sábado, 6 de novembro de 2010

'Máquinas' de futebol - Luis Freitas Lobo


Explosão. Há jogadores que passam a ideia de não precisar da equipa para serem os melhores. Não é bem assim. Dispensam colegas, não o ritmo certo.

No nosso campeonato, o rebelde Hulk, pela aceleração que mete na equipa, vive numa galáxia superior

Miguel Vidal / Reuters O futebol é um jogo fácil de entender mas difícil de descodificar. Nesse mundo há jogadores que, quase extra-terrestres, cruzam as duas realidades, simples e complexas. Por isso, é um erro ver os rebeldes como elementos subversivos que desafiam a ordem (imposta pelo treinador). Na maioria das vezes, eles apenas nos estão a dar 'informações novas'. É quase uma divisão de poderes. As melhores formas de jogar futebol (ou melhor, de virar um jogo de pernas para o ar) costumam estar escondidas neste tipo de jogadores. Fáceis de detetar, iguais na sua autenticidade, mas difíceis de descodificar.

Neste 'país das maravilhas', Hulk vive, no cenário do nosso campeonato, numa galáxia superior. Um instinto de jogo que imagino só poder ser treinado (domado) com divertimento mas que, mesmo assim, é de uma seriedade incontestável no jogo. O segredo é encontrar a 'voz certa' dentro da equipa. O facto do atual FC Porto de Villas-Boas ser, em comparação com o de Jesualdo, uma equipa estruturalmente mais lenta e com maior vocação (e vontade tática) para ter posse de bola tem favorecido muitos dos seus jogadores.

Belluschi é outro caso.

A velocidade de jogo que a equipa atingia à época na passagem da defesa para o ataque e do ataque para a defesa (as chamadas transições) colocava quase sempre Belluschi fora do jogo e do contacto da bola, porque, nessa vertigem de estilo, poucas vezes estava no espaço certo para a receber ou, sobretudo, tentar recuperar em missão defensiva, como Jesualdo lhe pedia. Villas-Boas até lhe pode pedir agora coisas semelhantes, só que em ritmos mais lentos e modelos de jogo (mais posse, menos transições rápidas) diferentes.

Uma vez, alguém disse, não me lembro quem, que, ao contrário do que dizem, as pessoas não mudam com o tempo, mas, pelo contrário, é o tempo que as descobre. No futebol também se fala muito em jogadores que se transformam. Pela aprendizagem tática, pelo amadurecimento mental, ou pelo que alguém lhes ensinou, etc. Será assim, mas penso que, em muitos casos, é mesmo o tempo que permite descobri-los. Qualquer pessoa, qualquer jogador, se orienta para o que faz melhor. Neste caso, o 'tempo' é vê-los jogar, ver o que fazem bem, mal e porquê. Ninguém resiste ao erro sistemático sem quebrar. O jogador fica então deprimido em campo. É quando se fala na tal 'desadaptação'. Quando o jogo da equipa criado pelo treinador o percebe (isto é, o descobre) dá-se o processo inverso. À medida que resolve um problema no jogo (no mesmo local onde antes falhava ou ele lhe passava ao lado), a aprendizagem/crescimento do jogador é cada vez maior. Até ficar 'taticamente adaptado'. Sem ter mudado com o tempo. Pelo contrário, foi ele que o 'descobriu'.

Hulk aprendeu muito com Jesualdo no plano tático (a sua grande base como jogador) mas nunca aprendeu a domar-se a si próprio e a relacionar a sua velocidade com o resto da equipa e jogadores sem 'superpoderes'. A missão de Hulk nunca será a de pôr ordem no caos (como faz um bom médio, estilo Moutinho ou Belluschi). A sua missão baseia-se na aceleração que imprime à equipa e muda o jogo. Sintoniza melhor com os avançados do que com os médios. Pode continuar a passar a ideia de que não precisa da equipa para ser o melhor (bastando para isso encontrar o timing certo de arrancar e travar para rematar), mas a forma como hoje entra melhor nos espaços e chega a eles (e à bola) primeiro do que os adversários é resultado da maior interligação que o seu 'futebol particular' tem com o da 'equipa coletiva'. Em suma: o novo estilo da equipa descodificou o seu jogo e tornou-o mais fácil de entender.

in "expresso.pt"

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