sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Quem quer ser milionário?

Perguntas. É este FC Porto mesmo imparável? Porque quebrou o Benfica? O regresso de Moutinho a Alvalade.

O futebol de 'amor à camisola' que reclamam os adeptos mais antigos é hoje, nos migratórios tempos modernos, uma causa perdida. Esse legado de respeito infinito que os jogadores tinham com um clube já não tem quase sobreviventes. Moutinho entrará em Alvalade com a camisola do FC Porto como símbolo dessa nova ordem (ou desordem, depende da perspetiva). O ponto mais estranho da história é essa mudança ter sido pacífica, produto de um acordo entre todos, e não hostil como outras do passado. Ser assobiado quando tocar na bola nem o irá incomodar muito. Até porque Moutinho também é importante (decisivo) quando... não tem a bola. O 'motor de futebol' que esconde dentro de si continua igual. Percebo que não seja fácil, sem 'lupa tática', ver a sua contribuição decisiva no jogo. Eis a visão raios-X: pela sua rapidez, visão e 'generosidade tática' impede um dos maiores problemas que qualquer equipa pode ter no relvado: a fratura do seu meio-campo. Um jogador, portanto, idílico para qualquer treinador: fiável, solidário e, se necessário, com técnica e passe.

O meio-campo do FC Porto agarra-se a ele. Chega-se à 11ª jornada e parece que nada se pode fazer contra o poder do 11 azul e branco. Eu diria que sim, que algo se pode fazer: defender melhor, marcar, estar em cima dos espaços (e jogadores), não os deixar pensar (e jogar) e lançar contra-ataques. Não é pouco, dirão. Será este Sporting taticamente camaleão capaz de o fazer? A dúvida nasce, desde logo, por esse lado 'tático-camaleónico' surgir mais da indefinição do que da versatilidade. 4x2x3x1, 4x3x3, 4x4x2. Sistemas, sistemas. O melhor será o que for capaz de fazer tudo aquilo que escrevia atrás. O mais perturbante será, a certo ponto do jogo, perceber que o jogador (mesmo invisível) fundamental para isso está agora na... equipa adversária.

Apesar disso, parecerá estranho mas este pode ser o jogo ideal para o Sporting neste momento. A uma distância de 13 pontos, a frase 'sentir a pressão de ganhar' já não fará muito sentido. O seu campeonato já não passa pelo primeiro lugar. Mas, vencendo o primeiro classificado, Paulo Sérgio como que pode renascer. Porque, nesta fase, só uma vitória destas pode fazer alguém vê-lo como um 'treinador carismático', o único que faz verdadeiramente sentido num clube grande. Para qualquer das equipas, embora em circunstâncias diferentes, este jogo será como escapar da realidade no sentido de resgatar emoções. O campeonato, tirando, claro, na 'casa do dragão', está num acelerado processo de entristecimento.

Na coluna ao lado falo de duas razões para o abismo em que o Benfica caiu em Telavive: a ansiedade dos jogadores desde o primeiro minuto (com expressão no remate ou no último passe) e a substituição ao intervalo (tirar o rápido Saviola para meter Cardozo, sem ritmo de jogo). Prismas diferentes, portanto, para entender uma derrota e uma época deficiente, porque o lado emocional adulterado, a ansiedade, e os equívocos táticos (onde emergem os erros defensivos) já tinham surgido noutros jogos. Na origem, uma deficiente pré-época e os erros de casting na avaliação das características dos jogadores contratados para ocupar o lugar dos essenciais que saíram (algo que, neste jogo, se pode aplicar à troca do médio lutador e rematador Carlos Martins, que também vem recuperar atrás, por Salvio, ainda indefinido entre ser ala ou segundo avançado, mas que nunca recua). Uma questão particular que espelha um problema estrutural.

As perguntas feitas no título têm, portanto, respostas cada vez mais óbvias. É o pior que pode suceder a um campeonato: viver de certezas. Será que no futebol está mesmo tudo inventado?

Ansiedade com bola

É cada vez maior a quantidade de estatísticas que surge no futebol. Mas o resultado, no fim, e a bola, durante o jogo, raramente têm uma boa relação com elas. 21 cantos a favor, mais cinco ou seis flagrantes oportunidades de golo, diriam, estatisticamente, algo diferente do que uma derrota por 0-3. A exibição do Benfica em Israel caiu nessa 'armadilha'. Futebolisticamente, foi quase uma demonstração da 'lei de Murphy' em 90 minutos (quando uma coisa pode correr mal então ela irá ainda correr pior). Se há coisa que as estatísticas não conseguem, é entrar na cabeça dos jogadores e pressentir a sua ansiedade. Os processos de jogo encarnados foram os suficientes para criar muitas oportunidades de golo, mas esse estado emocional alterado, que se sentiu desde o início e se avolumou com o passar do tempo, impedia cumprir a formalidade do remate. Os erros defensivos são, depois, consequência disso.

O jogo reflete-se em passes ou remate. No papel da estatística, são todos iguais. Na relva do jogo, são todos diferentes. A ansiedade não se mede.

Ataque sem bola

Ao intervalo, Jesus fez uma substituição que colocou a dupla de avançados com um perfil diferente do habitual. Em vez de um avançado fixo e outro móvel (a combinação Cardozo ou Kardec com Saviola) colocou dois mais altos e fixos (Cardozo-Kardec). Saindo Saviola, saiu mobilidade e desmarcação. Uma alteração que pedia ofensivamente mais a Aimar, em vez de o concentrar só na construção, e pedia a Salvio capacidade para fazer cruzamentos. A equipa ficou a atacar com princípios (movimentações) em que não está rotinada. Passou a estar mais perto da baliza, mas mais longe do golo.

O futebol é, sobretudo, um jogo de criar espaços. Nesse sentido, mais importante do que 'estar' na área 90 minutos, é 'aparecer' na área no momento certo. Sem ansiedade, claro.

Pep & Mou Fútbol S.A.

O início do livro "El Método de Guardiola", de Miquel Violan, diz muito da sua essência: "Porque é que líderes com senso comum conseguem resultados descomunais?". A resposta está na pergunta. O 'bom senso' de Guardiola reflete-se na sua filosofia de jogo (técnica e passe) e nas suas relações fora dele (jogadores, adeptos, imprensa, adversários). Mourinho cultiva a arte do conflito para, através de 'jogadas mentais', fazer da equipa um exército. Diz mesmo que a conferência de imprensa também faz parte do jogo. Um poder de liderança com 'sentido comum' diferente, mas igual na capacidade de entrar na cabeça dos jogadores e de todo o mesmo entorno futebolístico.

Barcelona e Real Madrid tratam a bola de forma diferente. O Barça gosta de a ter o mais tempo possível. O Real gosta de a ter apenas o tempo essencial. Sem dilemas estéticos, Mourinho foge ao 'lugar-comum' de que todos devem atacar e defender. As obrigações só são iguais para todos no que toca a... defender. Não lhe interessa uma equipa partida em cinco que defendem e cinco que atacam. O ideal? Dez defendem sempre e, depois, só cinco deles atacam. Parece a mesma coisa, mas é muito diferente. Voltem a ler o parágrafo e pensem nisso.

Ronaldo está um jogador diferente. Nota-se no jogo coletivo e até na forma como passou a festejar os golos. Em vez de correr sozinho para a bancada tirando a camisola, dá a volta e procura o resto dos companheiros para abraçar. Messi continua como o miúdo que está a jogar no pátio da escola a quem todas as camisolas parecem ficar grandes.

Adepto de construções longas, Guardiola não se importa de dar 14/16 passes até chegar à baliza adversária. Mourinho quer chegar lá em três ou quatro. As táticas são diferentes, mas os estilos, no banco, com barba de três dias, têm as suas semelhanças.

Texto publicado na edição do Expresso de 27 de novembro de 2010

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