Têm origens e histórias de vida quase opostas. Juntaram-se pela mão do técnico inglês e hoje são duas das caras da nova geração de treinadores portugueses
Quando Domingos Paciência entrou para a escola primária, com seis anos, o futebol já fermentava no seu corpo. Vinha do bairro dos pobres, de uma família onde a fartura só existia no lado das dificuldades, mas não revelava a origem. Perante os outros meninos dizia que era do bairro do Rodão, para evitar o embaraço provocado pela crueldade das crianças de famílias mais ricas. Domingos não queria ser posto de parte por ser pobre. Por outro lado também não passava muito tempo na escola. Chumbou por faltas no primeiro ano, quase sempre porque se escapava para ir jogar futebol.
Filho de um pintor da construção civil nascido na Amazónia e de uma conserveira, saiu de casa aos 13 anos para viver no centro de estágio do FC Porto. Lá podia ter a alimentação que lhe faltava em Leça, indispensável ao crescimento de um jogador de futebol. E mesmo lá, onde só recebeu o primeiro ordenado (37,50 euros) aos 17 anos, tinha a responsabilidade de ajudar a família.
A infância de Domingos Paciência moldou a personalidade do jogador que admirava Frasco, Nené, Carlos Manuel e Fernando Gomes. Depois começou a marcar e a brilhar no FC Porto. Nesse momento passou a ser ele o homem idolatrado. Os miúdos (tal como os graúdos) viam nele o rosto da equipa, uma das imagens de marca do clube na década de 90 - a mais dominadora da história dos dragões. Não interessava se eram pobres como ele fora em criança ou ricos como (D. Luís) André (de Pina Cabral e) Villas-Boas, bisneto do 1.o visconde de Guilhomil, parecia ser. Todos queriam ver Domingos marcar golos. E todos duvidavam de Bobby Robson, em 1994/95, quando mantinha o goleador no banco de suplentes.
O jovem André, no entanto, foi mais longe. Vizinho do treinador inglês, não teve problemas em meter conversa uma das vezes que se cruzaram. Não queria pedir um autógrafo, mas sim manifestar o seu desagrado por Domingos Paciência não jogar. A atitude mudou-lhe a vida: Robson tornou-se um mentor, a sua maior influência. Convidou-o para compilar as estatísticas do FC Porto e mostrou-lhe o caminho a seguir: "Ia seguir jornalismo desportivo, mas Bobby Robson deu-me a oportunidade de entrar no mundo do futebol."
À luz do futebol actual formou-se então um quarteto de luxo: Robson a treinar, Mourinho a ajudar, Domingos a marcar e Villas-Boas a observar. Depois vieram os cursos de Treinador na Escócia e em Inglaterra, o estágio no Ipswich Town e o cargo de director técnico da selecção das Ilhas Virgens Britânicas. Mais tarde proporcionou-se o regresso ao FC Porto, pela mão de José Mourinho, tal como as aventuras em Inglaterra e Itália com o Special One.
A chamada da Académica trouxe André Villas-Boas de volta a Portugal para o primeiro desafio como treinador principal, aos 32 anos. Depressa tirou a Briosa do fundo da tabela. E à 16.ª jornada do campeonato recebeu o Sp. Braga. De repente estava lado a lado com Domingos Paciência, o ídolo que por mero acaso lhe abrira a porta do futebol. Já se tinham cruzado - no FC Porto viam-se todos os dias - mas agora estavam pela primeira vez ao mesmo nível, um contra o outro.
Domingos ganhou a primeira batalha (2-0), Villas-Boas cantou vitória na segunda (3-2), esta temporada, já como treinador do FC Porto. A terceira disputa-se este domingo em Braga, para desempatar. De calendário na mão, pode perceber-se que os dragões só vão encontrar deslocação mais difícil na 25.ª jornada, quando visitarem o Estádio da Luz. Por isso está na altura de o miúdo André Villas-Boas esquecer a ligação ao rival deste fim-de-semana.
AMBIÇÕES VS. EXPERIÊNCIAS Domingos puxou Villas-Boas para o futebol, mas isso não quer dizer que haja muitas semelhanças entre os dois treinadores. As origens sociais são opostas. Em parte, as posturas em relação ao futebol também o são. A começar pelas ambições. Domingos vê no Sp. Braga um "bom clube", uma montra para mostrar ao mundo o que vale como treinador. Depois quer subir mais, em Portugal e até no estrangeiro. Mesmo que um dia chegue ao FC Porto, como muitos acreditam que vai acontecer, o limite do técnico de 42 anos estará ainda mais acima.
Villas-Boas sonha com um futuro diferente. Pensa pôr fim à carreira de treinador antes dos 50 anos e não se sente fascinado com Espanha, Inglaterra ou Itália. Já experimentou esse prato enquanto adjunto de Mourinho e dispensa repetir. Se é para sair de Portugal, que seja para o Japão ou a Argentina, por exemplo - sítios que lhe proporcionem outras "experiências de vida". Para já, a experiência no FC Porto é a realização do sonho de uma vida. Quando o sonho acabar, talvez seja Villas-Boas a abrir a porta do Dragão ao seu ídolo de infância.
in "ionline.pt"
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