O treinador eterno prometido volta a Alvalade mas como adversário. Viagem por uma história de acordos e rescisões
Podia ser uma história de encantar: afinal, um dos protagonistas da intriga foi fundado por viscondes em 1906 (Sporting) e a personagem principal, que até tem traços de príncipe, é tão só o bisneto de José Gerardo Coelho Vieira Pinto do Vale Peixoto de Villas-Boas, o primeiro visconde de Guilhomil, e tem sangue inglês pelo lado da avó, Margaret Neville Kendall. Mas a narrativa ganhou sempre tendências de tragédia grega e três noivados não deram um casamento. E é por isso que André Villas-Boas vai chegar novamente a Alvalade como adversário e não como técnico dos lisboetas. Fica, ainda assim, a história de uma relação que envolveu sonhos, acordos, projectos e rescisões com vários palcos diferentes mas espalhados por Portugal.
ACTO I - LISBOA Na mesma altura em que era preparada uma importante assembleial-geral, em Abril de 2009, tinha começado já a contagem de espingardas para as eleições do clube, em Junho. Havia três correntes distintas - a da continuidade, uma alternativa e uma da oposição. Diferença: as últimas tinham nomes preparados, ao contrário da primeira. O preferido era Soares Franco, mas o líder torcia o nariz a novo mandato por considerar que o seu reinado teria chegado ao fim. Ainda assim, levantou-se uma vaga de fundo - expressão própria do léxico sportinguista - para levar Franco a reconsiderar. E aqui entra pela primeira vez o nome de Villas-Boas, na altura adjunto de Mourinho no Inter mas com a ambição de iniciar uma carreira a solo.
No plano desportivo, havia uma dúvida: manter Paulo Bento, o Ferguson do Sporting, ou apostar num rosto novo com perfil semelhante? Ambas as opções estavam ponderadas, e a aposta de Franco, caso tivesse avançado e o actual seleccionador recusasse renovar, poderia ser Villas-Boas, pelas capacidades reconhecidas de fazer um projecto a médio prazo. O ex-líder não avançou, José Eduardo Bettencourt surgiu em cena e esmagou nas eleições, Bento ficou em Alvalade (não forever mas mais quatro meses).
ACTO II - COIMBRA A incapacidade para investir na equipa impossibilitou Paulo Bento de passar da teoria à prática: havia necessidade de reformular de forma profunda o plantel, para iniciar um novo ciclo, mas foram feitos apenas pequenos ajustes. E, alicerçado a isso, ia-se notando um crescente desgaste da imagem do técnico tantas vezes incompreendido em Alvalade. Só os resultados poderiam inverter a realidade mas tardaram em aparecer - a rescisão chegou como fim óbvio.
Já com Sá Pinto a trabalhar com Bettencourt numa solução, o nome de Villas-Boas voltou à mesa. Desta vez, como uma primeira opção. O treinador tinha chegado dois meses antes à Académica (onde tinha recusado a hipótese Costinha como adjunto) mas os métodos de trabalho, as planificações e os resultados impressionaram os responsáveis leoninos, que não ligaram aos currículos que iam recebendo (Aragonés, Pekerman, Juande Ramos) e começaram a tentar o jovem técnico.
O acordo entre clube e treinador ficou estabelecido (salário a rondar os 30 mil euros por mês, cláusulas por objectivos etc.) na noite de 12 de Novembro mas, a 13, tudo ficou sem efeito face à intransigência da equipa de Coimbra em baixar o valor pedido: um milhão de euros, com o Sporting a dar 500 mil euros mais dois jogadores por empréstimo. Dois dias depois, na madrugada de domingo, Carlos Carvalhal era anunciado à CMVM.
ACTO III - Gerês Villas-Boas classificou todas as notícias de "palhaçadas", Sporting e Académica negaram tudo mas, a 12 de Fevereiro, os leões e o técnico assinaram um acordo por dois anos, a contar a partir de 2010-11. Com a intermediação de Jorge Mendes, o super-empresário que já tinha ajudado o clube na reabertura de mercado, houve um encontro no Gerês onde tudo ficou definido. A partir daí, era só uma questão de ir mantendo sigilo enquanto se planificava toda a temporada seguinte: falou-se de nomes (Quaresma, Lima, Lazzaretti, Hilário, Manuel Fernandes, Cléber Santana...), de estágios de pré-época, da equipa técnica (onde Costinha voltou a ser "barrado"). De tudo. E a sintonia entre Villas-Boas e Bettencourt era total, algo que nem os lamentos de Carvalhal conseguiram sequer afectar minimamente.
ACTO IV - ALCOBAÇA Duas semanas depois, Bettencourt escolhia Costinha para director de futebol, pasta que estava órfã desde a saída de Sá Pinto. E, a partir daí, a história mudou: as dissonâncias entre o antigo médio e o treinador (sobre Izmailov, sobre regras, sobre possíveis reforços ou sobre Nuno Dias, novo director da comunicação do clube) foram-se sucedendo e, a certa altura, Villas-Boas, que ouvira rumores sobre um possível interesse do FC Porto (além do Recreativo Huelva), solicitou a rescisão do acordo existente, pedido aceite por Bettencourt. O encontro entre o treinador e Costinha (aí sem Bettencourt) deu-se em Alcobaça. Tudo voltou à estaca zero mas não por muito tempo - ainda nesse mês de Março, o Sporting anunciou a saída de Carvalhal no final da época e a contratação de Paulo Sérgio ao V. Guimarães para 2010-11 por 600 mil euros; mais tarde, os portistas confirmaram a aposta em Villas-Boas no seguimento da saída de Jesualdo. E todos ficaram felizes com o desfecho.
Agora, quando o FC Porto der entrada em Alvalade, Villas-Boas irá para o banco da esquerda quando sempre foi o prometido para o da direita. E tem a possibilidade de provar, matematicamente, que o último capítulo da trama foi mais prejudicial para uns do que para outros: uma vitória dos dragões coloca os rivais a 16 pontos do título. É o fim da história.
in "ionline.pt"
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