terça-feira, 12 de abril de 2011

FC Porto campeão - Com a impressão digital de AV-B

André Villas-Boas (AV-B) começou a ganhar a 25.ª Liga do FC Porto logo no dia em que foi apresentado ao plantel por Pinto da Costa. Estavam os jogadores à espera do sucessor de Jesualdo Ferreira quando, no LCD que o novo técnico mandara, entretanto, instalar no balneário (e noutras áreas de acesso restrito), começaram a passar as imagens da festa do título do Benfica, no dia em que a Luz, na recepção ao Rio Ave, lotou para receber a taça de campeão.

No vídeo viam-se Jorge Jesus e os futebolistas aos pulos no palco montado no relvado, enquanto tentavam, radiantes, acompanhar o We are the champions.

Dois meses volvidos e os festejos alheios estavam ali, no balneário portista, a ser usados para obter um efeito choque. A mensagem de Villas-Boas era evidente: ouçam-me com atenção e trabalhem afincadamente se quiserem ser vocês os protagonistas na próxima festa. O impacto ficou garantido num grupo de 24 em que 15 não sabiam o que era ser campeão. Dias depois, o FC Porto venceu a Supertaça, derrotando (0-2) um Benfica que pagou o desempenho do adversário e sua própria incompetência na gestão do sucesso. Aquele jogo marcou a época das duas equipas. Logo a seguir, a desconfiança instalou-se na Luz, com o Benfica a tropeçar em três das primeiras quatro jornadas. E o título ficou praticamente resolvido em Novembro, após o Benfica sair do Dragão humilhado com cinco golos sem resposta e a dez pontos da liderança.

Claro que não terão sido só os efeitos daquela e de outras jogadas psicológicas (que Villas-Boas bebeu do contacto com José Mourinho) a ajudar à transformação do FC Porto numa das máquinas mais fiáveis e interessantes de que há memória no futebol nacional. Provam-no os diversos indicadores estatísticos - o FC Porto pode igualar o melhor campeonato de sempre (sem derrotas e com apenas dois empates) conseguido pelo Benfica de Jimmy Hagan, em 72-73; e já bateu o recorde de vitórias (10) de uma equipa nacional numa prova europeia.

Continuou a ser determinante o peso de Pinto da Costa e da máquina organizativa. O presidente deu o primeiro sinal de não aceitar o domínio duradoiro do Benfica, cenário antecipado por boa parte de um país que, justificadamente, vivia entusiasmado com as provas de força e espectacularidade da equipa de Jorge Jesus. “Para o ano, vamos ter uma equipa à FC Porto, digna da história e dos pergaminhos do clube”, afirmou Pinto da Costa, ainda em Maio de 2010. E a verdade é que, mesmo sem os encaixes da Champions, o FC Porto investiu mais de 30 milhões de euros em Moutinho, Otamendi, James Rodríguez, Walter, Souza e Emídio Rafael. Investimento só possível porque confirmou a faceta de bom vendedor, obtendo mais de 36 milhões de euros, quase todos à conta de Bruno Alves e Raul Meireles. As saídas destes pesos pesados acentuaram a ideia de ruptura com o passado. Pelo meio, Pinto da Costa soube criar engulhos ao Benfica e ao Sporting. Primeiro, conseguiu que Villas-Boas torcesse o nariz à ida para Alvalade, o que terá contribuído para uma das piores épocas na história do Sporting. Depois, a abordagem a Jesus teve o condão de obrigar o Benfica a oferecer a este um contrato milionário, o que ajudou a criar anticorpos ao técnico, tanto no balneário como junto de Luís Filipe Vieira.

O Benfica acabaria por se recompor e partir para uma série de vitórias consecutivas, várias após exibições empolgantes. Mas foi então altura de o FC Porto dar sinais de maturidade e de cumprir praticamente sem mácula as “metas-volantes” que Villas-Boas foi estabelecendo, estratégia que funcionou internamente como um suplemento vitamínico.

Houve um conjunto de dados a demonstrar que este é um título marcado de forma indelével pelas impressões digitais do técnico, o que nem sempre foi verdade nos êxitos portistas. Como quando, após 14 vitórias e um empate nos primeiros 15 jogos, Villas-Boas teve uma das tiradas em que se percebe a vontade de causar impacto: “Se não for campeão, para o ano não estarei aqui.”

Com Villas-Boas, o FC Porto recuperou o que já não tinha desde os tempos de Mourinho. Há pontos de ligação na capacidade de motivação, disciplina, irreverência, discurso (embora o do special one seja mais guerreiro), perspicácia e juventude. Mas também no trabalho de campo, sempre vivo e metódico. E até nos sinais de independência em relação ao poder patronal, como quando lamentou a agressão ao vice-presidente do Benfica.

Villas-Boas soube ainda melhorar o rendimento de vários jogadores, principalmente Belluschi e Sapunaru. E Fernando deixou de ser apenas um trinco posicional e assumiu papel na organização. Manteve o 4x3x3 de Jesualdo, mas alterou o modelo. As transições rápidas deram lugar a um estilo de jogo mais atractivo, feito de posse e circulação. Com Jesualdo, o FC Porto não era uma equipa estilista, mas os adversários tinham dificuldades em lidar com o seu jogo terrorista. Agora, há um vigor juvenil e uma alma que parece contagiar os jogadores e as bancadas. Enquanto o Benfica é uma equipa sem freio, capaz de impor um ritmo torturador para os adversários, o FC Porto tem a mobilidade dos médios, movimentos de rotura e um catálogo de passes que lhe permite governar o jogo com mãos de ferro e “flirtar” sempre com o golo. Não há tacticismos estalinistas, antes a combinação da arte com o jogo. Mas sempre com a preocupação de não se desequilibrar, o que nem sempre ocorre com os “encarnados”.

Para a fórmula de sucesso foi essencial a chegada de Moutinho. Pelo governo discreto do meio-campo e por exponenciar o rendimento de Belluschi. A certa altura, o FC Porto perdeu finura, mas os deslizes com o Nacional (Taça da Liga) e com o Benfica (Taça de Portugal) não deixaram sequelas. Aí, foi Hulk a decidir quando e como é que se ganhava o jogo – segue na frente da listas de goleadores (21 golos) e de assistências (11) –, até porque o predador de área Falcao ficou 11 jogos na enfermaria.

No lote dos mais fundamentais importa ainda incluir Helton, a quem a braçadeira de capitão parece ter feito bem. Está a realizar a sua melhor época em Portugal (sofreu apenas oito golos). Decisiva foi ainda a gestão do plantel executada por Villas-Boas, não se tendo notado (ao contrário do que ocorreu no Benfica) sinais de desgaste. Nessa matéria, o maior destaque vai para Guarín, titular em 18 jogos nas diversas provas e com sete golos marcados (mais a acção decisiva, ontem, no autogolo de Roberto). Foi mais do que o 12.º jogador, tal como James Rodríguez, um jovem talento que já deixa muita água na boca.


Bruno Prata in "publico.pt"

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