terça-feira, 31 de janeiro de 2012

«Há um problema: não dá para marcar de cabeça»

Há mais de três décadas, o Gijón gastou 60 mil contos num jovem de 23 anos que, algumas épocas volvidas, viria a sagrar-se melhor marcador da Europa por duas vezes. Gomes já não faz do golo um ofício, mas nem por isso retira emotividade ao reencontro.


A promoção que o clube tem feito do campeonato apresenta esta equipa como "FC Porto Vintage". É verdadeira a máxima "quanto mais velho melhor"?

Eu sinto-me bem, em espírito e em termos físicos. Treino com regularidade e tenho uma vida regrada, mas esse é um rótulo para outros colarem. Só posso dizer que me sinto bem.

O primeiro jogo é contra o Gijón, único clube pelo qual jogou fora de Portugal. Que guarda dessa experiência?

É um jogo de recordações para mim. Sou do FC Porto desde pequenino, Gijón foi uma cidade por onde passei muito jovem e onde tive a pior lesão da minha carreira. Foi lá que aprendi a sofrer e a ultrapassar dificuldades que me tornaram mais forte quando regressei ao FC Porto.

Na altura em que saiu [1980] não era frequente ver portugueses no estrangeiro. Como lidou com isso, com os 60 mil contos que custou e com a necessidade de substituir um histórico como Quini [comprado pelo Barcelona]?

Era um jogador emblemático, de facto. Eu era jovem, levei a coisa com outro à-vontade. Não pensava nas responsabilidades que tinha, apesar de ter custado 60 mil contos, o que na altura era bom dinheiro. De qualquer forma, o Gijón era, é e será sempre um clube inferior ao FC Porto na sua dimensão. Senti isso, mas marquei 5 golos num dos primeiros jogos e depois lesionei-me e tive de parar um ano, mas quando voltei fui o melhor marcador da equipa e cheguei à final da Taça do Rei. Enfim, foi bom e foi importante.

Mantém a ligação com o clube?

Volto lá várias vezes. Estive lá há dois anos, o presidente de agora [Manuel Vega-Arango] é o mesmo que me veio buscar ao FC Porto e tenho uma óptima relação com ele, muito próxima. Foi alguém que me apoiou e acarinhou, foram dois anos lá e tenho história no clube.

Todos falam de si como o "bibota". Acha que os adeptos vão estranhar se não for o melhor marcador deste campeonato?

Se calhar estranham, as pessoas olham para mim hoje e pensam no ontem. É difícil, mas vou ver se consigo um golito ou outro. Sem demagogia, o importante é que a equipa ganhe, sempre pensei colectivo e até nestes jogos isso é o mais importante. Se der para alguém fazer uma jogada bonita, tento melhor.

Está em forma para fazer trabalho defensivo ou a sua missão será exclusivamente a de marcar golos?

A minha condição já não me permite grandes veleidades, mas em campo a vontade pode superar as limitações. Não me quero comparar a quem tem menos 10 anos do que eu, vou apenas procurar não os deixar ficar mal. Se a bola aparecer por lá, é normal que tenha sucesso, mas até os melhores falham.

Estão várias glórias nesta equipa, mas se pudesse acrescentar alguém, quem seria?

É difícil, este é um jogo diferente, não tem nada que ver com futebol e há um problema que é não poder marcar golos de cabeça. Não prometo. Dos que jogaram comigo, gostava de ver Cubillas, Oliveira, Futre, Madjer... Não me faltariam nomes. O FC Porto teve duas gerações extraordinárias. Uma foi a que ganhou o campeonato depois de 19 anos e que foi bicampeã; e mais tarde a que fez as finais europeias de 1984 e 87. São gerações que marcam a história deste clube de forma extraordinária e que assentam em duas figuras maiores: o presidente Pinto da Costa e o senhor José Maria Pedroto. Por justiça, devo dizer, porém, que o FC Porto não existe só depois de 1970, porque conheço a história que o meu pai me contou de treinadores e jogadores fantásticos. Do que ouço, adorava ter jogado com Hernâni, um organizador de jogo, Carlos Duarte, um ala, ou Nóbrega, um ala esquerda que cruzava muito bem.

"Kléber é questão de tempo"

Imaginando que este campeonato lhe corre muito bem, há alguma hipótese de ainda fazer uma perninha na equipa de futebol?

Não. Mau era, porque eu seria muito pior do que qualquer um deles.

Mas como especialista, não acha que falta um goleador ao FC Porto?

Há vários factores que levam a esta especulação. Depois do Falcao, a responsabilidade seria enorme para quem quer que chegasse a seguir. O Kléber é um jovem com potencial, já o demonstrou no Marítimo e já o confirmou aqui. Sentiu, de facto, a responsabilidade num ou noutro jogo, é possível que tenha bloqueado um pouco a sua acção. A equipa, sobretudo no início, nem sempre teve as rotinas necessárias para um ponta-de-lança ter maior rendimento na área, mas para mim é tudo uma questão de tempo. Kléber está a iniciar o seu percurso a este nível, não se lhe pode exigir mais.

Vida dupla mas com marca do Dragão

A história de Fernando Gomes é a história do eterno retorno. Sempre o FC Porto. Há já alguns anos na estrutura da SAD, o antigo avançado tem hoje duas funções. Ligado ao departamento de scouting, avalia jogadores que possam interessar para o reforço da equipa de futebol. É uma actividade que lhe ocupa o dia-a-dia, mas que não o inibe de desempenhar uma função complementar no departamento de Relações Externas. Gomes representa o clube em sorteios e na visita a casas, dando a cara pelo FC Porto. Com 55 anos, diz estar bem consigo próprio e "entre amigos" na sua casa de sempre. A Liga Fertibéria é apenas um passatempo.

Fernando Gomes

IDADE 55 anos
CARREIRA NO FC PORTO 
De 1974 a 1980; De 1982 a 1989
NÚMEROS NO CAMPEONATO
342 jogos; 318 golos
TÍTULOS
1 Taça Intercontinental, 1 Taça dos Campeões, 1 Supertaça Europeia, 5 Campeonatos Nacionais, 2 Taças de Portugal,
2 Supertaças Nacionais; 2 Botas de Ouro, 6 vezes melhor marcador

in "ojogo.pt"

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