Se tiver aprendido a lição ministrada ao Benfica na segunda-feira, o FC Porto está a um passo de se sagrar tricampeão nacional. É certo que precisa de vencer no difícil terreno do Paços de Ferreira, também em tempo de festejar a sensacional estreia na Liga dos Campeões, mas o mais complicado já os portistas fizeram. O FC Porto celebrou a vitória do jogo da bola na sua essência: um momento genial de futebol de rua, pura intuição a misturar habilidade com liberdade. Kelvin não pensou sequer que poderia pôr em causa a última oportunidade de o FC Porto assumir a liderança do campeonato. Chutou e assinou um momento de rara beleza já em tempo de compensação, como teria feito no primeiro minuto, no vigésimo quinto ou noutro qualquer. Desequilibrou os números e justificou o desequilíbrio do futebol em campo.
O clássico resultou num grande jogo com dois minutos-chave: o 66 e o 79. O calculismo excessivo de Jorge Jesus acabaria punido e o apelo à irreverência de Vítor Pereira premiado. Por muito que o justifique com os amarelos de Matic e Enzo Pérez, quando trocou Gaitán, o elo de ligação entre meio-campo e ataque, por Roderick, entregando-lhe um papel de segundo trinco/terceiro central, o treinador do Benfica passou à própria equipa uma imagem de medo, de conformismo excessivo. Do lado contrário, a aposta em Kelvin foi de risco calculado. Como estava, o resultado não servia aos portistas, mantê-lo ou piorar as coisas passava a ser questão de pormenor. Os jogadores diferentes são aqueles que estão sempre mais perto de grandes cometimentos ou grandes asneiras, às vezes porque agem primeiro e pensam depois. Nesse intervalo podem decidir mais do que jogos: competições. Kelvin tinha instruções para ir para cima do adversário. Resultara com o Braga, falhara rotundamente na final da Taça da Liga, ontem voltou a funcionar, porque nada o perturbou em nenhum desses jogos. Entrou e jogou. Correu bem ou correu mal. Kelvin é um jogador diferente, poderá vir a ser fantástico se o conseguirem amarrar e ensinar uma série de coisas que ele precisa de aprender, mas haverá que ter a habilidade de lhe aumentar as valências sem destruir as mais-valias atuais.
Será que Madjer teria feito um golo de calcanhar numa final da Taça dos Campeões Europeus (1987) se tivesse pensado que podia falhar? A resposta é um "não" claríssimo. Na altura, o génio que o iluminava permitiu-lhe pensar apenas: só pode ser assim. Ontem, Kelvin tocou a bola para chutar e chutou. Na rua é assim.
Carlos Machado in "ojogo.pt"
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