sábado, 27 de novembro de 2010

Villas-Boas descodificado

TESE DO OBSERVADOR PORTISTA DANIEL SOUSA



André Villas-Boas foi um jogador modesto e incógnito, que nunca saiu do anonimato dos campeonatos distritais. Não tem a tarimba do balneário, mas também não se enquadra, por outro lado, na vaga dos técnicos com formação académica, já que terminou a sua escolaridade com o 12.º ano. O líder da Liga e um dos homens com maior impacte no plano mediático é um autodidata. Aprendeu com os melhores, absorveu conceitos, ganhou experiência e cimentou ideias próprias. Parte desse código futebolístico está vincado numa interessante entrevista que concedeu a Daniel Sousa, há cerca de ano e meio. Na altura, Villas-Boas era adjunto de Mourinho e contribuiu com as suas opiniões para a monografia realizada no âmbito da licenciatura em Desporto e Educação Física. Hoje, Daniel Sousa é observador da equipa técnica portista e um dos homens da confiança do treinador de 33 anos.
Record consultou o documento, no qual Villas-Boas teoriza sobre o futebol como espelho da sociedade. “Eu acho que a transição ofensiva e agressiva vai um bocado de encontro ao pânico e à velocidade do futebol atual, há pressão, em torno dos treinadores, de vencer, há pouca capacidade de pensar, como falávamos há bocado dos jogadores, há o sentido de urgência que o jogo atual tem… É tudo pânico, é tudo velocidade… E transmite um bocado a ideia do que é a sociedade atual”, teoriza, concluindo que um líder é confrontado com vários impulsos: “A pressão de vitória ou a pressão de um resultado sobre o treinador é decisiva.”
Esta é uma análise que vai de encontro a outra perceção. “Há muitos jogadores que não têm entendimento do jogo… Não conseguem ler o jogo… Penso que as coisas se tornaram para o jogador demasiado fáceis… Os salários são altos, a vida é boa”, enumera, resumindo: “Chegam ao jogo e não têm capacidade de concentração, não têm capacidade de pensar o jogo, não têm capacidade de ler o jogo.” O desafio de Villas-Boas, enquanto treinador, é fazer com que os atletas levem o cérebro para o relvado. É isso que o Guardiola consegue, nomeia: “Este Barça, neste momento, é jogadores que estão em constante pensamento, pensam no gesto técnico, pensam no movimento, sabem que conseguem chamar um adversário só com a posição da bola.” Villas-Boas prefere liberdade a gestos mecânicos. “A nossa forma de trabalhar leva à criatividade, trabalhamos muito a capacidade de decisão dos jogadores”, confessa, sem descurar situações de emergência: “Um botão de pânico que eles possam usar e saber que, em caso de dificuldade, podem pensar naquela combinação ofensiva que fizeram no treino ou que têm feito ao longo da época.”
Provocar
O Barcelona é uma referência na conceção de jogo do treinador, que contraria uma ideia feita do futebol moderno ao considerar que “há mais espaços do que aquilo que se pensa”. Na sua perspetiva, um conceito-chave para furar blocos baixos é provocar. “É o que a maior parte das equipas não sabe, não se compreende, é um aspeto do jogo que é essencial, nesta altura de equipas de bloco médio-baixo e de bloco ultracompacto, vais ter de aprender a provocar, é a bola que eles querem, a equipa tem de aprender a provocar com bola, com a condução da bola”, defende.
Em mais de 40 páginas de entrevista, Daniel Sousa e Villas-Boas discutem sistemas, princípios, métodos… O técnico revela as suas preferências, algumas das quais bem vincadas no seu ainda curto currículo. Por exemplo, quando fala de Ronaldo e de Messi, é impossível não fazer a ponte para o atual Hulk. “Quando a bola chega em amplitude ao Ronaldo e tens ali certeza de sucesso no 1x1 e tens a certeza de sucesso no cruzamento é um ponto de referência… Se disseres da mesma forma que a bola entra do Xavi para o Messi e no 1x1 com o lateral, tens ali certeza de sucesso”, nomeava há ano e meio. O discurso de Villas-Boas já continha grande parte das ideias postas em prática na transição para o lugar mais desejado. No Dragão, clube e treinador vivem em lua-de-mel.

in "record.pt"

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