sábado, 27 de outubro de 2012

Maldição da Amoreira: até Pedroto levava as mãos à cabeça


Depois de Benfica e Sporting, Estoril é a equipa da Liga com melhor saldo nas receções ao F.C. Porto


A síndrome foi identificada na década de 40. O F.C. Porto chegou a perder por 8-1 no vetusto Campo da Amoreira. Em seis deslocações ao terreno do Estoril-Praia, seis derrotas. Trauma, psicose, incompreensão. 

Nos anos 50 o ciclo inverteu-se. Os azuis e brancos venceram nas duas únicas viagens à Linha. O suplício, porém, não acabara. Após as tréguas peace and love nos anos 60, por força da descida do Estoril à 2ª divisão, os clubes reencontraram-se em 1975. 

O F.C. Porto escapou no primeiro ensaio (vitória por 1-3), mas submergiu logo depois num ciclo de oito jogos seguidos sem triunfar. Isto apenas em jogos para o campeonato nacional. 

Rodolfo Reis, histórico dragão, habituou-se a não ganhar na Amoreira. A maldição era assumida no balneário azul e branco. «Podia estar aqui o dia todo a pensar e não encontrava uma explicação para os maus resultados lá», confessa ao Maisfutebol

«Uma vez fomos lá jogar para a Taça e perdemos», conta o antigo médio, jogador de raça. «Depois fomos jogar ao Colónia, que tinha uma boa equipa na altura, e empatámos. Nas Antas ganhámos. Ou seja, perdemos com o Estoril e eliminámos o Colónia. Era assim».

Um fim-de-semana sem totalistas no totobola

Óscar Duarte sabe bem do que fala Rodolfo Reis. O médio revelou-se no Estoril-Praia entre 1976 e 1978. Transferiu-se daí para as Antas. «O F.C. Porto não tinha o valor de hoje, atenção, mas o Estoril jogava com uma espécie de vantagem moral nesses jogos», conta o cabo-verdiano. 

«Numa das vezes fiz um golo fabuloso. Nesse fim-de-semana não houve totalistas no totobola por minha culpa. Ninguém esperava que o F.C. Porto não ganhasse», conta Óscar.

«Fui o melhor em campo e recebi umas calças e um guarda-chuva. Tínhamos seis meses de salários em atraso e aquilo para mim foi oEl Dorado». Rodolfo Reis lembra-se bem de Óscar e recorda-o com alguma piada.

«Ele não marcava golos a mais ninguém e contra nós marcava a 30 e 40 metros da baliza. Uma vez fez um chapéu do círculo de meio campo. Era incrível. Não tem explicação», insiste. 

Pedroto desesperado contra um Estoril sem dinheiro para salários

Época 1978/79, Taça de Portugal. O Estoril-Praia envergonha o F.C. Porto com uns concludentes 3-0. José Maria Pedroto acaba o jogo em desespero. Na baliza do Estoril-Praia estava um senhor chamado Manuel Abrantes. Ao Maisfutebol recorda essa tarde de trás para a frente. 

«Perto dos 80 minutos estava 0-0. Tivemos uma grande assistência. Pensámos que o empate era bom, porque depois íamos às Antas e aproveitávamos a receita de lá, que era a dividir. Ajudava-nos a pagar os salários». Mas não foi bem assim.

«Marcámos um golo. O falecido Pedroto tirou um defesa e meteu um avançado. E nós fizemos o 2-0. Ele tirou um médio, meteu outro avançado e nós chegámos ao 3-0. No final o senhor Pedroto andava de mãos na cabeça, à porta dos balneários», atira Manuel Abrantes, a sorrir.

«O mestre Pedroto dizia que era inacreditável perder contra uma equipa que nem dinheiro tinha para os vencimentos. O jogo ficou-me na memória porque o João Lachever, a alma do clube, ia morrendo. Teve um princípio de ataque cardíaco». 

ESTORIL-F.C. PORTO

DÉCADA DE 40

6 jogos: 6 vitórias para o Estoril; 23-4 em golos

DÉCADA DE 50

2 jogos: 2 vitórias para o F.C. Porto; 3-5 em golos

DÉCADA DE 60

nada a assinalar

DÉCADA DE 70

6 jogos: 3 vitórias Estoril, 1 para F.C. Porto, 1 empate; 9-5 em golos

DÉCADA DE 80

3 jogos: 3 empates; 2-2 em golos

DÉCADA DE 90

3 jogos: 3 vitórias do F.C. Porto; 1-6 em golos

SÉCULO XXI

1 jogo: 1 vitória do F.C. Porto; 1-2 em golos 

TOTAL: 

8 vitórias do Estoril, 7 do F.C. Porto, 5 empates 
39-28 em golos


Maldição da Amoreira: Jogos Sem Fronteiras a iluminar o duelo

Quando Manuel Abrantes defendeu o penalty de Gomes e ganhou o respeito de Pinto da Costa


Finais dos anos 70, início dos anos 80 era certo: a viagem à Amoreira era um grande sarilho para o F.C. Porto. Depois de Benfica e Sporting, aliás, o Estoril é, ainda hoje, a única equipa da Liga que tem saldo positivo nas receções aos bicampeões nacionais. Aquela fase ajudou e muito. Foram sete jogos seguidos sem ganhar no recinto do Estoril: duas derrotas e cinco empates. Um fenómeno estranho e sem aparente explicação. 

Nesse período houve, claro está, jogos mais míticos de que outros. Manuel Abrantes foi o guarda-redes do Estoril em seis desses jogos. Na época de 1982/83 brilhou em grande estilo. «Eu tinha sempre muito trabalho contra o F.C. Porto mas aquele jogo foi o que mais me ficou na memória», conta ao Maisfutebol

O jogo passava em direto na televisão. Coisa rara na altura. O Estoril queria fazer boa figura. Como o Estádio tinha pouca iluminação encontrou-se uma solução de recurso. «Colocaram lá os holofotes dos Jogos Sem Fronteiras a fazer de torres de iluminação», conta Manuel Abrantes. 

O jogo corria normalmente. Sousa adianta o F.C. Porto ao minuto 35. Na segunda parte Vítor Madeira empata para o Estoril. A um quarto de hora do fim, o caldo entorna-se. 

«O árbitro marca um penalty contra nós, o Vítor Madeira protesta, vê o segundo amarelo e é expulso. O Gomes mete a bola na marca de penalty mas eu defendo. Quando me levanto vejo que o Vítor Madeira estava em campo. Não sei dizer se nunca saiu ou se tinha voltado a entrar. Mas estava lá e o banco do F.C. Porto estava todo de pé a reclamar», diz. 

Gerou-se a confusão, com os portistas a pedirem a repetição do penalty. «Os jogadores do Porto empurravam o árbitro para a marca do penalty os nossos empurravam-no para fora da área. E ele não tomava nenhuma decisão», continua o ex-guardião. 

O jogo esteve interrompido 20 minutos. «E estava a dar na televisão!», lembra Manuel Abrantes. Ao longe, o guarda-redes do Estoril vê Fernando Gomes com a bola nas mãos: «Aproximei-me dele e perguntei-lhe: Por que estás com a bola no braço? E ele disse-me: O árbitro vai mandar repetir, eu lixo-te e desta vez marco.E eu disse-lhe: Então eu não vou dizer nada, vou defender e ainda ficas pior», atira. 

Manuel Abrantes aproximou-se do árbitro que era Graça Oliva. «Só lhe disse uma coisa: se vocês não viram se o Vítor Madeira estava em campo, esqueçam lá isso. Eles que joguem à bola que são melhores do que nós. Ele olhou para mim e disse: Tem razão. E o jogo seguiu» contra entre risos. 

Aquela exibição marcou Manuel Abrantes: «Foi uma coisa do outro mundo. Ainda hoje, quando o F.C. Porto vem cá jogar e o senhor Pinto da Costa me vê brinca comigo: Manuel, não vais jogar pois não? E eu respondo: Esteja descansado que desta vez o mister não me convocou»

«Não éramos nós que nos agigantávamos, o F.C. Porto é que ficava intimidado sempre que vinha cá. Nós jogávamos sempre da mesma maneira e eles tremiam sempre. Fazíamos bons jogos com o Sporting e o Benfica, mas contra o F.C. Porto era diferente», assume. 

Óscar: golos por uma camisa

Óscar, outra das figuras do Estoril da época, também guarda recordações dos embates com o F.C. Porto. E da vida no Estoril, aliás, apesar das dificuldades que passou. 

«Andava sem dinheiro, não recebia há muitos meses. O senhor José Torres vinha sempre ter comigo e fazia-me uma promessa: se marcares um golo este fim-de-semana, levo-te a uma boutique de Cascais para compares uma camisa. O homem levou-me lá quase dez vezes em duas épocas. Acho que ainda uso algumas dessas camisas chiques», conta. 

Guarda boas memórias da vida na equipa da Amoreira a ponto de ignorar alguns revés de peso: «O presidente era o senhor Alfredo Farinha, jornalista. Ele tinha boa vontade, mas quando saí para o F.C. Porto ficou a dever-me uns milhares de contos. Esqueci tudo porque o Estoril me ajudou muito».


in "maisfutebol.iol.pt"


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