sexta-feira, 22 de março de 2013

Kiki, o rapaz das tranças que o F.C. Porto raptou


O maior susto da vida, uma mala cheia de dinheiro e a «barracada total» em Braga: reportagem-Maisfutebol



Kiki: destino, 80sDESTINO: 80's é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 80's.


KIKI: F.C. PORTO, DE 1989 A 1992



1989 é o ano de Kiki. O rapaz das tranças longas, o Bob Marley da Cidade da Praia. A paixão pelo F.C. Porto, de criança, é enfim correspondida. Os dragões antecipam-se ao Benfica (criativo, não?) e vão a Braga buscar este médio: raçudo, competitivo e nada trapalhão de bola nos pés. 



Kiki atende o telefone, 24 anos depois, em Cabo Verde. É empresário nas áreas da construção e alimentação. Está completamente afastado do futebol, mas com saudades do mundo da bola. O Maisfutebol convida-o a uma viagem ao passado e à noite em que tudo começou a fazer sentido.



A noite em que o F.C. Porto raptou Kiki. 



«Estava a chegar a casa, lá para as 22h30, entro na minha garagem e estava tudo escuro. Normal. Quando abro a porta, aparece-me um senhor já de alguma idade à frente, a poucos metros», conta Kiki, um bem disposto por natureza.



«Apanhei o maior susto da minha vida». Não custa a acreditar. «Eu reconheci o homem e percebi que era o Domingos Pereira, funcionário do F.C. Porto. Disse-me que o presidente estava à espera. Tínhamos de ir a correr para o Porto». 



Assim foi. Kiki entra no automóvel, faz a viagem a pensar no momento Soprano e é levado à presença da cúpula azul e branca. «Pinto da Costa, Reinaldo Teles e Pôncio Monteiro. Que simpatia, todos eles. Em cinco minutos ficou decidido: ia para o F.C. Porto e a minha vida ia mudar completamente». 



Tudo muda, de facto, para Kiki. Em três temporadas ganha duas vezes o campeonato nacional, trabalha sob as ordens de Artur Jorge e Carlos Alberto Silva, pisa os maiores palcos do futebol europeu. O menino da Praia passa a ser mais um na família azul e branca. 



«Faltavam muitos meses para acabar a época ainda e o Sp. Braga queria que eu renovasse. Fui suspenso, claro. Barracada total!», conta Kiki, já despido das longas tranças, as mesmas que entre 1982 1994 passearam o ar cool do reggae pelos relvados portugueses. 



«Já as cortei há alguns anos. Agora, se for a Portugal ninguém reconhece o Kiki». 



No dia posterior ao rapto, Kiki vai a casa de Pinto da Costa. Sai de lá com uma mala cheia de notas, «como nos filmes de gangsters». «Não havia cheques, muito menos contas bancárias», explica o antigo dragão. 



«Assinei o contrato por três anos e o presidente pagou-me tudo em dinheiro vivo. Eu nem contei o que lá estava. Saí de casa dele e fui logo depositar o dinheiro em três sítios diferentes», dispara o bom do Kiki, como se estivesse a reviver tudo. 



«Está a imaginar-me a entrar nos bancos, carregado com aquela mala? Pensaram que eu era um bandido. Valeu bem a pena».



Kiki tem uma vida «acima da média» em Cabo Verde. Deve-o aos dias «de bom dinheiro» no F.C. Porto. «Se não fossem eles, o que seria de mim aqui na Praia? Vendia gelados?» 

Kiki, o «gémeo falso de Vítor Baía»

A melhor exibição de dragão ao peito, os dias com mestre Pedroto e o guarda-redes inseparável: reportagem-Maisfutebol


Kiki: destino, 80sDESTINO: 80's é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 80's.


KIKI: F.C. PORTO, DE 1989 A 1992



16 jogos oficiais em 1989/90, 26 jogos e um golo (ao U. Madeira) em 1990/91, dez jogos em 1991/92: três anos «maravilhosos» no F.C. Porto. A melhor exibição, diz Kiki, foi conseguida em Bucareste. «Empatámos 0-0 com o Dínamo e enchi o campo. Até o Artur Jorge me deu os parabéns». 



Entrar num balneário campeão da Europa, recheado de monstros sagrados, intimida o mais impávido dos seres. Kiki não é diferente. Estranha e receia. Depois, tudo passa. «No final da primeira semana já ia aos almoços de quarta-feira. Se eu estava lá era porque eles me aprovavam».



O melhor amigo de Kiki é Toni [António Conceição], que com ele viaja de Braga. No F.C. Porto passa a ter outro amigo para a vida. Um menino de 19 anos chamado Vítor Baía. «Fomos morar para o mesmo prédio no Vale Formoso. Eramos os dois solteiros e muito bons rapazes».



«Passámos a ser os gémeos falsos, como diziam». E Kiki ri-se ainda mais. «Tínhamos casa igual e carros iguais. O dele era preto e o meu branco, claro. Partíamos tudo, nas horas permitidas». 



Domingos, «o craque», Fernando Couto, Jorge Couto e Folha juntavam-se aos gémeos falsos. Entusiasmo não faltava, mas tudo esmorecia na presença de Artur Jorge. «Vou-lhe ser sincero: todos tínhamos medo dele». 



Faltava falar de alguém: André. «O meu colega do meio-campo. Tínhamos um plano: nos jogos contra o Benfica e o Sporting provocávamos os adversários do princípio ao fim. Juntávamos atrás de um ao outro e ameaçávamos o tipo». 



«Não passava disso, mas assim se ganhavam muitos jogos. Contra o Benfica, em dez ganhávamos sete».



«Mestre Pedroto inventava todos os dias alguma coisa»



Antes de ser dragão, Kiki tem já uma carreira de respeito. Chega a Guimarães em 1982, «com 19 anos», pela mão de mestre Pedroto, por exemplo. «Era um homem especial, um brincalhão. Todos os dias inventava qualquer coisa nos treinos. Aprendi quase tudo com ele». 



Seguiu-se o Desp. Chaves e uma presença histórica na Taça UEFA. O clube acaba em quinto na época 1986/87 e chega às provas europeias. Elimina o Universitatea Craiova (Roménia) e é afastado pelo Honved (Hungria). Kiki está lá. 



«O treinador era o Raul Águas e jogávamos um futebol lindo, de bola no pé e pelo campo inteiro. Chaves é uma cidade de gente boa e ainda há poucos anos lá fui a uma homenagem». 



De Chaves, Kiki salta para Braga. Mais duas épocas de bom nível, agora treinado por Manuel José. «Bom homem, mas um excêntrico. Vivemos três meses juntos no mesmo hotel e passávamos imenso tempo junto. Quis levar-me para o Sporting com ele e o Braga não deixou». 



«Nas férias espalhei a notícia por Cabo Verde, pensei que ia ser leão e, à última da hora, tudo fracassou. Passei uma vergonha das grandes». 

Kiki, «Artur Jorge passava e nem nos cumprimentava»

O temor que o treinador impunha aos jogadores e o adeus às Antas com Carlos Alberto Silva: reportagem-Maisfutebol


DESTINO: 80's é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 80's.


KIKI: F.C. PORTO, DE 1989 A 1992



«Só tenho a agradecer a Artur Jorge. Foi dos homens mais inteligentes que conheci, mas...» Kiki começa assim a falar sobre o homem que o treinou no V. Guimarães (adjunto de Pedroto) e no F.C. Porto. Sim, a admiração é evidente, mas... 



«Vou contar-lhe uma coisa, para perceber. Num dos primeiros dias de folga no F.C. Porto fui dar uma volta ao shopping. Estava a ver umas montras quando, de repente, me cruzo com o Artur Jorge». Kiki, ingénuo, foi ter com o técnico. 



«Aproximei-me do mister para cumprimentá-lo, claro. Ele virou a cara e seguiu em frente. Fez como se eu não estivesse lá», conta o antigo médio do F.C. Porto, já a explodir numa gargalhada. «Artur Jorge não era um treinador normal». 



«No dia seguinte fui contar este episódio a alguns colegas. Disseram-me logo: já nos aconteceu a todos. Fora daqui [dos treinos e jogos] não existimos para ele. Percebi que era uma forma de ele manter uma distância grande para os jogadores e impor uma certa cultura de temor». 



Este era o lado mau de Artur Jorge. Não tinha qualquer relação com a equipa nos momentos estranhos ao trabalho. 



«A verdade é que ele nos intimidava. Quase todos tremiam ao falar com o Artur Jorge. Isso era nos dias bons. Nos dias maus, num dia de derrota por exemplo, ai de quem abrisse a boca. Vi alguns balneários partidos e fiz várias viagens de autocarro em absoluto silêncio». 



Artur Jorge, porém, era mais do que isso, diz Kiki. «A forma como preparava os jogos e comunicava connosco era excecional. Entrávamos em campo decididos a dar a vida por ele. Por respeito, por orgulho, por medo, ninguém queria falhar. Nunca ouvi ninguém dizer mal do Artur Jorge. Ninguém se atrevia». 



Em 1991, Artur Jorge saiu e chegou Carlos Alberto Silva. Kiki perdeu espaço e no final da época, em 1992, abandonou o F.C. Porto. 



«Já estava com 30 anos e cumpri o contrato de três épocas até ao fim. Joguei menos nessa última temporada, mas não tive problemas com o CAS. Bem pelo contrário, ele era mesmo brasileiro: comunicador, simpático, atencioso, boa gente». 



Números de Kiki no campeonato nacional:



1982/83: 2 jogos, 1 golo (V. Guimarães, 4º lugar)
1983/84: 7 jogos, 1 golo (V. Guimarães, 6º lugar)
1984/85: 26 jogos, 1 golos (D. Chaves, 1º lugar II Liga)
1985/86: 22 jogos, 3 golos (D. Chaves, 6º lugar)
1986/87: 12 jogos, 0 golos (D. Chaves, 5º lugar)
1987/88: 34 jogos, 0 golos (Sp. Braga, 11º lugar)
1988/89: 30 jogos, 1 golo (Sp. Braga, 6º lugar)
1989/90: 13 jogos, 0 golos (F.C. Porto, 1º lugar)
1990/91: 22 jogos, 1 golo (F.C. Porto, 2º lugar)
1991/92: 7 jogos, 0 golos (F.C. Porto, 1º lugar)
1992/93: 13 jogos, 0 golos (Sp. Braga, 12º lugar)
1993/94: 17 jogos, 0 golos (P. Ferreira, 16º lugar)

in "maisfutebol.iol.pt"

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