quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

«Como treinador em Portugal, só no FC Porto e na Académica»

Treinador português em grande entrevista à TVI e ao Maisfutebol

Villas-Boas aceitaria tomar um copo de vinho com Mourinho?André Villas-Boas concedeu uma grande entrevista à TVI e ao Maisfutebol, onde abordou vários temas relacionados com o passado, o presente e o futuro. 


Durante a longa conversa, que decorreu no Jardim Botânico do Porto, o treinador aceitou recordar o seu percurso na Académica e no FC Porto, para além de falar sobre o atual futebol português. 



Que clube ambiciona treinar ainda na sua carreira? 
«O clube que sempre ambicionei treinar foi o FC Porto, o meu clube, o clube da minha cidade. Tive a felicidade de o treinar e de vencer. Não havia muito mais que ambicionasse claramente para além disso.» 



«Sente que vai regressar um dia à sua ‘cadeira de sonho’?» 
«Quem sai prematuramente como aconteceu, por um conjunto de razões distintas, de uma forma que não foi bem recebida por todos, não pode ter direito a exigir seja o que for. Mas sinto que um dia terei um espaço reservado para mim no FC Porto, seja em que função for. Varemos, não sei que passos a minha carreira irá dar.» 



«Em Portugal, só o FC Porto? 
«Não quero que as minhas palavras sejam vinculativas, a vida de um treinador muda rapidamente. Não sei se posso voltar e em que funções posso um dia regressar ao futebol português. Mas, sem desrespeitar os outros clubes, como treinador principal só me sinto confortável no FC Porto e na Académica. Isto no futebol português, naturalmente.» 



Como está a sua relação com Jorge Nuno Pinto da Costa?
«Penso que está tudo normal, da minha parte é a mesma relação de sempre, mas os pormenores ficam em privado.»



Ainda recente, Will Coort saiu do FC Porto para ser treinador de guarda-redes do Zenit, o que levou Pinto da Costa a lamentar não ter sido informado antecipadamente, por exemplo. 
«Will Coort era um funcionário do clube, as obrigações foram cumpridas e tudo foi feito de forma clara. Penso que ficou resolvido na altura.» 



E recuperando o momento da sua saída, considera que o FC Porto acabou por ser compensando devidamente pela via financeira? 
«O ponto de honra, a haver um mais que outros, era o cumprimento da cláusula de rescisão e nesse aspeto foi cumprido. Não voltará a haver uma cláusula assim, um treinador a sair por 15 milhões de euros, no futebol mundial.» 



Como viu o clássico entre Benfica e FC Porto? Jesus foi taticamente superior a Lopetegui? 
«Os treinadores são sempre taticamente superiores no final do jogo, dependendo do resultado. O FC Porto nos primeiros 25 minutos tem uma entrada muito forte, surpreendendo um Benfica que pareceu apático e completamente distante do jogo nessa fase. Com entrada tão forte, esse domínio visível e com um pouco mais de eficácia, o resultado podia ter sido diferente, penso que foi essa a leitura do treinador do FC Porto. O Benfica marca nas mínimas chances que tem mas não se pode considerar que o resultado seja totalmente justo.» 



Que análise faz do trabalho de Julen Lopetegui? 
«É um treinador que marcou claramente o seu estilo, um estilo de posse, de toque, de largura máxima nas alas. Esses são os princípios que marcam o seu estilo, um estilo que tem dado mais frutos na Europa que nas competições nacionais até agora.» 



Acha que a desvantagem do FC Porto na Liga é recuperável? 
«6 pontos é sempre um registo negativo, num campeonato onde há campeões recentes sem derrotas. É uma distância muito difícil de abater. Por outro lado, o Benfica não está tão estável como antes, tem um onze bom mas não tem um banco bom. Devo dizer ainda que não é uma vantagem não estar na Europa, terá de haver uma boa reação nos jogos após cada semana de treinos intensos. O FC Porto não pode deslizar mais e tem de dar já uma boa resposta na próxima jornada, para depois pensar em 2015.» 



As derrotas em casa frente a Sporting e Benfica são algo que pesa a um treinador do FC Porto? 
«Não posso negar que isso pesa, sobretudo para o treinador, que se sente frustrado e é o principal responsabilizado. É algo que nos marca. Mas como disse em outro tema, o que nos marca faz-nos melhorar e terá de ser esse o pensamento do treinador do FC Porto.» 



Acha que teremos um campeonato a dois, entre Benfica e FC Porto? 
«Penso que sim. Penso que continuará assim, já que o salto qualitativo do Sporting para chegar a Benfica e FC Porto é difícil, mais a nível estrutural.» 



Como vê então o atual Sporting? 
«Vejo um Sporting mais à procura de equilíbrio emocional do que de outra coisa qualquer. Há dois pólos opostos, com um presidente emotivo e envolvido e um treinador que sabe o que quer, estável. São mais as disputas internas, parece-me a mim vendo de fora, que desestabilizam. De qualquer forma, a campanha na Champions, num grupo difícil, foi muito boa. O Marco deve estar orgulhoso do que tem feito e do futebol que propõe.»



Que jogadores se estão a destacar em Portugal? Já conhecia Talisca, por exemplo? 
«Não, não conhecia Talisca. É um jogador que marcou o início do campeonato mas agora nem tanto, ao ponto de parecer outro jogador. Neste último período, tem sido mais marcante Jonas que Talisca no Benfica. No FC Porto, destaco a subida de rendimento de Danilo e Alex Sandro, chegando a um nível que os levou de volta à seleção brasileiro e ao nível que justificou o investimento avultado do clube neles. Isso tem mais peso face ao estilo de jogo do treinador.» 



O Zenit vai contratar jogadores da Liga portuguesa? 
«É quase impossível. Estamos alertas mas limitados pelo fair-play financeiro, e o campeonato português tem verbas bastante elevadas em torno dos seus jogadores.» 



Gaitán não foi alvo do interesse do Zenit? 
«Não, comigo pelo menos não foi hipótese.» 

Villas-Boas e a Bola de Ouro: «Domínio absoluto de Ronaldo»

Quem merece vencer a Bola de Ouro este ano? 

«Estou à vontade para dar a minha opinião sincera sobre isso porque houve anos em que achei que Messi foi melhor. Nos últimos dois anos, notei em Cristiano Ronaldo uma mudança de atitude e uma dedicação inacreditável à profissão, um desejo incrível de vencer, mesmo sendo sempre colocado em dúvida pela qualidade do seu rival mais direto (Messi) e pela opinião de pessoas com posições de topo que não se deviam pronunciar sobre temas são sensíveis. Neste ano, creio que há domínio absoluto de Cristiano Ronaldo.» 



Ronaldo é então o melhor do ano, mas também o melhor do mundo? 
«Acho que sim, neste momento parece-me evidente. Penso que ele evoluiu ainda mais, nota-se em alguns comportamentos, até a linguagem corporal em campo mudou, e isso destaca-o ainda mais não só como jogador mas como personalidade do desporto, ao ponto de achar que se devia tornar indiscutível a sua eleição.» 



Gostaria um dia de trabalhar com ele? 
«Não sei se isso acontecerá, mas claro que gostaria. Pode ser que um dia os caminhos se cruzem, mas não sei.» 
Como é a sua relação com Jorge Jesus? 

«Nunca fomos inimigos, sempre houve uma relação de respeito que agora passou a amizade. Os diálogos quentes quando estava no FC Porto e ele no Benfica fazem parte da rivalidade entre os clubes, é algo que tem de estar presente e existir, mas dentro da cordialidade e não com recurso ao insulto infantil.» 



Foi ele que anunciou a sua ida para o Zenit e foi ele que confrontou Tim Sherwood, falando após o jogo com o Tottenham na defesa do ‘amigo André’. 
«Recebi esse gesto com grande orgulho e gratidão. Há vários jogadores do Tottenham por quem ainda tenho o máximo de carinho e respeito, mas não escondo que foi algo que recebi com orgulho e que agradeci. Na altura em privado, agora faço-o publicamente.» 



Em 2011, o André venceu quatro títulos com o FC Porto, agora Jesus fez o mesmo com o Benfica, mas não surgiu nem surge agora Jesus entre os nomeados para melhor treinador do mundo, o que pensa disso? 
«A mim não faz diferença, o reconhecimento individual é sempre algo injusto. Não penso que seja algo contra treinadores portugueses, porque Mourinho tem sido nomeado de forma justa e até venceu. Admito que a ausência de Jesus dos nomeados é algo surpreendente mas penso que ele não dorme mal por causa disso.» 



Acha que falta a Jorge Jesus provar o seu valor fora de Portugal? 
«A sua qualidade e a qualidade de jogo das suas equipas está reconhecida, mesmo com equipas que têm mudado radicalmente de ano para ano. Tem um valor internacionalmente reconhecido, chegou a duas finais da Liga Europa, mesmo que isso tenha sido após cair da Champions, uma prova que sempre foi negra para Jorge Jesus. Se acontecesse uma saída de Portugal, e não faço ideia se ele tem essa ambição, Jesus teria seguramente sucesso.» 
O Zenit serve essencialmente para relançar a sua carreira?

«Não me parece um termo adequado, foi sobretudo o projeto que me foi apresentado e a ida para um campeonato de perfil baixo, embora competitivo, interessante. A minha escolha também se deveu a uma fuga ao mediatismo elevado, era algo importante para mim. De mediatismo alto e falsas promessas já vivi o suficiente.» 


Percebe-se então que não tem interesse em regressar por exemplo a Inglaterra, onde se falou do Liverpool. 
«Não estou minimamente interessado em voltar a isso, voltar a Inglaterra não está seguramente nos meus planos. Tive conversas com o Liverpool, clube que admiro bastante, mas como disse, não está nos planos, embora saiba que a vida dá sempre muitas voltas. Gostei de treinar em Inglaterra, foi uma experiência positiva, mas também teve muito de negativo.» 



Arrepende-se de ter saído do FC Porto naquela altura para rumar a Inglaterra e ao Chelsea? 
«De forma alguma. Sou emotivo mas tomei a decisão em consciência, acho que foi a decisão certa. Claro que depois nunca se sabe o que vai acontecer, o que encontrei no Chelsea não foi o que eu desejava. Cheguei numa altura complicada para a vida privada do presidente, que raramente esteve presente. Isso afetou claramente. Mais tarde, fui surpreendido e ainda estou porque as intenções do presidente mudaram. Quando fui, a ideia era reformular a equipa.» 


E como avalia o seu percurso no Tottenham? 
«O Tottenham conseguiu um recorde de pontos e vitórias na primeira época, ficou a um ponto da qualificação para a Champions e fez uma grande campanha na Liga Europa, até aos quartos-de-final, onde foi eliminada nas grandes penalidades com o Basileia. Na segunda época, à mesma jornada, tínhamos mais pontos que na época anterior. Acabei por sair por mútuo acordo - não houve despedimento - porque apoiei bastante a escolha do diretor desportivo que entretanto se vendeu a outras ambições, fazendo com que eu ficasse com jogadores sem o perfil desejado. Falo de Franco Baldini, que veio da AS Roma e que agora está numa posição fragilizada, de saída do clube.» 



E a relação com o presidente do clube, neste caso? 
«Quanto ao presidente, propôs-me um desafio para aumentar o nível competitivo do Tottenham mas logo saiu Modric e não conseguimos os alvos identificados por mim, nomes como João Moutinho, Willian, Óscar e Leandro Damião. Foram promessas que não foram cumpridas. Não era um grupo de jogadores escolhidos por mim e senti que devia sair em comum acordo. Em dois anos perdi Van der Vaart, Modric, Bale, e todas as promessas que foram feitas falharam. De qualquer forma, não olho para o Tottenham como uma experiência negativa. Era uma experiência que precisava de ter.» 



E para o futuro, pensa por exemplo em treinar no futebol italiano, onde já esteve? 
«Não creio. O futebol italiano não está no seu melhor momento, não só em termos financeiros como também desportivos. A qualidade é questionável, pese embora o esforço de alguns treinadores no sentido de inverter isso.» 
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Falta então apenas Espanha, dos grandes campeonatos 

«Não vou por aí. Nesta altura preciso de desafios onde volte a conquistar títulos, é isso que marca a carreira de um treinador. O Zenit propõe-se a isso e estou grato e estimulado para esse desafio.» 



Em 2011, então no FC Porto, manifestou o desejo de ter uma carreira de treinador relativamente curta, de cerca de uma década. Falou até em treinar em países como Argentina, Chile ou Japão. Continua a pensar assim? 
«Terei seguramente uma carreira curta e irá surgir eventualmente outro campeonato, mas não me quero vincular como fiz nessa altura, iremos ver o que acontece. Não me vejo como treinador aos 50 anos. Penso que não. Veremos o que irei fazer, a vida proporcionou-me estabilidade financeira para abraçar outros desafios fora do futebol.» 



Treinar a seleção nacional é algo que entra no seu horizonte? 
«Se alguma vez for proposto esse desafio, que considero aliciante, espero tomar uma boa decisão, mas não sei se sou digno de receber tamanho privilégio.» 



Quanto terminar a carreira, como gostaria de ser recordado? 
«Não ligo muito a isso. Só preciso de sentir orgulho no que atingi e estou bastante satisfeito com o que consegui, consegui em cinco anos de carreira o que mais ninguém conseguiu em igual período.»

Villas-Boas aceitaria tomar um copo de vinho com Mourinho?

A relação com José Mourinho fez parte, naturalmente, da longa conversa no Jardim Botânico do Porto. Mas antes, um grande elogio à escola de treinadores portugueses. 

Portugal teve seis treinadores na Liga dos Campeões, como encara esse número? 

«É um imenso orgulho, penso que nesta altura a escola de treinadores portugueses é mesmo a mais forte, não esquecendo outras importantes como a própria escola dos treinadores que passaram pelo Barcelona, com uma mentalidade de jogo ofensivo. Em Portugal, o salto dá-se com José Mourinho, claramente, a partir daí viu-se a quantidade de jovens que prefere ser treinador a jogador, foi algo que se tornou notório a partir de 2001/02. O que marca a escola portuguesa é a vontade de dominar vários aspetos de jogo. Para além disso, a nossa capacidade de adaptação a vários ambientes e costumes. Isso vem da nossa história, da história de um povo emigrante, descobridor e explorador.» 



Aceitaria tomar um copo de vinho com José Mourinho? 
«Se houver novamente essa oportunidade, porque não? Essa pergunta é colocada de forma recorrente, como se houvesse animosidade. Ainda há pouco tivemos uma conversa, há uma relação de respeito mútuo e não se esquecem os momentos de vivemos, muito marcantes. Claro que, quando as pessoas passam a competir, as amizades costumam passar para segundo plano. Não devia acontecer, mas é assim.» 



Como assistiu ao regresso de alguns jogadores à seleção nacional, entre os quais Danny do Zenit? 
«Os que foram sendo excluídos com Paulo Bento foi mais por questões de disciplina, creio, e a partir do momento em que a Federação decide que pela Federação não há impedimento, acho que Fernando Santos tomou a decisão certa em os fazer regressar.» 



Concorda com a aposta em Fernando Santos? 
«Acho que Fernando Santos foi uma boa escolha, pela sua grande experiência, pelo trabalho na seleção da Grécia, e esperemos que o castigo seja ultrapassado, era importante. Mas na equipa técnica estão elementos competentes para assumir se isso não acontecer, como Ilídio Vale, uma pessoa que admiro e que tem muita competência.» 



Acredita que Portugal estará no Campeonato da Europa de 2016? 
«As vitórias frente a Arménia e Dinamarca apareceram, como era essencial aparecerem, e isso criou um espírito novo na seleção, sente-se isso. O leque de opções também aumentou e sinto que estamos no bom caminho para chegar ao Europeu.» 

in "maisfutebol.iol.pt"

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