Há muitos, muitos anos, quando a crise se media em escudos e ainda se jogava à bola na rua escavacando as Sanjo e os joelhos praticamente ao mesmo ritmo, uma bola de couro - eram de couro a sério na altura - era uma espécie de relíquia sagrada quase sempre assombrada por uma figura tenebrosa: o respectivo dono. Ora, o dono da bola, já o leitor deve imaginar, era sempre, inevitável e fatalmente, o miúdo com menos talento para jogar com ela e com a personalidade mais incapaz de a partilhar com os outros. Era um tosco entre artistas, o que tornava inevitável a frustração e justificava frequentes amuos e birras que terminavam invariavelmente numa espécie de ultimato: ou o deixavam ganhar ou acabava com o jogo levando a bola para casa. Ora, os tempos mudaram, as bolas deixaram de ser de couro e até as crises são medidas em euros, mas há coisas que estão na mesma: continua a haver um dono da bola a amuar e a fazer birras, ameaçando acabar com o jogo se não o deixarem ganhar.
in "ojogo.pt"
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