terça-feira, 23 de outubro de 2012

Celso: «Em 1987 o Dínamo era muito mais forte do que agora»

Reportagem-Maisfutebol: antigo central do F.C. Porto fala dos duelos com o clube de Kiev e dos tempos nas Antas 

A visita do Dínamo Kiev ao Dragão evoca um momento marcante e insigne na história do F.C. Porto. A 8 de abril de 1987, o extinto Estádio das Antas encheu-se com 75 mil pessoas para as meias-finais da saudosa Taça dos Campeões Europeus.

Debaixo de uma chuva miudinha, mas persistente, os homens de Artur Jorge derrubaram o muro soviético. O Dínamo Kiev perdeu por 2-1 e o resultado repetir-se-ia na União Soviética duas semanas depois. A isto seguiu-se a final de Viena e a conquista da Europa.

No eixo da defesa estava Celso. Celso Gavião. Foi um dos melhores em campo na primeira-mão e fez um dos golos na segunda. De livre direto, pois claro. 25 anos depois, o antigo central responde ao Maisfutebol da sua padaria na cidade de Fortaleza. A emoção tolda-lhe a voz.

«As bancadas estavam doidas. Que ambiente! Estava zero a zero ao intervalo e o Artur Jorge deu-nos um abanão ao intervalo. O Juary entrou, começou a confundir o Dínamo e marcámos dois golos num instante», recorda Celso.

Assim foi. Uma arrancada de Futre esbarrou num pé de um defesa e morreu na baliza de Viktor Chanov. Logo depois, André fez de grande penalidade o segundo e a final do Prater pareceu mais perto do que nunca. Mas a equipa teve de sofrer.

«Perto do fim houve uma indecisão entre mim e o Eduardo Luís. O avançado deles marcou de cabeça e fomos para Kiev com uma vantagem mínima. O Dínamo tinha um meio-campo e um ataque de luxo. Muito superior ao atual. Ainda assim, sentíamos que íamos lá vencer».

Assim foi. O F.C. Porto eliminou um colosso do futebol europeu. Vale a pena lembrar os nomes de Alexander Zavarov e Pavel Yakovenko, dois médios soberbos, além do menino Alexei Mikhailitchenko. E o que dizer de Oleg Blokhine e Igor Belanov, o Bola de Ouro em 1986?

Celso não exagera. O Dínamo Kiev era uma potência do futebol mundial. E nem isso atemorizava o pelotão de dragões. O discurso de Artur Jorge não permitia que alguém ousasse duvidar da qualificação.

«No campeonato começámos a abrandar e apostámos tudo na Europa. Em Kiev, o Artur Jorge disse-nos uma coisa incrível. Meus senhores, o campeonato vai fugir para os outros [Benfica]. Só temos uma alternativa: ganhar a Taça dos Campeões Europeus. Como vai ser?»

Foi assim, azul e branco, à medida de Artur Jorge. O Porto passou em Kiev e Celso marcou. O Porto venceu em Viena e Celso fez o passe para Rabah Madjer criar o segundo golo.

«Vi o Madjer fora de campo [lesionado], olhei para um lado, olhei para o outro e ele já estava em jogo. Fiz um passe longo, para a linha de fundo e fiquei bloqueado, a ver o resto da história: o Madjer bailou em cima do defesa, cruzou e o meu amigão Juary fez o resto.»

F.C. Porto-Dínamo Kiev, 2-1 (8 abril de 1987):

F.C. PORTO: Mlynarczyk; João Pinto, Lima Pereira, Celso e Eduardo Luís; Jaime Magalhães (Madjer, 83), André, Sousa (Juary, 46) e Vermelhinho; Fernando Gomes e Paulo Futre.

Suplentes não utilizados: Zé Beto, Inácio e Semedo
Treinador: Artur Jorge

DÍNAMO KIEV: Chanov; Baltacha, Bal, Kuznetsov e Demianenko (cap.); Yakovenko, Zavarov, Mikhailitchenko e Rats; Belanov (Yevseyev, 85) e Blokhin (Morozov, 75).

Treinador: Valery Lobanovsky

Golos: Futre (49), André (56, g.p.) e Yakovenko (78)

Celso: do soco a Carlos Manuel à praia com Pinto da Costa

As saudades são compreensíveis. Celso conquistou títulos atrás de títulos no F.C. Porto. Dois campeonatos nacionais, uma Supertaça, uma Taça dos Campeões Europeus e uma Taça Intercontinental. Foi dragão de 1985 a 1988. Sente-se dragão até hoje.

«Vivo em Fortaleza, tenho 56 anos e sou um portista dos bons», diz ao Maisfutebol, durante mais um dia de trabalho na Padaria CG. «Tenho este negócio há 19 anos. Apaixonei-me pelos bolos e salgados portugueses e decidi abrir uma panificadora».

Celso Gavião tirou um curso de pasteleiro e meteu as mãos na massa. «Tentei imitar alguma doçaria portuguesa, mas faltavam-me alguns ingredientes. Então optei por homenagear o F.C. Porto e a cidade Invicta. Criei um pastel de nozes e batizei-o com o nome de Pastel Porto».

A vida passa devagar no Bairro do Castelão. Celso tem 12 funcionários e aproveita o tempo livre para presidir a uma associação que acompanha os antigos profissionais de futebol do Ceará (AGAP). «Além disso tenho vários imóveis para arrendamento. Não me posso queixar», admite.

Em Fortaleza, Celso recebe a visita «regular» de dois grandes amigos portugueses. «O Artur Jorge tem casa em Natal e vem ter comigo muitas vezes. O senhor Pinto da Costa também. Esteve cá há poucos anos, levei-o à praia e fui o guia turístico dele na região. São amizades eternas».

Celso Gavião considera, de resto, Artur Jorge e Pinto da Costa «génios do futebol». «Eu jogava no Bahía e recebi o convite para jogar no Porto. Informei-me com o Dudu, que jogava no Belenenses. Disse-me que ia para um bom clube, mas um clube ainda em crescimento».

«Em três anos o F.C. Porto passou de clube médio a grande da Europa. Os maiores responsáveis foram esses dois senhores e os jogadores, claro», considera o antigo defesa central.

Em três épocas nas Antas, Celso fez 78 jogos e dez golos. Os mais importantes foram obtidos em Kiev e em Alvalade, num célebre Sporting-F.C. Porto da época 1985/86. Esse é, aliás, «um dos dois jogos melhores jogos» que fez nos dragões. «O outro foi a final de Viena».


«Tínhamos de ganhar em Alvalade, sob pena de ficar fora da corrida do título. Eu vinha de uma suspensão, por ter dado um soco ao Carlos Manuel (Benfica). Gostava de lhe pedir desculpa, até. Por isso essa partida era fundamental, para mim e para a equipa».

Aos 40 minutos, Fernando Gomes sofre falta de Duílio. Celso bate o livre. Com violência. A bola entra ao ângulo superior esquerdo. Vítor Damas voa para nada. «Foi um golaço, né?» Foi, Celso. Um golaço.

Os livres eram, afinal, a sua grande especialidade. «Nessa altura eu era o melhor. Tinha uma coxa forte. Olhava para a bola, definia uma zona para colocar o pé e nem pensava. Depois apareceram o Geraldão e o Branco, que também era ótimos a bater faltas».
 

Celso: as escapadelas com Futre para Vigo e o enigma-Juary

Há uma coincidência a ligar Celso e Paulo Futre. Duas, aliás. Bem visto, são três. «Fazemos anos no mesmo dia, fomos colegas de quarto no F.C. Porto e escapávamos os dois nas folgas para o Corte Inglês, em Vigo», sublinha o ex-defesa central ao Maisfutebol.

Futre é, de resto, dos amigos que mais saudades deixaram a Celso. «Eu era o paizão dele, dez anos mais velho», adverte. «Tínhamos grandes conversas, porque ele andava sempre eufórico. Dentro e fora de campo. Paulinho, calma, relaxa. Não tens de correr tudo de uma vez», aconselhava Celso.

Outro dos colegas mais chegados era Juary. O «enigma-Juary», como diz Celso. «Eu era quase um treinador-jogador e tinha grandes conversas com o Artur Jorge. Confesso que passámos muito tempo a tentar perceber o futebol do Juary».

O eterno número 13 falhava redondamente quando jogava a titular. «O Artur insistiu várias vezes com ele e quase desistiu. Até que chegou o jogo com o Barcelona. O Juary saltou do banco e fez três golos. A partir daí passou a ser a arma secreta da equipa».

«O Artur Jorge dizia-me que a velocidade dele era para aproveitar quando os defesas já não estivessem frescos. Foi a melhor opção que podia ter tomado», refere Celso, que enumera outros nomes incontornáveis do F.C. Porto na década de 80.

«Eu até era mais próximo dos portugueses do que dos brasileiros. Gomes, Frasco, André, João Pinto, todos eram e são meus grandes amigos. Já não vou há dois anos ao Porto, mas tenho de voltar urgentemente. Esta conversa está a mexer com as minhas memórias».  

in "maisfutebol.iol.pt"

1 comentário:

Penta disse...

esta entrevista não merece ficar sem comentários, porra!

Celso = um senhor! um senhor!
(saudades)

abr@ço
Miguel | Tomo II