sábado, 4 de junho de 2011

Moncho Lopez: "Sofremos por não reconhecerem o nosso valor"

Inicialmente combinada para o Cais de Gaia, a conversa com Moncho López foi transferida para a Foz do Douro. "Prefiro esse local. Quando vinha ao Porto, como turista, praticamente não saía da Ribeira e era tão parvo que olhava para Gaia e dizia: Que bonito é aquele lado do Porto". Esta introdução dá para perceber o espírito descontraído de um treinador que iniciou a carreira profissional com apenas 25 anos. A esse propósito, lançou outra tirada bem disposta: "Aos 16 anos tirei o primeiro curso, depois de ter percebido que não valia um carago como jogador. Foi uma das melhores decisões técnicas que tomei enquanto treinador".

O despertar hoje [ontem] foi diferente do habitual, após ter conquistado o título no sétimo jogo do play-off final?

Foi apenas um pouco mais tarde que o habitual. Preparei o café, liguei o computador e tinha muitos emails de parabéns, aos quais respondi. Tinha também muitas sms no telemóvel, e não exagero se disser que passei quase duas horas a responder.

Como festejou, depois da parte visível, no Dragão Caixa?

Depois dessa explosão de alegria, fui para o gabinete com os adjuntos, abraçámo-nos com muita emotividade, a sorrir e a chorar, pois estamos juntos há dois anos e levamos muito tempo a lutar para conseguir este objectivo. Mais tarde, fomos jantar com os atletas, as famílias, a equipa técnica, elementos da Direcção e amigos pessoais. Foi muito engraçado e divertido. A cada três minutos, o jantar era interrompido com cânticos das claques do FC Porto. "Mágico Porto" foi cantado com sotaques americano e espanhol.

Sente que a campanha desta temporada, no campeonato e no play-off, não teve o reconhecimento geral?

Esta equipa sofreu durante toda a época a pressão de não lhe ser reconhecido o valor. Se fazia alguma coisa boa, era porque os outros nos davam de borla ou nos facilitavam. Se encontrava uma dificuldade, era porque estava a fazer as coisas mal. Quando a Académica de Coimbra nos eliminou na Taça de Portugal, não se falou do grande trabalho do treinador Norberto Alves; falou-se do mal que o FC Porto tinha feito. Quando ganhámos a "António Pratas", ou ficámos em primeiro na fase regular, falou-se dos problemas dos outros clubes, das lesões. Isto mentalmente faz mossa numa equipa.

Perante isso, como preparou a equipa para o play-off final?

Transmiti uma mensagem de orgulho ferido. Fiz-lhes sentir a necessidade de termos um espírito reivindicativo. Temos jogadores portugueses que são injustiçados, estão ao nível dos melhores e merecem outro reconhecimento na Comunicação Social. E, até fruto do seu relacionamento com os árbitros, mereciam esse reconhecimento.

Os seus conhecimentos na área da Psicologia Desportiva ajudaram-nos a gerir as emoções do grupo?

Sou um psicólogo da treta. Foi pelo desejo de conhecer essa área que fiz o mestrado. Isso ajudou-me na minha preparação para os jogos, na minha própria psicologia, no meu ânimo. O FC Porto tem um gabinete de psicologia, com o Luís André, que nos ajudou muito nesta fase final.

"Sou quase um tripeiro de gema"

Nos dias de folga, Moncho López prefere ficar pelo Porto, em vez de ir a Espanha. Amante da "solidão e da leitura", diz-se apaixonado pela literatura portuguesa - "Descobri Agualusa, José Luís Peixoto, Valter Hugo Mãe, Miguel Sousa Tavares. Comecei por este e li tudo". "Gosto de passear pela Foz e pela Baixa e gosto também de ir jantar fora com a minha mulher", diz. Na ementa não pode faltar um bom vinho. "Gosto muito dos vinhos portugueses. Era defensor dos vinhos galegos e sinto que era um ignorante. Estou fascinado pela gastronomia e, como sou quase como um tripeiro de gema, gosto de tripas e de francesinhas. Seria um pecado dizer o contrário".

"Estes jogadores vão ser os meus melhores amigos"

Dos jogadores aos adeptos, passando pelos dirigentes e pelas infraestruturas, Moncho López mostra-se maravilhado com a realidade do FC Porto.

Quando assinou pelo FC Porto, disse que o primeiro objectivo era "construir uma equipa". Esperava construir uma equipa tão boa?

Desejava fazê-lo, é verdade. Cheguei a um clube que tinha grandes condições para se realizar um óptimo trabalho. Mesmo conhecendo por fora a grandeza do FC Porto, fiquei admirado e surpreendido. Desde as instalações à competência das pessoas, é tudo do melhor. Uma base muito sólida para nos ajudar a ganhar títulos.

Após o título, também disse: "Provavelmente tomei a melhor decisão da minha vida". Quer explicar-se melhor...

Trabalhei em várias equipas espanholas, grandes e pequenas, gostei de todas, fui um dos treinadores mais novos a chegar à Liga ACB e sou o segundo seleccionador mais novo de sempre da história. Chegar ao FC Porto significou conhecer a dimensão de um clube que tem muitas modalidades e uma mística especial. Nele sente-se diariamente a paixão dos adeptos e temos a sensação de pertencer a um clube que move toda uma cidade e uma região.

Talvez sinta isso porque um galego se identifica muito com o Porto, uma espécie de extensão da Galiza?

As fronteiras, muitas vezes, são mais psicológicas do que físicas ou sociais. Encontro no Porto pessoas com feitios iguais aos dos meus pais, dos meus primos e não só. Esta cidade e a sua gente é fantástica, espectacular.

Já fez, então, grandes amizades?

Tenho aqui muitos dos meus melhores amigos, que vão fazer parte da minha vida até morrer.

Laços de amizade que se estendem aos jogadores?

Sinto por eles grande carinho, respeito e admiração. Daqui a uns anos vão ser dos meus melhores amigos. Actualmente há certa dificuldade em sermos mais íntimos. Sou o treinador e, muitas vezes, tenho de fazer com que o confronto seja necessário, provocando-os, falando-lhes grosso e fazendo com que tenham remorsos, o que para eles não é fácil de encarar.

"Por vezes somos um bocado malucos"

Quando o mais lógico seria encontrar um treinador campeão a necessitar de férias, eis mais uma surpreendente revelação de Moncho López: "No dia seguinte à conquista do título sentia-me bem, contente, mas nós, treinadores, somos um bocado malucos. As primeiras coisas em que pensei, enquanto preparava o café da manhã, era quando é o próximo treino, como é que vamos fazer agora, se vamos treinar com a formação, provavelmente até ao próximo dia 30". Na explicação desse estado viciante, prossegue: "Há uma rotina. O treino
é como uma droga. Gosto da competição e de orientar jogos, mas do que realmente gosto é de preparar treinos, programá-los, fazer aquele trabalho de campo que se faz diariamente, ver como a equipa evolui, à custa de um trabalho criativo que me dá muito prazer".

André Villas-Boas comparado à Grande lenda da NBA

Franklim Pais, do hóquei em patins, e Ljubomir Obradovic, do andebol, são os treinadores do FC Porto com quem Moncho López tem "um contacto mais permanente", situação explicada pelo simples facto de "estarmos muitas vezes no mesmo local de treino [Dragão Caixa]". Relativamente a André Villas-Boas, existe uma menor intimidade. "Tive poucas oportunidades de falar com ele, mas já tivemos vários encontros casuais", antecipa, antes de o cobrir de elogios: "Percebi de imediato que se trata de um homem preparado, o protótipo do treinador moderno, do top mundial, tal como o Mourinho, o Guardiola ou o Phil Jackson".

Desejo de Pinto de Costa aponta(va) a continuidade

Quando Moncho López assinou contrato com o FC Porto, em 2009, Pinto da Costa disse esperar que fosse "o primeiro de muitos". O actual expira no próximo dia 30 e o treinador prefere desviar o assunto: "Para já, estamos a festejar e só depois iremos falar do futuro".

in "ojogo.pt"

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