domingo, 31 de outubro de 2010

Um dragão a caminhar sobre água sem patinar


Quando não há assunto fala-se de quê? Do tempo, obviamente. A diferença, aqui, é que o tempo, mais do que conversa fiada, acabou por virar protagonista acidental, transformando um jogo que prometia muito numa desilusão instantânea. A expectativa de bom futebol, entre o primeiro e terceiro da tabela, dissolveu-se depressa, porque a chuva diluviana que encharcou sem misericórdia um relvado novinho - estreado há pouco mais de uma semana, depois de o anterior não ter resistido à passagem dos U2 por Coimbra - tratou de desfazer dúvidas logo aos primeiros pontapés: os artistas estavam dispensados; o jogo exigia paciência e músculo. O FC Porto foi mais consistente nessa combinação de físico e inteligência, caminhando sobre a água sem patinar.

Isto de caminhar sobre a água é capaz de soar a episódio bíblico e, de facto, marcar um golo tinha tudo para ser milagre. O de Varela não caiu do céu, mas quase: um lançamento longo de Álvaro Pereira ressaltou num desentendimento entre Pedro Costa e Berger, que se fizeram ao lance, e a bola sobrou para um remate à meia volta do extremo. Um golo bonito, a destoar no meio de um futebol feito de boa vontade, mas à base de pontapé para a frente quando a bola não ficava presa num relvado pantanoso. Com esse golo em cima do intervalo, e depois de uma primeira parte de encharcar até aos ossos, o FC Porto ganhava uma vantagem que haveria de ser decisiva, não só neste jogo mas também na equação que dele resulta: os dragões embalam com oito vitórias no campeonato, mantêm a distância para a concorrência e renovam o fôlego para um clássico que já ferve.

Dito isto, arraste-se novamente a história para o início, porque ainda há conclusões a tirar no meio de tanta água. Jorge Costa e André Villas-Boas resistiram à tentação de adaptar as respectivas estratégias ao que ditava o tempo. A habilidade de Belluschi, Varela, Laionel ou Sougou, por exemplo, não foi sacrificada em favor de um futebol mais directo. Isto no papel, porque no relvado a história haveria de ser outra: a bola não rolava o suficiente para grandes investidas artísticas e, nesse contexto de dificuldades, a adaptação do FC Porto viria a ser mais rápida e eficaz. Porquê? Porque Hulk é talento mas também é músculo; Varela idem aspas; Moutinho é franzino mas tem força de combate; Falcao dá-se bem com o futebol pelos ares e Belluschi sabe quando é hora de não inventar. Atrás deles, enquanto durou, Fernando foi um tractor que limpou tudo. O primeiro golpe para Villas-Boas acabou por ser, precisamente, a lesão de Fernando, a meio da primeira parte. A sorte foi a mudança que tinha operado na convocatória: sem o tractor Fernando, sobrava-lhe ainda o tanque Guarín. Villas-Boas, provavelmente, até pensava misturar os dois mais à frente no jogo, mas acabou por ser forçado a mudar antes.

Do outro lado, a Académica chegou a ameaçar nos primeiros minutos, mas foi-se afogando lentamente. Diogo Valente ainda esbracejou, mas não havia maneira de incomodar Helton a sério. Sem Nuno Coelho, castigado, Jorge Costa tinha apostado tudo em Diogo Melo e Hugo Morais, complementando a dupla com o talento de Laionel. Não resultou.

As duas equipas chapinhavam, apesar das tréguas dadas pela chuva na segunda parte, e a força física do FC Porto ia desnivelando as coisas. Jorge Costa tentava, então, uma ligação directa ao ataque, trocando Laionel por Éderzito. Passava a ter uma inédita dupla de avançados, contando servi-los sem grandes cerimónias pelo meio. Villas-Boas respondeu com Otamendi, tirando Varela. O argentino fixou-se como trinco improvisado, ajudando também a dupla de centrais; Guarín desviava-se para a esquerda; Belluschi continuava à direita e Moutinho (já amarelado) subia para um apoio mais próximo a Hulk e Falcao. Quase no minuto seguinte, Moutinho podia ter encerrado o jogo de vez, mas o penálti que foi encarregado de marcar esbarrou no poste. Também nos ferros esbarraria a reacção da Académica, feita de coração aberto nos últimos minutos: um livre de Hugo Morais bateu com estrondo na trave e a recarga de Sougou saiu por cima. Fim de batalha.

in "ojogo.pt"

1 comentário:

dragao vila pouca disse...

Vejo futebol há mais de 40 anos e nunca vi um jogo ser disputado nas condições em que foi disputado o Académica/F.C.Porto. Ou melhor, vi um, mas foi interrompido ao intervalo, o F.C.Porto/Anderlecht no ano de 1978. Que o futebol é um jogo de Inverno, é verdade, mas tem de ser disputado num terreno de jogo em condições mínimas. E hoje, no Municipal de Coimbra, o campo estava impraticável, sem as mínimas condições, parecia uma piscina, que a cada lance colocava em perigo a integridade física dos jogadores. Saiu a lotaria à equipa portista, é verdade, mas também é verdade que o estado do terreno prejudicou mais o conjunto de André Villas-Boas, mais tecnicista, com um futebol mais apoiado, mais trabalhado e que atacava mais na procura da vitória. Somos uma boa equipa de futebol, mas e hoje ficou claramente demonstrado, não somos uma boa equipa de Pólo Aquático.


Ganhamos, era o mais importante, porque é ganhando estes jogos que se ganham campeonatos, mas mesmo tendo ganho, não posso deixar de colocar algumas perguntas: porque se realizou o jogo naquelas condições? Porque deixou Duarte Gomes que o jogo se efectuasse, com o campo num estado que não permitia que a bola rolasse, propício a choques, que poderiam resultar em lesões graves? Não terá Fernando sido vítima, das circunstâncias em que se realizou o encontro? O que esperava o juíz de Lisboa, ao permitir que o jogo se realizasse? Tenho uma teoria, mas o futebol precisa de tranquilidade, de paz e por isso não digo, o que me apetecia dizer, sobre as razões que levaram o moranguito sem açucar, a não adiar o jogo.

Como entendo que o jogo não se devia ter realizado, não vou falar de mais nada, nem sequer da monstruosa exibição de Belluschi, nem do belíssimo golo de Varela que valeu os 3 pontos, mas não posso deixar de dizer e para terminar, que bicada de bicho não faz mossa.

Um abraço