segunda-feira, 1 de julho de 2013

Entrevista a V. Pereira: «Faltou-me um Jackson no meu primeiro ano»


A viagem para Jeddah, na Arábia Saudita, já estava agendada. Burocracias, logística complicada, falta de tempo. Não foi fácil arranjar duas horas para conversar com Vítor Pereira, num período de viragem brusca na sua carreira. 

O treinador aceitou o desafio do Maisfutebol e assim concedeu a primeira entrevista a um jornal após a saída do F.C. Porto. 

Havia muito por perguntar e o técnico não fugiu a qualquer questão. Debaixo de um intenso calor, numa tarde em Santa Maria de Lamas, a conversa fluiu calmamente e passou por grande parte dos episódios vividos nos últimos três anos de dragão ao peito. 

Ao longo desta segunda-feira o Maisfutebol publicará o resultado deste encontro com o novo treinador do Al Ahli, um dia após o final do seu contrato com os tricampeões nacionais. 

Calmo, seguro, acessível e humilde, Vítor Pereira revelou-se um excelente conversador. Liberto das amarras e do peso evidente do dragão ao peito, o treinador olha com discernimento para as conquistas logradas, aceita a dor provocada pela eliminação em Málaga para a Liga dos Campeões e explica sem problemas a opção pelo Al Ahli: família, dinheiro e ambição desportiva, com o Mundial de Clubes no horizonte. 

Dos três anos no Dragão, e especialmente nos dois enquanto treinador principal, sobram os elogios para Lucho e Helton, os líderes do balneário, mas também a análise aos duelos intensos com o Benfica.

Jorge Jesus, o rival preferido, «vai deixar saudades» no técnico natural de Espinho. Vítor Pereira sublinha que um oponente forte, como Jesus, só podia ter torná-lo melhor treinador. 

Avesso a polémicas na despedida do F.C. Porto, Vítor Pereira fala sobre as negociações com Pinto da Costa, agradece o convite do presidente para continuar e explica todos os motivos que o conduziram à saída. 

Raras vezes Vítor Pereira se prontificou a analisar individualmente determinado atleta aos jornalistas. A regra é quebrada nesta entrevista ao Maisfutebol. O treinador enche Jackson de elogios, debruça-se sobre Kelvin, fala de um banco composto por meninos e até considera Steven Defour um elemento «especial».

Gostou sempre da resposta competitiva dada pelos atletas?
«Todos os jogadores do F.C. Porto cresceram. Os que jogam menos têm menos possibilidades de crescer, mas a base da equipa evoluiu bastante. Coletiva e individualmente. Por isso os clubes europeus querem o Jackson, o Mangala, o Alex Sandro, o Moutinho, o James, o Fernando... o Fernando cresceu para uma dimensão completamente diferente e é hoje um jogador completíssimo. Se o Porto quiser vender faz fortunas todos os anos. Como já fez novamente com as vendas do Moutinho e do James, aliás. Acredito que se mantivéssemos a mesma estrutura, e encontrássemos um ou dois jogadores rápidos e desequilibradores, evoluiríamos para outro patamar qualitativo».

Faltaram-lhe esses tais jogadores rápidos e desequilibradores?
«Faltaram, sim. Tínhamos muitos atletas de posse, de passe e qualidade, mas faltava alguma agressividade no um para um ofensivo. Em determinados jogos sentimos isso».

O Kelvin encaixaria nesse perfil de atletas que pretenderia para a próxima época?
«Não podemos pedir a um miúdo de 19 anos, que chega do Paraná, uma afirmação imediata. Não basta passar três vezes o pé por cima da bola e temos um jogador feito. O Kelvin faz aquilo uma, duas, três vezes, a equipa está à espera de sequência e ele não dá. Esse tipo de atleta tem de ganhar maturidade tática para que o individualismo se torne positivo. Isso demora o seu tempo, nomeadamente com jovens sul-americanos. E quando esses jovens chegam cá com estatuto de fora-de-série ainda é mais difícil encaixar, porque esta equipa tem uma tremenda maturidade».

Faltou-lhe um bom banco em determinadas situações?
«Tínhamos muitos meninos. Recordo-me do jogo na Luz, esta época. Tínhamos no banco Sebá, Kelvin, Atsu, Castro... o Castro está numa fase diferente, mas todos os outros eram muito jovens e inexperientes. Tínhamos, felizmente, um jogador especial, capaz de fazer várias posições e que foi importantíssimo para nós nestas duas temporadas: o Steven Defour». 

Como é que se encontra um Jackson numa cidadezinha mexicana chamada Tuxtla Gutierrez e num clube modesto como o Jaguares?
«O Jackson foi encontrado há três anos. Custava muito pouco dinheiro. Entretanto, mudou-se da Colômbia para o México e continuou a ser um avançado, do meu ponto de vista, evoluidíssimo. Tecnicamente fantástico, possuidor de uma personalidade forte, com argumentos para ser de top mundial. Acredito que com o crescimento, o profissionalismo e a maturidade que tem, será um dos melhores do mundo. Já devia ter vindo há muito tempo, já devia ter vindo na época passada».

Faltou-lhe um Jackson no seu primeiro ano?
«Senti muito essa falta. Para ganhar o campeonato, e bem criticado fui por isso, tivemos de desviar o Hulk para o meio. De outra forma não tínhamos conseguido ser campeões». 


«Sou doente por isto, vivo num mundo à parte»


As origens humildes estão em Espinho, a paixão pelo F.C. Porto foi-lhe inculcada pelo pai. Vítor Pereira apaixonou-se pela lenda de Pavão e viu pela primeira vez Cubillas às cavalitas do progenitor. O amor transformou-se mais tarde em doença, como explica o treinador nesta entrevista ao Maisfutebol. Não larga o bloco de notas nem a dormir. Como vai ser em Jeddah? 

Quem eram os ídolos de infância do Vítor Pereira?
«(risos) Nunca o vi jogar, mas o meu primeiro ídolo foi o Pavão. O meu pai falava-me muito dele, adorava-o. Depois, fiquei fascinado com o Cubillas na primeira vez que o vi jogar. A minha família era humilde, não era fácil ir muitas vezes ao Porto, mas o meu pai um dia levou-me às Antas e vi o Cubillas às cavalitas dele. Fiquei mesmo fascinado, grande jogador. 

Mais tarde, como eu era lateral direito, as minhas referências eram sempre os laterais: Gabriel e João Pinto. Depois passei a admirar, pelo muito que jogavam, Futre, António Oliveira e Madjer. Sou portista desde que me conheço». 

Quando decidiu ser treinador tinha algum nome que o influenciava? Algum mestre?
«Gosto de um determinado tipo de futebol, mais do que treinadores. Gosto do projeto do Guardiola para o Barcelona. Gostei também do projeto do Johan Cruyff no mesmo clube, embora do ponto de vista defensivo já me parecesse insuficiente. Admirava o AC Milan do Arrigo Sacchi, bela equipa. O primeiro ano do José Mourinho no F.C. Porto é excelente, a equipa jogava de forma fantástica. O ano da final de Sevilha».

Se não fosse treinador de futebol, o que seria hoje o Vítor Pereira?
«Não imagino a minha vida sem desporto. Sou mesmo doente por futebol, um bocadinho obsessivo. Não consigo separar o futebol da minha vida pessoal, levo os problemas da profissão para casa. Às vezes estou em casa, presente mas ausente, pois a minha cabeça está a pensar no futebol. Acredito que me tornei socialmente fechado, tenho essa consciência. Vivo num mundo completamente à parte, a pensar, a experimentar e a refletir as minhas ideias. Tornei-me fechado para os amigos, para as saídas, tornei-me dependente do futebol. Sinto necessidade de parar, mas vou de férias e levo o trabalho na cabeça. Isto é uma vida que desgasta a família. Julgo que há pessoas diferentes, colocam fronteiras nas várias vertentes da vida, mas eu não tenho essa capacidade.

Estou a dormir e sinto que não me desligo do futebol. A cabeça trabalha sistematicamente. Tenho ideias a dormir. Acordo e aponto num bloco as minhas ideias. É uma doença, é obsessivo e desgasta. Envelheci muito nos últimos três anos porque vivo as coisas desta maneira». 

E na Arábia Saudita vai ser igual?
«Vou viver as coisas da mesma forma. Não é só o Porto. Eu já era assim no Santa Clara e no Sp. Espinho. É assim que sei estar no futebol». 

Do que é que vai ter mesmo saudades quando estiver em Jeddah?
«O que me equilibra um pouco são os momentos que passo sozinho. Tenho necessidade disso. Isolo-me muito. Nesses momentos em que estou para tomar grandes decisões, ou em que estou stressado, vou ter saudades de me sentir no meu cafezito na Aguda e pensar futebol virado para o mar. Para mim esse é um momento mágico. Vou ter de encontrar a minha praia em Jeddah». 

«Vou ter saudades dos duelos com Jesus»


As trocas de palavras ficaram famosas. Muitas vezes passaram dos limites. Jorge Jesus e Vítor Pereira assumiram um duelo particular, finalizado com o treinador do Benfica de joelhos no Dragão e o do F.C. Porto em salto triunfal. Na entrevista aoMaisfutebol, Vítor Pereira fala desta rivalidade e dos confrontos explosivos contra os encarnados.

Falemos dos duelos com o Benfica. O Porto era de facto superior ou houve uma grande dose de demérito no oponente?
«O Benfica era uma equipa poderosa contra a maioria das equipas. Tinha várias opções para o ataque, acelerava muito bem o jogo - porque tinha jogadores para isso - e fazia bem as transições ofensivas. Mas contra nós não tinham hipóteses. O nosso modelo de posse, pressionante, não permitia que o Benfica fosse uma equipa de iniciativa, mas sim reativa. A nossa forma de jogar dava-nos o controlo dos jogos contra o Benfica».

O minuto 92 do último Clássico, com o golo do Kelvin, foi o seu momento mais intenso e emocional no F.C. Porto?
«Foi. Sim, jugo que sim. É um momento lindo, indescritível. Para mim e para os adeptos. Estivemos aquelas semanas todas à espera de ter novamente nas nossas mãos o controlo da classificação. Mesmo assim alguns dizem que o Benfica é que teve demérito e perdeu os campeonatos. Isso é uma desonestidade. O Porto provou que não falha nos instantes decisivos do campeonato, tem caráter e modelo de campeão. Foi fiel a si próprio e acreditou no seu jogo. Só por isso reverteu duas situações que pareciam impossíveis de reverter. Fê-lo, das duas vezes, com qualidade e não com sorte».

...
«Recordo, se me permite, que na época anterior fomos à Luz e virámos o campeonato ao contrário querendo ganhar o jogo, arriscando. Este ano, no Dragão, voltámos a fazer a ultrapassagem no confronto direto com o Benfica e arriscando muito. Não jogando especialmente bem, mas arriscando desde o início. Quem arrisca e é fiel às suas ideias é recompensado. Quem ganhou o campeonato mereceu ganhá-lo. Nós merecemos ser campeões. Sempre». 

Ficou surpreendido com o comportamento expetante do Benfica no último jogo no Dragão?
«Não, nada. Contra nós foi quase sempre assim, apenas reativo e à espera de uma transição rápida ou uma bola parada. O golo deles [Lima] nasceu de um lançamento lateral e nisso eram perigosos. A forma como jogámos na Luz, em Braga e em Alvalade não teve nada a ver com isso. Mesmo em Alvalade, onde não fizemos um bom jogo, tivemos mais bola e quisemos sempre ganhar, frente a um Sporting de linhas muito recuadas e defensivo. As equipas reconheciam a nossa qualidade e por isso fechavam-se atrás. Nós, mesmo sem espaços, conseguíamos circular e desgastar o adversário. Sempre a defender alto. O F.C. Porto era assim e creio que isso é um atestado de qualidade». 

Vai ter saudades dos duelos verbais com o Jorge Jesus?
«Vou ter saudades dos duelos com ele no campo. Somos duas pessoas diferentes, mas ambos extremamente competitivos. Reconheço-lhe competência e muito daquilo que dizemos é condicionado pela defesa da nossa cor clubística, pela vontade de vencer e competir. Não tenho saudades dos duelos verbais nas conferências de imprensa, sinceramente, mas dos jogos contra ele vou ter saudades. Quanto mais forte é o adversário, mais evoluímos e melhoramos. O Jesus é um adversário forte. Deu-me imenso prazer defrontá-lo. Foram duelos interessantes (risos). 

«Jogos perfeitos? Guimarães, Málaga e PSG»


A goleada aplicada ao Vitória, em Guimarães, e as vitórias nas receções a Málaga e PSG. Para Vítor Pereira, estes foram os três jogos em que o seu F.C. Porto atingiu a perfeição. Em entrevista exclusiva ao Maisfutebol o técnico fala ainda da frustração nos primeiros seis meses como sucessor de Villas-Boas e da dor após a eliminação da Champions no La Rosaleda. 

Nestes últimos dois anos o F.C. Porto foi perfeito em algum jogo?
«O jogo que mais gostei na Liga dos Campeões foi contra o Málaga, em casa. Só não conseguimos transformar em mais golos tudo o que de muito bom fizemos. E muita gente quis desvalorizar esse Málaga. Recordo que só foi eliminado em Dortmund depois do minuto 90 e com um golo irregular. De outro modo o Málaga teria chegado às meias-finais. Contra o PSG em casa também nos exibimos a um nível altíssimo. Para o campeonato, fomos brilhantes em Guimarães do princípio ao fim e fizemos cinco golos. Fomos avassaladores». 

E nos confrontos diretos com Benfica, Sp. Braga e Sporting?
«O saldo é muito positivo e a nossa natureza de campeão fez quase sempre a diferença. Principalmente nas fases decisivas de cada época».

O Villas-Boas sai, o Vítor Pereira surge, mas o início não foi fácil.
«Os primeiros seis meses foram muito difíceis, é verdade. Sinceramente, não me identificava nada com o treino e com a postura da equipa. Vários jogadores criaram expetativas de partida para outros campeonatos, onde iriam ganhar mais dinheiro, mas ficaram e tive de lidar com esses retalhos emocionais. Tentei minimizar estragos, mas não me admira nada que tenhamos falhado na fase de grupos da Liga dos Campeões. Faltava-nos solidez emocional no coletivo. Não havia um pensar de equipa. Havia muita gente mais preocupada com a sua vida e isso prejudicou-nos muito. 

Reorganizámos o plantel [saíram Fucile, Belluschi, Guarín e Souza, entraram Lucho e Janko] para a segunda volta e fomos mais compactos e consistentes. Ainda fomos a tempo de vencer o campeonato».

Em 2012/13 a história é muito diferente.
«Não tem nada a ver. Por exemplo, fizemos uma Liga dos Campeões muito boa. Até ao jogo em Málaga. Esse jogo penalizou-nos fortemente, principalmente do ponto de vista emocional. O Moutinho estava condicionado, jogou e lesionou-se por volta da meia-hora; o Defour foi expulso no início da segunda parte; o ambiente do La Rosaleda era difícil e o Málaga era uma equipa forte. Podíamos ter resolvido a eliminatória em casa e acabámos por ser afastados. Deixámos uma grande imagem na Europa, apesar da eliminação me ter custado imenso.

No campeonato tivemos um momento pior depois do jogo com o Málaga, em casa, mas o mais duro foi o empate com o Olhanense. Podíamos ter passado para a frente e não foi possível. Ainda assim a equipa nunca oscilou muito. Fizemos grandes jogos, não me digam o contrário. É óbvio que tivemos outros de menor inspiração, mas fomos quase sempre seguros. Com esta matriz chegámos ao tricampeonato e muito bem». 

«Lucho e Helton eram a minha extensão em campo»


Lucho Gonzalez, Helton, mas também João Moutinho, Otamendi, Jackson e até Mangala. Vítor Pereira nomeia os atletas que considerava serem os líderes da equipa, sempre com El Comandante e o guarda-redes brasileiro na linha da frente. Tudo para ler nesta entrevista exclusiva ao Maisfutebol.

O Paulo Bento dizia há poucas que semanas que o João Moutinho é a sua extensão dentro do campo. E no Porto, quem era a sua voz no relvado?
«O Lucho é um jogador muito importante. Pela experiência, pelo equilíbrio que transmite à equipa nos momentos mais quentes, é essencial. O Helton também é outro atleta que passa aquilo que pretendo. Tem muitos títulos, é um vencedor. Depois havia o Moutinho, taticamente inteligentíssimo. A equipa tinha vários líderes em campo. O Otamendi é um atleta de personalidade muito forte, o Mangala é um jovem e já tem um caráter tremendo, ganhador. O Jackson, para mim, é extraordinário».

É possível transportar para a Arábia Saudita as ideias que defendeu para o seu F.C. Porto: posse de bola, circulação, pressão alta...?
«Quando os responsáveis do Al Ahli estiveram em Portugal, a conversar comigo, informei-me o mais possível sobre aquilo que será possível fazer. Acho que há qualidade técnica, juventude e experiência no plantel para fazer isso. As minhas ideias são fruto de anos de reflexão. Não vou mudar a metodologia que defendo. Esses são os princípios em que acredito: posse e pressing. No Porto de Vítor Pereira o ADN era claro. Sempre nos quisemos impor com bola, a querer dominar o adversário, a querer circular com paciência. E, depois, uma equipa muito agressiva no momento em que perdia a bola». 

As equipas que sabem ter posse de bola andam sempre mais próximas do sucesso: é isso que defende?
«Acredito nisso. Há um estudo recente que demonstra um dado inequívoco: nos grandes campeonatos europeus, a segunda equipa com mais posse de bola foi o F.C. Porto, atrás do Barcelona. Ao mesmo tempo éramos uma equipa que poucas oportunidades de golo concedia ao adversário. Foi este o equilíbrio que sempre procurei. Em 2011/12 fomos a equipa com mais golos marcados e menos sofridos; em 2012/13 fomos a equipa com menos sofridos e o segundo melhor ataque. Os números não me deixam mentir».

Em 60 jogos no campeonato perdeu apenas um... 
«O trabalho é sempre de um grupo, de um staff. E eu estive três anos nas equipas técnicas do F.C. Porto. Portanto, permita-me alargar esse número para 90 jogos e apenas uma derrota. Tenho de me orgulhar do que fizemos, claramente. Ainda por cima, juntámos três campeonatos nacionais a esses dados. E sem os títulos nada faria sentido. O F.C. Porto é tricampeão nacional. Como treinador principal perdemos só em Barcelos e recordo-me bem dessa derrota». 

Nunca duvidou das ideias que defendeu para o seu F.C. Porto?
«Não, nunca. Mas já no meu primeiro ano, ainda com o André Villas-Boas, tentámos esse tipo de jogo, embora com jogadores de características diferentes. Se calhar mais talhados para fazer transições». .

«Liedson já não tinha as condições do passado»


Liedson foi contratado em janeiro e raramente saiu do banco de suplentes do F.C. Porto. Vítor Pereira nunca quis explicar em detalhe esta sua opção, mas na entrevista ao Maisfutebolreconhece que o nível do avançado já não se aproximava do que mostrara no Sporting. Sobre Izmaylov, outra revelação: o russo teve um problema insistente num joelho. 

O Liedson e o Izmaylov chegaram em janeiro ao F.C. Porto. Ficou satisfeito com o que eles acrescentaram?
«O Liedson estava em pré-época no Brasil e nós já estávamos com uma intensidade fortíssima, já com um tipo de trabalho diferente. Ele teve muito tempo para, pelo menos, chegar à condição física ideal para se poder expressar em campo. Acho que já não tinha as condições do passado, do Sporting, mas com mais tempo até nos podia ter ajudado mais. Dentro do possível, ajudou e foi um bom profissional. Esteve sempre disponível, fez um bom ambiente de grupo e foi útil na medida do possível.

O Izmaylov é um jogador de grande qualidade, mas teve dificuldades para apanhar o nosso ritmo. Depois foi prejudicado por uma lesão no joelho, que o incomodava e que lhe criou alguns problemas, nomeadamente na fase final do campeonato. Foram dois jogadores que nos ajudaram, dentro das suas possibilidades, a conquistar o campeonato». 

O que nos pode dizer dos reforços do F.C. Porto, nomeadamente dos menos conhecidos, Reyes e Herrera?
«Conheço os dois há algum tempo. Aliás, estava convencido que o Herrera ia chegar em janeiro, mas não foi possível. É um médio de grande qualidade. O Reyes é mais defesas central do que médio-defensivo. Aliás nunca o vi a jogar no meio-campo. O F.C. Porto está muito bem servido de centrais e o Reyes vai ter de trabalhar muito para evoluir e jogar. Mas tem boas condições». 

Vai levar algum jogador português consigo para Jeddah?
É complicado. A liga só permite três estrangeiros, mais um estrangeiro oriundo de outro país asiático. No plantel tenho o Victor Simões, um avançado brasileiro que tem sido várias vezes o melhor marcador do campeonato; apesar dos seus 32 anos é um jogador de muita qualidade. Além dele tenho o Bruno César (ex-Benfica), o Jairo Palomino (colombiano) e o Diego Morales (argentino). Estamos a ver se é possível mudar um dos estrangeiros. Além deles tenho o Imad Al-Hosni, um ponta-de-lança jordano. Vai continuar na equipa. Não é fácil fazer estas escolhas, mas isso também me atraiu. As regras são mais rígidas. 

[n.d.r.: a entrevista foi feita antes da contratação de Márcio Mossoró]

A ambição confessa de ganhar a Liga dos Campeões fica, por ora, adiada...
É verdade. Mas não me acredito que se esqueçam de mim. O que eu quero é bater-me com os melhores treinadores e os melhores treinadores estão na Europa. Em Inglaterra, na Espanha, na Alemanha. Quero medir forças com eles. Não sei quando, mas voltarei a fazê-lo. Sempre defini os meus objetivos de carreira: disse que chegaria à I Liga e cheguei, disse que treinaria um grande (de preferência o F.C. Porto) e treinei; agora digo com a mesma convicção que chegarei a uma final europeia e a Liga dos Campeões é a que mais me seduz».

as três razões que o levaram para o Al Ahli


A família, a proposta financeira e um projeto desportivo que pisca o olho ao Mundial de Clubes. Em entrevista ao Maisfutebol, Vítor Pereira explica por que razão optou pelo Al Ahli e fala sobre a realidade que vai encontrar na cidade de Jeddah. A «intensa pressão» de ser treinador do F.C. Porto levou-o a optar pela saída de Portugal.

Porquê o Al Ahli, porquê a Arábia Saudita após dois títulos consecutivos no F.C. Porto?
«Discuti o meu futuro com vários clubes, fui até a uma fase adiantada de conversações com alguns, mas decidi-me pelo Al Ahli depois de ter feito um balanço familiar, financeiro e desportivo. Foram estas três vertentes que coloquei na balança. A decisão pendeu para o Al Ahli». 

Sentiu a necessidade de abandonar Portugal?
«Depois de três anos de intensa pressão no F.C. Porto e de algum desgaste familiar e pessoal, achei que era o momento de partir. Decidi experimentar outro clube e outro projeto. De todos os que me surgiram, senti que encontraria neste [Al Ahli] a estabilidade familiar desejada. Até para fugir um pouco do ambiente dos últimos anos, com evidentes repercussões para a minha família». 

Levar a sua família consigo é fundamental?
«É, é mesmo fundamental. Precisamos de estar juntos. Somos muito unidos e uma experiência para os meus filhos no estrangeiro será importante. A partir daqui a minha carreira será feita fora do país e é bom que eles se habituem, melhorem o inglês e estudem numa escola internacional». 

Viver num país islâmico, radical em muitos dos seus costumes, não o assusta?
«Informei-me com os portugueses que estavam já na equipa de sub-23 e garantiram-me que vamos ter uma vida tranquila. É um país seguro. Temos de respeitar as diferenças culturais e religiosas, nada mais. Eu também faço uma vida calma, entre casa e trabalho. Não acredito que haja problemas por aí». 

Teve outros convites do Médio Oriente? 
«Sim, mas o projeto do Al Ahli era o que desportivamente mais me agradava. É um projeto diferente dos que encontraria no Dubai ou no Qatar. Quem vai para esses países são jogadores em final de carreira e não há limites de estrangeiros. Isso descaracteriza os campeonatos. Além disso há pouca gente nas bancadas a ver os jogos. Eu queria um projeto desportivo aliciante, apesar de ser noutro continente». 

Certamente informou-se bem sobre o Al Ahli. O que nos pode dizer sobre o clube?
«O Al Ahli tem uma excelente academia, possui vários jogadores na equipa olímpica de sub-23 e tem uma média de quase 40 mil espetadores por jogo. É um clube sedento por títulos e que não consegue ser campeão nacional há 29 anos. Isso é um desafio-extra para nós. Vamos disputar já os quartos-de-final da Liga dos Campeões asiáticos e se vencermos a prova estaremos no final do ano no Mundial de Clubes. Ou seja, apesar de me obrigar a ir para outro continente, o projeto é entusiasmante». 

O adversário nos quartos-de-final é acessível?
«É o FC Seul, da Coreia do Sul. Já se sabe que as equipas deste país são muito dinâmicas. Nós vamos estar no início da época, apenas com cinco semanas de trabalho, e eles já estarão numa fase mais adiantada». 

A proposta era também irresistível financeiramente?
«É uma questão importante. Vale mesmo a pena ter aceite o convite, sem dúvida. Juntando a isso tudo o que referi, tenho a certeza que escolhi bem. Vou ganhar noutro continente e voltarei à Europa quando tiver de voltar». 

«Pinto da Costa surpreendeu-me mas quis sair»


Vítor Pereira assume que sair do F.C. Porto «não foi emocionalmente fácil». De todo o modo, evita toda e qualquer polémica na despedida, elogia o posicionamento da SAD azul e branca nas duas semanas de negociações e diz, sem rodeios, ter ficado surpreendido com a «persistência» de Pinto da Costa. Tudo nesta entrevista exclusiva ao Maisfutebol. 

A euforia do bicampeonato, os elogios, toda a festa após a vitória em Paços de Ferreira: nada disto abalou a sua convicção em querer sair do F.C. Porto?
«Tenho oito anos de F.C. Porto: cinco na formação e três nos seniores. Esta saída não é emocionalmente fácil. A minha decisão demorou muito tempo a ser tomada. Mas um chefe de família não pode pensar exclusivamente em si e tenho de perceber que o momento obrigava-me a isto. Tenho quatro títulos como treinador principal e quatro como treinador adjunto no F.C. Porto. São oito títulos e isso não se esquece. 

Sai amargurado ou desiludido com alguém?
«Deixo amizade na família portista. Agradeço muito aos meus jogadores, os verdadeiros protagonistas, e também à direção e à administração. Permitiram-me trabalhar ao mais alto nível num clube como o F.C. Porto. Agradeço a todos os que proporcionaram estes títulos. Há muita gente a trabalhar na sombra. O técnico principal é só a face mais visível. Agradeço também aos adeptos, às nossas incansáveis claques e, de uma forma geral, à comunicação social. Saio de consciência tranquila. Tudo fiz para honrar e defender o clube. Saio tranquilamente e em paz com toda a gente, do presidente ao técnico de equipamentos. Foi uma experiência fantástica». 

Acha que é possível voltar um dia ao F.C. Porto?
«Provavelmente sim, mas só podemos controlar o nosso presente. O futuro a Deus pertence. Julgo que deixo uma porta aberta no clube e acho que os responsáveis do clube julgam o mesmo».

Negociou duas semanas com a direção do clube, após o final da época. Ficou satisfeito com o que ouviu e lhe foi proposto?
«Senti-me orgulhoso pela forma determinada com que a direção do F.C. Porto e Pinto da Costa me pediram a minha continuidade. Aliás, até fiquei surpreendido com a persistência deles. Não é normal darem tanto tempo a um treinador para tomar uma decisão. Mostraram que me queriam, mas tive de tomar uma decisão e comuniquei-a ao presidente no dia 29 de maio. A partir daí o F.C. Porto teve de partir para outras opções e eu para outros caminhos».

O F.C. Porto escolheu bem o seu sucessor?
«Não conheço bem o Paulo Fonseca, mas fez um excelente trabalho no Paços e justifica esta aposta. Diria mesmo que fez um trabalho brilhante no Paços de Ferreira». 

Em Portugal só o veremos a treinar o F.C. Porto?
«O meu futuro mais próximo não passa por Portugal. Vou trabalhar alguns anos fora do país. Mas não controlo em absoluto o futuro. Não posso, como profissional, dizer que não vou trabalhar aqui ou acolá. Isso seria irresponsável e eu com a minha família não sou irresponsável. Vamos ver as oportunidades que me vão surgir no dia em que decidir voltar». 

in "maisfutebol.iol.pt"

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