sexta-feira, 20 de maio de 2011

André e José. A sustentável comparação, para o bem ou para o mal

Por cá, a festa do FC Porto ficou ontem marcada pela avaria que obrigou o autocarro em que os jogadores seguiam até à Avenida dos Aliados a parar uma série de vezes. Lá por fora, o protagonista continua a ser Villas-Boas, que não se livra das semelhanças com Mourinho. Nós também descobrimos diferenças


Quem disse que as comparações entre o "aluno" André Villas-Boas e o "professor" José Mourinho só começaram quando o mais novo se sentou na sua "cadeira de sonho"? Tire da cabeça a ideia de que foi só mais ou menos há um ano, quando o mais novo tomou conta do FC Porto, que se começaram a desfiar os elos que os unem ou as ideias que os separam. Em tempos - recuamos a Março de 2005 , quando o Chelsea, treinado por Mourinho e com Villas-Boas como observador, eliminou o Barcelona nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões - houve olhos mais atentos. "Os árbitros deste mundo não devem ficar contentes com a perspectiva de existir um outro José Mourinho", escrevia o "London Evening Standard" há mais de seis anos. Na altura, já Villas-Boas era apelidado de Mini Mourinho e uma irritação do jovem observador de 27 anos com Frank Rijkaard no jogo da Champions levou o seu nome às primeiras páginas dos jornais ingleses.

A verdade é que o "carácter impetuoso" que há meia dúzia de anos a imprensa britânica apontava a Villas-Boas está longe de ser um facto consumado. E nisso o treinador do FC Porto marca a diferença. Se já tinha o mundo a falar nele, com a conquista da Liga Europa Villas-Boas ficou com o planeta aos seus pés. Pelo êxito que o deixa a um título de conseguir o que Mourinho alcançou na época 2002/03 - depois do campeonato nacional e da prova europeia, pode conquistar a Taça de Portugal no próximo domingo frente ao V. Guimarães - e pela simpatia que divide... para reinar.

Ao contrário de Mourinho, contam-se pelos dedos de uma mão as entrevistas exclusivas que Villas-Boas já deu enquanto treinador principal. A filosofia do técnico portista não tem passado por aí. Nem na euforia de Dublin, quando um jornalista estrangeiro o abordou para lhe fazer umas perguntas na zona mista, Villas-Boas cedeu ao pedido. Em vez disso, seguiu caminho, mas o jornalista não ficou sem uma justificação, que a assessora do técnico avançou de imediato. É que Villas-Boas até não se importa de estar duas horas a falar numa sala de conferências mas para toda a imprensa. Além disso, mais nada, não é costume haver tratamento preferencial ou exclusivo, o que afirma é para todos, sem fugir ao politicamente correcto.

Se Mourinho, ou até Jesualdo Ferreira, nem sempre foram alvo de consenso entre os adeptos portistas, sendo por vezes amados e outras vezes criticados, Villas-Boas ganha pontos quando é de simpatia que se trata. Com centenas de flashes a intensificarem o brilho da noite europeia na capital da República da Irlanda, também foi possível assistir a pedidos (pessoais) para tirar fotografias com o técnico portista. Apesar de não haver tratamento preferencial, ouvir-se chamar por "André, André!" na zona mista do Dublin Arena reservada à comunicação social é sinónimo da tal simpatia que Villas-Boas vai espalhando um pouco por todo o lado.

Se ganhar no Jamor, o jovem treinador dos dragões não vai poder negar a igualdade técnico-numérica com Mourinho. Mas quando a comparação com El Especial surgir, Villas-Boas poderá ter a resposta na ponta da língua, como a teve numa das poucas entrevistas exclusivas que já deu, no ano passado ao "Diário de Coimbra": "A partir do momento em que há competência e resultado, deixa de se pôr essa questão".

No final do FC Porto-Sp. Braga não foi só Pep Guardiola que ficou surpreendido com a “homenagem” que André Villas-Boas lhe fez. O treinador dos dragões referiu o nome do técnico do Barcelona a seguir ao da mãe e do pai e antes do de José Mourinho, confessando que o catalão “sempre foi uma inspiração” e que por isso merecia que lhe dedicasse o seu primeiro título europeu. O mundo, que ao mesmo tempo continua a elogiar a proeza da Villas-Boas, também ficou surpreendido com a forma como a equipa que se sagrou campeã portuguesa com 21 pontos de avanço sobre o Benfica jogou a final da Liga Europa no Dublin Arena. E é neste ponto que, por mais que lhe custe assumir, o “(ex-)aluno” se cola ao “professor”.
Coerente no seu discurso, Villas-Boas sempre se assumiu como um treinador que privilegia o futebol ofensivo (qualquer semelhança com Guardiola não é pura coincidência) e os 44 golos que o FC Porto somou nesta edição da Liga Europa não precisam de mais achegas. Mas em Dublin não foi bem assim, o FC Porto foi outro, diferente do que se mostrou ao longo da temporada. Perante um Sp. Braga, que se pensava mais defensivo, os dragões preferiram reter a bola entre os pés para evitar desequilíbrios e surpresas amargas junto à baliza de Helton. O ataque azul e branco não brilhou como de costume no jogo decisivo, Villas-Boas foi cauteloso e preferiu hipotecar o espectáculo, como Mourinho também nunca se importou de o fazer.
Em Dublin veio à tona a frieza e o calculismo, apanágios de Mourinho. Villas-Boas estudou ao pormenor o adversário, apontou tudo no bloco, tentando adivinhar o modo como a equipa de Domingos Paciência ia atacar o jogo. Neste aspecto é inegável a comparação entre os antigos colegas de equipa no FC Porto, no Chelsea e no Inter. Villas-Boas qual Mourinho.
Após a conquista da Liga Europa, João Moutinho assumiu ao i o que foi evidente aos olhos de quem acompanhou com atenção a temporada dos dragões. Que em Dublin, o FC Porto quase se enganava a si próprio e que só por um erro do meio-campo arsenalista o marcador se alterou com mais facilidade. “Nós já sabíamos como é que o Sp. Braga ia jogar e não queríamos perder a posse de bola, queríamos ter o jogo sempre controlado e não queríamos atacar de qualquer maneira”, afirmou o médio do FC Porto. 
Villas-Boas rejeita a pés juntos qualquer semelhança com Mourinho, a começar pela personalidade de ambos, mas até o próprio treinador do FC Porto foi porta-voz da invulgar e voluntária conduta dos seus jogadores, lamentando que estes não tivessem conquistado o troféu com um bom espectáculo. Mas, afinal, foram essas as ordens do treinador, como revelou Moutinho.
Villas-Boas nunca se assumiu favorito, mas certamente não esperava sofrer tanto em Dublin. Seja como for, até como Mourinho o soube fazer. No fim da história foi ele o mais especial. 


in "ionline.pt"

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