
Luís Filipe, lateral do Olhanense, nunca tinha ouvido falar de tal coisa antes de ser treinado por Jesus. André Leone já os conhecia do Brasil, mas aprofundou a técnica no Braga. "Treinávamos, e muito! Até era ele [Jesus] que nos atirava a bola com a mão, para ser mais preciso do que se fosse com o pé", frisou. "Eu até podia cair no lance, mas o que importava era tapar o caminho ao adversário. Nem me preocupava com a bola. Virava-me de costas para ela e abria os braços em direção ao adversário", explicou a O JOGO. O ex-árbitro Jorge Coroado não tem dúvidas: se é isso que Jesus pede, então os árbitros pecam ao não assinalar falta. "Jesus é inteligente no aproveitamento do que é a regra, que, não sendo específica, atira para o primeiro parágrafo da Lei 5: a opinião do árbitro", explica, acrescentando que no clássico, como noutros jogos do Benfica, deveriam ser assinaladas várias infrações: "Fazem mais faltas nestas situações do que as outras equipas."
A fronteira entre legal e ilegal provoca desacordo entre os jogadores ouvidos por O JOGO. A estratégia é clara, mas a forma de a explorar só choca João Guilherme, do Marítimo, e Gaspar, do Rio Ave. "O Benfica não faz falta uma, duas ou três vezes; faz sempre. Ainda não vi nenhuma assinalada. No final de uma recente reunião de arbitragem, o próprio Vítor Pereira [líder do Conselho de Arbitragem] disse que bloqueios acontecem no basquetebol; no futebol, chamam-se obstruções. Se o avançado mete a bola na frente e é obstruído, marcam falta. Por que não o fazem também quando se trata de um lance de bola parada?", pergunta o defesa do Rio Ave, que recorda os tempos de Belenenses e a insistência com que Jesus abordava esse tipo de trabalho. "Se eu fosse árbitro e visse um defesa de costas para a bola, ficava duplamente atento. Se não olha para a bola é porque só procura obstruir o homem", justifica. João Guilherme partilha da opinião. "O Benfica faz muito isso. Mas é falta. Se os árbitros não marcarem, eles ficam com grande vantagem. Senti isso em todos os cantos e livres dos jogos frente ao Benfica", reclama o maritimista.
O FC Porto acredita no mesmo. Antes de Vítor Pereira o denunciar, já se temia o uso abusivo dos ditos bloqueios e, na reunião que antecedeu o jogo, o delegado portista tratou de pedir especial atenção ao árbitro Artur Soares Dias.
Declarações
"Obstruções e sempre falta"
"Bloqueio é no basquetebol; o que o Benfica faz são obstruções. E é sempre falta. Se marcam nas bolas corridas, por que não nas paradas? Várias equipas o fazem, mas de forma esporádica. Tive vários treinadores, mas só Jesus insistia nisso"
Gaspar, jogador do Rio Ave
"Treinávamos e muito"
"No Braga, com Jesus, treinávamos isso, e muito! Era eu que bloqueava os adversários para Moisés cabecear. Não me preocupava com a bola, mas em tapar o caminho ao adversário. Fazia uma espécie de parede e ele não conseguia correr"
André Leone, ex-jogador do Braga
"Não acho que haja faltas"
"Foi no Benfica que ouvi falar de bloqueios pela primeira vez. Não treinávamos, mas propunham-nos isso. Normalmente, os jogadores combinam entre si na hora. Mas não acho que haja faltas. Há os agarrões normais das confusões"
Luís Filipe, jogador do Olhanense
"Não é só o Benfica"
"Toda a gente vê que nas bolas paradas há bloqueios. Às vezes há penálti, outras vezes não. Mas não é só o Benfica a fazê-los; são situações usadas há muito tempo e por muitos treinadores. Mas hoje em dia, a análise é mais pormenorizada"
Hugo, jogador do Beira-Mar
"É dos que mais usam"
"Aqueles 'puxa-puxa' são normais, mas quanto melhor uma equipa trabalha os bloqueios, mais difícil se torna defender. Tive vários treinadores que usavam essa estratégia. Na Liga, o Benfica é das equipas que mais os usam"
Luciano, jogador do Feirense
"Iniciativa dos jogadores"
"Jorge Jesus trabalha muito os lances de bola parada, estuda os adversários e tenta encontrar espaços, mas não me lembro de alguma vez ter treinado este tipo de bloqueios. Penso que neste caso, a iniciativa partiu dos jogadores"
Fábio Faria, Rio Ave e ex-Benfica
"Árbitros mais atentos"
"O Benfica não faz jogo sujo, mas os árbitros têm de estar mais atentos. Eles não podem fazer estes bloqueios; é ilegal. Têm jogadores muito altos e aproveitam-se disso para tirar proveito dos lances de bola parada"
João Guilherme, Marítimo
"Faz parte do jogo"
"Sabíamos que o Benfica fazia esses bloqueios, mas como defendemos em linha, não nos afetou muito. Faz parte do jogo. Eu também já pedi a colegas meus para bloquearem o meu adversário em lances de bola parada"
Cohene, Paços de Ferreira
3 questões
Jorge Coroado, ex-árbitro
"Se não disputam a bola, é falta"
1 - Nos bloqueios de que Vítor Pereira se queixa, qual é o limite da legalidade?
O bloqueio será sempre considerado falta quando o jogador não tem objetividade na disputa da bola e antes e só na perturbação do adversário. É falta sempre que um jogador se interpõe entre o adversário e a bola, não se preocupando em jogá-la e sim em travar a marcha do adversário.
2 - Neste clássico, houve faltas desse género não assinaladas?
Houve. Nas bolas paradas, o Benfica tem uma forma de colocar os seu jogadores de forma a que estes bloqueiem os que mais apetência têm para chegar à bola alta. Colocar dois jogadores na ilharga de um adversário é uma forma sub-reptícia de evitar que ele dispute a bola. É uma ação inteligente, porque vai criar um aglomerado e perturbar a ação da equipa de arbitragem.
3 - As queixas de Vítor Pereira podem levar os árbitros a outros cuidados no futuro?
Há muitos macaquinhos de imitação, mas só se dá relevo a Vítor Pereira porque é o treinador do FC Porto. A verdade é que os árbitros podem, têm e devem ser eficazes e rigorosos na aplicação desta Lei do Jogo.
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