sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Rui Moreira. "Já defendi o presidente do Benfica"

Rui Moreira, adepto que do FC Porto que abandonou em directo o Trio de Ataque, da RTPN, diz que António-Pedro Vasconcelos é o porta-voz do Benfica e recusa ser carrasco ou testemunha em "tribunais de opinião pública". O ex-comentador defende Pinto da Costa e critica Luís Filipe Vieira por incitar à violência.

Como foi a experiência de abandonar um programa em directo? Há algum tempo que não ocorre algo semelhante.

Lembro-me de Francisco Sousa Tavares abandonar um programa em directo e de Santana Lopes. Na altura não me lembrei dos antecedentes. Não foi algo pensado. Não dei gritos, nem urros, nem atirei cadeiras. Sai de uma forma tão discreta que teve de ser o comentador a explicar que eu me tinha ausentado do programa.

Arrependeu-se?

Não. Acho que fiz aquilo que devia ter feito. Por um lado, o Hugo Gilberto tinha, por duas vezes, prevenido o António-Pedro de que estava a cometer uma ilegalidade e, em segundo lugar, eu tentei junto do António-Pedro, de uma forma razoável, admoestá-lo para as consequências do que estava a fazer. Isto não se enquadra na ideia que eu tenho do António-Pedro enquanto cidadão. Acho que há circunstâncias em que a melhor forma de interromper uma conversa é sair. Ele ficou lá e foi livre de dizer o que quis. Não censurei ninguém. Faria certamente a mesma coisa hoje.

Não estava à espera de que se falasse nas escutas?

Já no programa anterior o António-Pedro tinha feito uma referência a escutas. As escutas, quando surgiram, eram um facto público. Na altura, tive a oportunidade de ouvir as coisas que ouvi e de concordar com algumas no programa. Uma coisa diferente é tentar, relativamente a um tema que já foi julgado, levar isso para um julgamento público. O António-Pedro disse especificamente, antes de eu me levantar, que, independentemente do que aconteceu nos tribunais, entendia que o assunto devia ser julgado pela opinião pública. Comparando com o caso Casa Pia, e com o que aconteceu com o Carlos Cruz, este caso parece-me paradoxal. Nesse caso, independentemente dos direitos que tem de defender-se em recurso, ele foi julgado e depois houve um movimento nas televisões para o inocentar através da opinião pública. Não aceito isso e muito menos aceito que se faça o contrário. O senhor Pinto da Costa ganhou todas as acções que tinha em tribunal. Nuns casos nem chegou a ser acusado, num foi acusado e foi ilibado.

Se esta situação fosse sobre outro clube e incidisse sobre o presidente do Benfica, teria tido a mesma atitude?

Nós nunca sabemos o que fazemos. Só lhe posso dizer que espero que sim. Relativamente ao presidente do Benfica, defendi-o de uma insinuação que o António-Pedro fez há menos de dois anos. Numa altura em que o António-Pedro tinha uma visão diferente do Benfica e pôs em dúvida se o presidente do Benfica era benfiquista. Nessa altura disse que ia abrir uma excepção - nunca falo dos dirigentes dos outros clubes - e disse que achava inadmissível que um adepto do Benfica ou de outro clube pusesse em dúvida o benfiquismo ou o portismo do seu presidente. Não sendo uma situação análoga, já defendi o presidente do Benfica.

Já ouviu as escutas no Youtube?

Não, mas sei quais é que estão cá fora. O que está por trás disto é uma guerra que existe neste momento em que o Benfica conseguiu assumir o controlo sobre pessoas que participam em programas desportivos, e que anteriormente eram livres, como eu sou livre. E que passou a fazer com eles reuniões, que denunciei. Eu tinha denunciado dois programas antes do célebre almoço no Estádio da Luz em que estavam presentes Rui Gomes da Silva, António-Pedro Vasconcelos e a direcção do Benfica, em que foram decididas aqueles tomadas de posição que os órgãos sociais do Benfica vieram a concretizar no dia seguinte. Há um alistamento dos comentadores nos programas desportivos, o que altera as regras do jogo. Eu nunca fui representante do FC Porto.

Diz que não gosta de ouvir escutas particulares, mas em Fevereiro comentou o caso Face Oculta e as escutas ao primeiro-ministro. Vê de forma diferente as escutas a Sócrates e a Pinto da Costa?

Nada disso tem a ver com o que se passou. O que disse sobre as escutas do Face Oculta foi avaliar aquilo que era público. Tinha vindo da Alemanha, e pelo que li na imprensa internacional José Sócrates passara a fazer parte do problema. Em 2005 todos comentaram as escutas do FC Porto. Não podemos ignorar o que é público e avaliar o seu impacto. Isso é diferente de revelar conteúdos. Não li as escutas a José Sócrates. Admito comentar tudo aquilo que é tornado público, mas não cometo ilegalidades. Acho que não fiz nada que possa ser comparado com isto. Vivemos num país estranho. As pessoas que são constituídas arguidas são tomadas pela opinião pública como culpadas. A revelação de escutas torna-nos a todos em julgadores.

Mas chamou a António-Pedro Vasconcelos representante do Benfica.

Com certeza. De facto o que o António-Pedro passou a ser é um representante do Benfica. Eu nunca fui representante do FC Porto. Não só porque nunca me pediram, mas porque também não fazia sentido. Nunca pedi a autorização do Porto para ir fazer o programa. Muitas vezes critiquei e louvei dirigentes e actos da direcção e nunca ninguém discutiu comigo. Também nunca senti que alguém ia interferir.

Está a dizer que esta atitude de António-Pedro Vasconcelos é uma estratégia pensada com o Benfica?

Acho que sim. Isto tem a ver com uma estratégia que o Benfica arquitectou, de que fazem parte essas medidas, e de transformar as posições dos benfiquistas numa linha única.

É então uma espécie de porta-voz do Benfica na sua opinião?

Eu chamei-lhe isso e ele não negou.

A RTPN tentou convencê-lo a voltar?

Ninguém me tentou convencer. Dei explicações à RTPN verbalmente, na própria noite, e por escrito, no dia seguinte. A partir daí a RTPN tomou a decisão que tomou.

Foi dispensado do cargo de comentador desportivo. Se não tivesse havido essa dispensa voltaria?

Não voltaria a fazer um programa naqueles moldes e com aqueles princípios.

O que estava em causa com a divulgação destas escutas?

São os princípios da legalidade. Mas eu acho que, quando associamos a isto outras medidas que o Benfica anunciou, como esta posição estranhíssima de apelar aos seus adeptos para que não participem em jogos fora de casa, ao desafiar a violência relativa à sua vinda ao Porto... Estou de acordo que se combata a violência, mas outra coisa é desafiar a violência. Acho que as declarações de Luís Filipe Vieira são faíscas num depósito de gasolina. É uma táctica perigosa montada pelo que parece ser uma central de informações em que um conjunto de pessoas colabora numa estratégia de afrontamento.

Está a sugerir que o António-Pedro Vasconcelos colabora nessa estratégia através do Trio de Ataque? Não devia ser um programa normal?

Durante muitos anos o programa foi uma coisa normal. Depois houve um momento em que se transformou num programa pouco normal quando o António-Pedro começou a tomar uma posição activa num acto eleitoral do Benfica. Soube-se no Parlamento que chegou a convidar o José Eduardo Moniz para avançar para a presidência do Benfica. Depois houve uma conversão. Tenho amigos que mudaram de religião e respeito isso. As regras do jogo alteraram-se com a conivência da RTPN que deveria ter definido claramente o que entendia para o programa.

O comentador do Sporting também dizia o que pensava?

Nunca houve da parte do Rui Oliveira e Costa - ainda que nunca tenha omitido o facto de ter uma relação privilegiada com os dirigentes do Sporting - um alinhamento excessivo. Tanto não houve que o António-Pedro passava o tempo a acusá-lo de ser portista.

O que é o Trio de Ataque agora?

Será aquilo que as pessoas que lá estão fizerem dele.

O FC Porto emitiu um comunicado a dizer que não apoiará outro representante no programa nem lhe prestará informação.

Não tenho responsabilidades sobre o comunicado.

Qual é a sua opinião sobre o Miguel Guedes, que o substituiu?

Teve a consideração de me telefonar a perguntar se me importava que me substituísse. Também é verdade que em Agosto, quando não pude fazer o programa, sugeri o Miguel.

Vai continuar a ver o programa?

Certamente que não.

Aceitará propostas para comentador desportivo noutro programa?

Nos tempos mais próximos não.

Nesta altura de crise, como vê o Norte?

Tenho dificuldade em falar de um Norte. Não há um Norte. Tem assimetrias. Vivemos um tempo em que há sinais contraditórios. O Porto sofre a crise, o desemprego e a pressão de um Estado mais opressivo. Mas ao mesmo tempo nota-se no Porto um ressurgir do empreendedorismo. Parece que os portuenses se convenceram de que este Estado não lhes vai dar nada. Vamos ver o que isto dá.

O Porto e o seu aeroporto ficam de fora do TGV. Em que medida isso afectará o Norte?

O problema é do país, não vai afectar directamente o Porto. Acho o Estado, através das decisões do governo, vai cometer um erro terrível. A decisão de construir o TGV Caia-Poceirão é um desastre nacional. Uma tragédia. Há um novo-riquismo deste governo que é ridículo. Nós somos novos-pobres. Duvido que seja necessário um TGV. Há soluções mais convenientes, como uma linha de alta velocidade. O governo quer a oposição viabilize o Orçamento do Estado (OE), mas recusa-se a discutir estas questões.

Gostaria que o OE fosse aprovado?

É inevitável que venha a ser viabilizado, mas era preciso que o primeiro-ministro tivesse o sentido de Estado que acusa o PSD de não ter. Não se pode ter um país em que a oposição é acusada de um mau governo. Isto é ofensivo e insuportável. Gostava de saber o que o candidato do Bloco de Esquerda - que o PS apoia - pensa sobre tudo isto e sobre a greve geral.

Apoia o candidato presidencial Fernando Nobre?

Tenho muita estima por ele. Acho que é um grande português e quero acreditar que os melhores de nós devem ser escolhidos para esses cargos.

Concorda com as portagens nas Scut?

As Scut foram inventadas pelo PS, que agora devia pedir desculpa. Se não as pagarmos hoje são os nossos filhos que as vão pagar.

Admite candidatar-se no futuro à Câmara do Porto?

Acho que não devemos dizer se vamos ou não a festas para as quais nunca fomos convidados.

in "ionline"

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