sevilha, teve um impacto tão forte em nós, principalmente nos jogadores da casa, aqueles que estavam na mesma situação do que eu. Foi um turbilhão de emoções e sensações inesquecíveis para quem nasceu, viveu e cresceu no FC Porto. Vivemos essa final como quem concretiza um sonho de criança. A carga emotiva da Taça UEFA tem contornos fantásticos. Os últimos 5 minutos da final foram os mais terríveis da minha carreira. Tudo me passou pela cabeça.
R – Mal sabiam que o melhor ainda estava para vir...
VB – A Champions foi a cereja em cima do bolo. Mas nesse jogo com o Mónaco já estávamos com uma confiança e uma qualidade que, a meio da competição, já conversávamos entre nós, sem qualquer reserva, que iríamos ser campeões europeus.
R – Essa segurança nasceu depois de eliminarem o Man. United?
VB – Sim. Aí tivemos a certeza de que íamos ganhar a Champions.
R – Entre 2002 e 2005 viveu a sua melhor fase como guarda-redes?
VB – Por incrível que pareça, os tempos que vieram depois da lesão foram os melhores. Vivi o auge da carreira depois dos 30 anos, a nível de performance, de me sentir com mais tranquilidade e experiência, com todas as aptidões para desempenhar a função. Não tenho dúvidas de que esse foi o melhor momento da minha carreira. E isso culmina com distinção da UEFA, em 2004, que me considerou o melhor guarda-redes da Europa, feito único no futebol português. Diziam que era um dos melhores, mas isso ouvi eu durante anos a fio. Agora ser considerado por especialistas do organismo que tutela o futebol europeu, acompanhado por um troféu
R – Que memórias tem da passagem por Barcelona?
VB – Sinto um orgulho muito grande por ter representado esse grande clube. Fiz uma primeira época inesquecível, com Bobby Robson, em que vencemos três das quatro competições em que estivemos inseridos. Foi uma das melhores e mais felizes temporadas da carreira. Depois, foram as lesões a condicionar a minha afirmação por mais tempo. Na pré-época do segundo ano, já com Van Gaal, lesionei-me no joelho direito, lesão que me obrigou a uma paragem de oito meses, tempo excessivo para estar fora de uma equipa como o Barcelona. Quando recuperei fui preterido e percebi que tinha de seguir o meu caminho.
R – Foi quando regressou ao FC Porto...
VB – Sim, mas voltei a lesionar-me. Estive quase dois anos parados e toda a gente, sem exceção, duvidava se voltaria a jogar. O único a lutar contra isso fui eu, que para lá de sofrer e trabalhar para ficar bom, ainda motivava as pessoas que, na rua, me abordavam pesarosas pelo que julgavam ser o meu destino. Era eu que lhes tinha de dizer para terem calma, que ainda havia uma esperança.
R – Houve quem defendesse que a sua ausência no Euro’2004 “equilibrou a injustiça de 2002”, quando foi titular no Mundial...
VB – Tenho a noção de que fui para esse Campeonato do Mundo em desvantagem. Mas não tenho culpa de ter chegado lá, ter treinado bem e de, num jogo em que atuaram todas as reservas, com a China, ter feito grande exibição. Esse era o meu trabalho. Depois, a última palavra pertenceu ao selecionador que, ao fim de um mês a pensar o que devia fazer, achou que eu lhe dava mais garantias. Bem ou mal, foi uma decisão tomada a ver-nos todos os dias durante várias semanas. Ora isso não me foi concedido em 2004.
R – A situação criou um conflito entre si e o Ricardo...
VB – Sim, mas essa questão tem a ver com as pessoas, com a forma como se deixaram influenciar por tudo o que as rodeava e pela a mediatização do caso. Depois, cada um reagiu à sua maneira. A minha consciência em relação a este tema está limpíssima. Não provoquei absolutamente nada, nunca fui indelicado tomando eu a iniciativa... Aliás, seria pouco inteligente estar contra o Ricardo só porque o selecionador não me convocava. Que culpa tinha ele de eu não ir à Seleção? Reclamei uma oportunidade mas nada disso era contra o Ricardo, como é óbvio. Só gostava de ter discutido o lugar. Se a escolha recaísse sobre ele, eu só tinha de aceitar e ajudá-lo.
R – Ficou com alguma reserva pessoal em relação ao Ricardo?
VB – Se o vir na rua cumprimento-o, sabendo que ele afirmou em tempos que não o faria. Mas acredito que tenha sido uma afirmação resultante do calor de toda a situação
R – Que importância teve a Seleção Nacional no seu percurso?
VB – As seleções marcaram-me muito, desde a primeira, ainda em miúdo, até à última. Dou muita importância a essas coisas do patriotismo, da defesa e representação da pátria, bem como ao sentimento que se deve ter quando estamos ao serviço da nossa seleção. Ouvir o hino em campo, antes dos jogos, é uma coisa indescritível.
R – Os anos 80 foram, a esse nível, importantes para os mais jovens?
VB – Nessa altura tivemos a sorte de apanhar Carlos Queiroz, que foi extremamente importante no crescimento da geração que elevou Portugal ao topo. Tivemos sorte de apanhá-lo nessa fase, em que ajudou-nos a potenciar qualidades individuais e coletivas.
R – Fez agora 20 anos que chegou à Seleção (19/12/1990)...
VB – Foi com os Estados Unidos, na Maia, num jogo em que entrei ao intervalo para o lugar do Silvino, que viria a ser meu treinador no FC Porto e na Seleção. Ganhámos 1-0, com golo do Domingos. O selecionador era o Artur Jorge. Guardo memórias incríveis desse jogo, porque representou a concretização de mais um sonho – o primeiro era jogar no FC Porto. Aos 21 anos estava a andar bem.
R – Começou aí a geração de ouro...
VB – Sim, é verdade. E foi mesmo uma geração de ouro, composta por jogadores extraordinários, que atingiram nível sublime um pouco por toda a parte do Mundo. Daí resulta a frustração de não termos conseguido, enquanto Seleção, uma grande vitória para o futebol português. Foi pena, porque não vai ser fácil reunir um lote tão bom de jogadores como era aquele.
R – O mais próximo que esteve de uma grande conquista foi em 2004...
VB – Sim, nessa altura já sem mim. Foi uma oportunidade de ouro que se perdeu e não sei se vamos ter outra igual. Para lá da qualidade dos jogadores, ainda havia a confiança inerente ao facto de o FC Porto ter acabado de vencer a Liga dos Campeões. Cair duas vezes aos pés da Grécia, derrotados numa final disputada em casa, foi golpe duríssimo para a autoestima do povo. Quase tão duro, e não quero ser mal interpretado, quanto termos ficado na fase de grupos na Coreia.
R – Já percebeu, ao fim destes anos todos, por que falhou esse Europeu?
VB – Não, não entendo e nunca me explicaram. A ausência do Euro’2004 é o enigma da minha carreira. Palavra de honra que não faço ideia. Estive com o senhor Scolari num jogo de beneficência e o relacionamento foi cordial, simpático, educado... Custa-me pensar que houvesse um motivo de força maior para ter sido afastado. As pessoas fingem bem ou então não sei.
R – Terá sido mau comportamento?
VB – Isso não foi de certeza. Nunca tive na Seleção um único caso de indisciplina com funcionários, treinadores, dirigentes, colegas. E quando falo em Seleção falo de todos os escalões. Eu não conhecia Scolari e ele não me conhecia a mim – podia conhecer-me como jogador, mas nem isso eu sei se era verdade. Nunca nos desentendemos...
R – O mais estranho é que jogou na Seleção depois do Mundial’2002...
VB – Exatamente. A campanha de Scolari, embora nessa altura com Agostinho Oliveira ao leme, fui eu quem a começou. Se houvesse alguma coisa com a Federação não teria feito esse jogo. Por isso creio que foi mesmo o selecionador a tomar a decisão. Aliás esse caso não era virgem na carreira dele. Já no Brasil, dois anos antes, tinha feito algo parecido com o Romário, por exemplo, embora o tivesse convocado antes. A mim não me deu hipótese sequer de ter um conflito com ele. Simplesmente nunca me convocou. Só ele poderá explicar o que sucedeu, o que nunca o fez até ao momento. A mim custou-me, porque foi a melhor fase da minha carreira e tinha muito para dar à equipa. Acho que ambos perdemos com o afastamento: eu e a Seleção Nacional
R – Que relação mantém com o presidente do FC Porto?
VB – Tenho por Pinto da Costa uma admiração, um apreço e um carinho ilimitados. É uma pessoa que eu adoro e espero que fique muitos anos no clube. Atrevo-me mesmo a dizer que é a maior figura da história do FC Porto. Não tenho dúvidas quanto a isso.
R – E o futebol português que lugar lhe tem reservado?
VB – No futebol português terá, fatalmente, o lugar que a sua figura e a sua obra merecem. Os adeptos de outros clubes têm animosidade para com ele, por ser o grande obreiro deste ciclo extraordinário de vitórias mas, ao mesmo tempo, reconhecem-lhe valor. Por vezes, quando me falam nisso, peço a essas pessoas que esqueçam as rivalidades e analisem só o trabalho. Quando conseguem fazê-lo, o que não é fácil, porque nem todos são capazes de despojar a paixão que o futebol suscita, facilmente reconhecem que Pinto da Costa é um fenómeno, o homem que nasceu para ser presidente do FC Porto e guiá-lo ao lugar onde se encontra neste momento.
R – Mas que papel terá na história? Um papel semelhante aos cinco violinos do Sporting e a Eusébio no Benfica?
VB – Será a figura máxima de um ciclo no futebol português, ao nível desses fenómenos que referiu. É inevitável. O presidente nasceu para isto e, sendo eu do FC Porto, desejando que o clube continue a vencer, espero que ele continue no cargo por muitos e muitos anos.
R – A vossa relação mantém-se intocável?
VB – Absolutamente. Aliás, tenho uma dívida de gratidão para com ele. A nossa ligação, iniciada desde que cheguei ao FC Porto, há quase de 25 anos, é fortíssima. Ele conhece-me desde miúdo e, digo-o sem ponta de pretensiosismo, a cumplicidade que nos une permitiu-me, à semelhança do que sucedeu com o Jorge Costa, por exemplo, ser uma extensão dele no balneário e em campo. E dei apenas dois exemplos significativos de um grupo mais alargado de jogadores que foram transmitindo aos mais novos e a quem vinha de fora o que era ser jogador do FC Porto. O enquadramento com essa mística, razão de muitos dos sucessos dos últimos anos, tem origem no líder, assim como na imagem que reflete sobre o mundo que rodeia o clube. Éramos a extensão dele na paixão, na entrega, na dedicação, no espírito de sacrifício, na vontade de ganhar que estava sempre presente.
R – E quanto ao papel que foi desempenhando junto dos treinadores?
VB – Tive a mesma noção de que era preciso estender a importância das ideias à equipa. Se me senti a extensão do presidente olhando para determinados valores, também o fui na parte técnica, tática e de assimilação de conceitos em relação aos treinadores.
R – Sente que foi a figura mais consensual em termos nacionais deste ciclo do FC Porto?
VB – O que eu sinto, pelo modo como sou tratado no dia-a-dia, é que sou uma figura nacional, que ultrapassou a barreira da cidade ou de uma zona do país. Pela minha maneira de ser, pela minha obra solidária, as pessoas olham-me dessa forma, de resto como deviam fazer a todos os jogadores que atingem o nível que, felizmente, eu consegui. Mesmo pessoas de clubes rivais daquele que sempre defendi em Portugal salvaguardam o essencial: apesar de lhes ter dado alguns desgostos, respeitam-me como figura e reconhecem a excelência daquilo que consegui.
R – Isso também pode ter a ver com a imagem que sempre defendeu...
VB – É verdade, mas atenção: nunca fugi às minhas responsabilidade e defendi sempre o FC Porto até à morte. Por temperamento sou uma pessoa tranquila, é um facto, mas nunca virei a cara à luta.
O jogador com mais títulos na história do futebol recebeu o Record de Ouro, que premeia o trajeto entre 1988 e 2007. Esta é a entrevista de uma carreira extraordinária.
RECORD – Como tem vivido estes anos após ter deixado de jogar?
VÍTOR BAÍA – Com a noção de que se fechou um ciclo a todos os níveis brilhante, como o provam os muitos títulos conquistados ao longo de vinte anos de carreira. Por saber que esse momento chegaria inevitavelmente, preparei-me para a transição e, agora, só espero que esta nova etapa tenha o mesmo êxito da anterior. Quando falo em preparação refiro-me à opção que tomei, como resposta à necessidade que senti de tirar um curso superior em Gestão do Desporto, que terminei no último Verão. Trata-se de algo muito proveitoso, que representa mais-valia indiscutível e que recomendo aos jovens. Agora só falta a parte prática.
R – Sente saudade dos relvados?
VB – Foi-se diluindo. Deixei de jogar há três anos e meio e, admito-o, no primeiro ano custou-me um pouco, particularmente nos jogos da Champions e nos grandes confrontos do campeonato nacional. Foi doloroso estar nesses embates como espectador, vivendo de fora as emoções dos grandes ambientes e dos estádios cheios. Lembro-me também da nostalgia que senti quando ouvi o hino da Liga dos Campeões pela primeira vez. Mas isso tem uma explicação: aquela música recuperou as sensações do maior êxito da minha carreira, que foi a Champions de 2004.
R – Ter-se preparado para a mudança ajudou a suavizar o choque?
VB – Evidentemente que sim. Quando iniciei 2006/07 sabia que terminaria no fim dessa época, razão pela qual nada foi feito em cima do joelho. Houve uma preparação mental para isso.
R – Entretanto, a sua tarefa na equipa também foi alterada...
VB – Se fosse preciso estava preparado para defender mas a minha principal missão era criar condições, amparar, dar a conhecer a realidade do FC Porto e contribuir para que o Helton assimilasse todos os elementos necessários ao guarda-redes de uma grande equipa. Foi isso que eu fiz: ajudar o meu sucessor a entender as diferenças – de história, cultura, características da equipa e comportamento dos adeptos em determinadas alturas – entre estar na baliza do FC Porto e de outras formações. Tenho a certeza de que foi amplamente conseguido, porque foi esse primeiro ano que lhe deu a estabilidade para também ele fazer uma história muito bonita neste clube.
R – Estava, então, totalmente preparado para terminar a carreira?
VB – Por muito que pensemos sobre o assunto e nos apetrechemos para enfrentar o momento, creio que nenhum jogador está totalmente preparado para isso. É sempre complicado encerrar o ciclo.
R – No momento em que Co Adriaanse o preteriu, em 2005/06, percebeu que era uma opção definitiva?
VB – Naquele momento pensei que era uma decisão pontual, fruto de um jogo menos conseguido da minha parte, na Amadora. Não me surpreendeu até porque, depois de ter sido dirigido por Van Gaal, já estava habituado ao raciocínio dos treinadores holandeses. Podemos fazer dez jogos a nível fantástico mas se um corre mal e o suplente é de nível semelhante, eles avançam para a troca. Tive um jogo menos bom e saí, eram as regras do jogo. Mas depois ainda voltei a ser titular, porque o Helton se lesionou, período que encerrou naquela meia-final da Taça de Portugal, no Dragão, em que vencemos o Sporting nas grandes penalidades. Quando o Helton recuperou, porém, foi titular no fim do campeonato e na final da Taça.
R – Pensou que voltaria a ser titular?
VB – Não pensei que o afastamento fosse definitivo, porque me sentia bem e trabalhei sempre da mesma forma. Na temporada seguinte, aí sim, quando chegou Jesualdo Ferreira, falámos no início e preparámos as coisas apontando para que aquela fosse a minha última época. Mantive-me sempre motivado mas a decisão estava tomada.
R – Houve ainda a época 2004/05...
VB – Foi aí que nos demos conta do feito extraordinário que tínhamos feito na época anterior. Nós só percebemos a extensão de termos sido campeões da Europa no ano seguinte, quando pensávamos ser os melhores do Mundo. Mesmo considerando que os resultados o confirmavam, aquela época com Del Neri, Victor Fernández e José Couceiro fez-nos reavaliar o que ficara para trás e concluir que, na atual conjuntura do futebol, fazer de um clube português campeão europeu e mundial é um feito inacreditável. Só depois de vivermos as sucessivas mudanças de treinador e alguns problemas internos é que tivemos consciência de que tínhamos tocado no céu.
R – Deve ser isso que os jogadores do Inter Milão estão a sentir neste momento...
VB – É a comparação perfeita para o que estava a dizer, até pela vitória no Mundial de clubes. O sucesso, quando atinge determinadas proporções, é muito complicado de gerir.
R – Quando deixou de jogar sentiu o preconceito de que a idade não lhe permitia prosseguir, mesmo que os prazos de validade de um guarda-redes sejam mais largos?
VB – O guarda-redes tem essa vantagem, de facto. O meu problema não era tanto o potencial técnico ou mesmo físico mas o desgaste de um longo percurso. É preciso não esquecer que a minha transição de júnior para sénior foi automática e que, meio ano depois de ter chegado à equipa principal do FC Porto, conquistei a titularidade. Significa isso que me estreei aos 18 anos e, porque faço anos em outubro, tornei-me dono da baliza aos 19. E fui logo campeão nessa época de 1989/90. Lembro-me de que a primeira coisa que disse quando fui entrevistado na altura foi “vejam lá vocês, um miúdo como eu campeão nacional”.
R – E não foi campeão por jogar apenas 5 ou 10 minutos...
VB – Pois não, joguei a época inteira. Isso dá-nos uma força e uma capacidade muito grande para aguentar os momentos menos bons que o futuro reserva. Há muitos jovens que, sem o estímulo de vitórias coletivas, vão perdendo motivação, intensidade e concentração. Daí ao fim prematuro de carreiras promissoras é um pequeno passo.
R – Acha que foi um privilegiado?
VB – Na medida em que comecei logo a vencer e cruzei-me cedo com Artur Jorge pode dizer-se que sim, que tive alguma sorte. Não é qualquer treinador, ainda por cima um senhor campeão europeu, que pega num miúdo e lhe dá a baliza do FC Porto. Hoje ainda é assim mas, na altura, era utopia pensar que um jovem entre os 18 e os 19 pudesse defender a baliza de uma equipa que dois anos antes ganhara a Taça dos Campeões e arrebatara a Intercontinental há menos de um. Para lá do resto, que era a minha capacidade individual, tive a sorte de encontrar as pessoas certas, nos momentos certos, para me enquadrarem.
R – O que lhe passou pela cabeça quando viu que iria ter um papel diferente no grupo?
VB – Aquilo que eu sei, fazendo uma análise a toda a carreira, do princípio ao fim, é que nasci para ser guarda-redes. E sobre isso eu tinha a certeza absoluta. Agora estamos noutra etapa, noutra fase e, sentindo que tenho competência para abraçar um projeto a nível de direção desportiva, preciso de me testar. Estou ainda no começo, vamos ver o que o futuro me reserva mas estou preparado para qualquer desafio. Toda a experiência que conquistei ao longo da carreira, na gestão de recursos humanos e nas estratégias diárias da própria equipa, mais o curso superior que tirei para me valorizar nessa dinâmica, permite-me ter a convicção de que estou preparado para agarrar qualquer oportunidade que surja.
R – O FC Porto continua a ser uma porta aberta?
VB – Nada belisca a relação umbilical que me liga ao FC Porto. Há uma carga emotiva muito grande, até porque a minha vida confunde-se com o clube. Tudo o que eu sou devo-o ao FC Porto. Embora tenha no currículo uma passagem pelo Barcelona, que muito me orgulha, há uma ligação eterna a este clube. De resto, a minha saída do cargo que ocupava foi pacífica.
in "record.pt"
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